Rui é freguês do bar de Zé, em Jaguaribe, há exatos trinta e cinco anos. Religiosamente, Rui comparece para o seu uísque suspeito. É um bebinho puro sangue. Bebe pelo prazer de beber. Tendo companhia, ainda bate um papo furado, mas não é suscetível de muito entusiasmo pela arte da fofoca.
Rui conta que começou a beber por causa dos defuntos. Não foi problema de chifres, que ele é solteiro convicto aos sessenta e cinco anos. Nem tornou-se adepto da bebida por influência de amigos ou herança do DNA, “coisa feita” ou perturbação psíquica. Foram os mortos os culpados pelo seu hábito de tomar uísque diariamente. “Trabalhei na perícia que examina os defuntos. Naquele tempo o serviço era mais inconsistente, a geladeira funcionava de modo precário. O mau cheiro dominava o ambiente. Todo mundo era obrigado a tomar meia garrafa de cachaça antes de começar a abrir aqueles corpos meio putrefatos. Foi assim que eu comecei a beber”, conta Rui. Acaba citando a Bíblia: "Disse Jesus: tirai a pedra. Marta, irmã do defunto, disse-lhe: Senhor, já cheira mau, porque é já de quatro dias. João 11; 39.”
Rui bebia com Porto, outro cliente histórico de Zé. No final do ano passado, o velho Porto partiu para o andar de cima. Agora sem parceiro fixo, Rui chega no bar, senta sozinho e pede seu uísque. Se alguém pedir para sentar junto, ele não faz objeção. No seu entender e no seu sistema, bebida é pra beber e não pra filosofar, conversar, discutir futebol ou outras abobrinhas. Toma sua cota, fuma seu cigarrinho e vai embora. Não sei se bebe a parcela de Porto, em homenagem ao colega de tantos anos.
Sujeito bem conservado, Rui dá a receita: tomar cinco doses de uísque todos os dias. “É bom pra saúde, combate diabetes, evita ganho de peso e protege o coração. O que faz engordar é o tira-gosto, e isso eu não uso”, garante.
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