terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Leão velho no monobloco do carnaval


          

          O monobloco é o bloco de um babaca só. O velho Leão saiu no monobloco com a camisa do glorioso bloco As Cuecas, do Sérgio Ricardo Piaba, neste ano fazendo uma reverência especial a um dos fundadores, o João de Deus Rafael, um cabra que não teve medo da morte porque viveu intensamente. “Quem não vive tem medo da morte”, conforme o ideário de Itamar Assumpção. O bloco As Cuecas reúne a fina flor da galera do porre sustentável. Até hipocondríaco pega no pau da bandeira das Cuecas, mas, hipocondríaco não bebe cerveja, faz tratamento com gelo via oral.

          Abaixe suas armas, cidadão, e venha brincar o carnaval. Se possível, sem discutir política porque, ás vezes, você fica polemizando com um imbecil e ele também. Não brinquei no bloco das Virgens por falta de mobilidade, mas dou o maior “rapoio”. Não concordo com o preconceito velado do tal de Ameba. Esse protozoário que se reproduz pela divisão celular garante que “homem que se veste de mulher no carnaval é igual sol das oito horas da manhã: a gente pensa que não queima, mas queima!”
         Desde que passei a integrar o corpo de integrantes do bloco dos “unidos do pé na cova”, dificilmente saio no carnaval. Mas, esse ano eu fui pular carnaval no estilo Cid Gomes: já chegava passando o trator. Pero, com ternura. Sérgio Vaz cantava a bola: “assim como um bom espadachim, é preciso ter elegância para atingir seus adversários”.
          Na apuração do meu carnaval, cheguei empatado com os concorrentes. Mais uma vez citando Sérgio Vaz: “em hipótese alguma, tente chegar em primeiro. Chegar junto é melhor, até porque, o universo não distribui medalhas nem troféus”. No quesito fantasia, tirei 9,9 com minha concepção de “Zé do Caixão na folia”. A Comissão de Frente é composta de um poeta fingido. Não acredite em poetas. São pessoas mascaradas. O enredo levou nota 10 porque desmoralizou o delírio fascista. Aliás, no Brasil todo, o carnaval de 2020 esculachou geral com os cães de guarda dos milicianos e os “galinhas verdes” do autoritarismo. No quesito Harmonia, a nota foi baixa porque o equilíbrio anda ameaçado demais nesse país tropical abençoado por Deus e ordinário por natureza. Paz e concórdia andam em vias de regressão. Na Alegoria, a nota foi péssima porque inventaram um mito bufão a nos prometer quatro anos de sono raso e mal dormido.
          Por fim, meu déficit de atenção não me deixa escutar o que a cartomante Madame Preciosa tenta me dizer com sua boca suja de ressentimento. Madame garante que meu bloco ganhou fraudulentamente por meio de golpe e compra dos jurados, tentando me igualar a certo repulsivo, ignorante, arrogante e imbecil, autor da frase: ““Política é saber a hora de puxar o gatilho”.

domingo, 23 de fevereiro de 2020

POEMA DO DOMINGO



O TIME DE DEUS
    Autor: Bento Júnior

O Cordel pode fazer
Tudo aquilo que quiser
Cordelista é bicho livre
Esteja onde estiver
Brinca até com a Santidade
Se assim se dispuser.

Deus organizou um time
Para jogar com o Diabo
No time do Capiroto
Não tem Capitão, tem Cabo
A patente é rebaixada
E o fuzuê é brabo.

Para reforçar o time
Deus convocou Baltazar
O artilheiro de Deus
Para o jogo singular
Centro avante abençoado
Para o escrete bombar.

Satanás chamou Roberto
O Diabo Loiro afamado
Jogou no Clube do Remo
E até hoje é lembrado
Pelo torcida remista
E por ela idolatrado.

O Caldeirão do Diabo
Um campo de futebol
Que fica no Paraná
Em formato de urinol
Foi o local escolhido
Para este jogo de escol.

O pão que o Diabo amassou
Foi para todos servido
Para dar sustentação
E o corpo ficar nutrido
Para esta grande peleja
Com muito fogo e grunido.

Para apitar a partida
Foi o juiz Cogumelo
Devidamente chamado
Com sua foice e martelo
Só tinha cartão vermelho
Aboliu o amarelo.

Quando o jogo começou
Não se via mais ninguém
Um fumaceiro danado
E catinga de sedém
Placar do primeiro tempo
Já estava cem a cem.

Mas o Anjo Gabriel
Querendo desempatar
Falou com o Chefe Deus
Para convocar Neymar
O Satanás protestou
E foi grande o bafafá.

Em truque sensacional
Um Diabo avança e vence
Possuindo um jogador
Impedindo que ele pense
“Sai do corpo desse homem
Que ele não te pertence!”

Assim disse um pastor
Que estava na bandeirinha
São José era o gandula
Muita coragem ele tinha
Aquilo não era um campo
Mais parecia uma rinha

Onde os cães se devoravam
Como Dia do Juízo
Juiz acabou o jogo
Badalando no seu guizo
Marcando o desempate
Domingo no Paraíso.

O Satanás, prevenido
Pra garantir a vitória
Quis que o Juiz Sérgio Moro
O ídolo daquela escória
Fosse o Juiz da partida
Em decisão compulsória.

Isso foi voto vencido
Mas exigiram o VAR
Para evitar roubalheira
Ninguém queria arriscar
Chamaram Mário Vianna
Para a partida apitar.

E o Cão Futebol Clube
Ficou assim escalado:
Goleiro: Mané Cão Coxo
Tromba Suja e Mal Lavado
Bigodeira e Zé Goteira
Tribufu e Pé Rapado

Cururu e Trupizupe
Zé Queiroz e Bolsonaro
Assim formava o time
Que contava com o amparo
Do grande mestre Satã
Vestindo vermelho claro.

Já o time do Senhor
A cor era o azul
O treinador João Saldanha
O goleiro era Raul
Jogadores nordestinos
Não tinha ninguém do sul.

Porque Deus que é sapiência
Só escalou cabra macho
Vetou cabra elitizado
Pra não haver cambalacho
Só não escalou baiano
Para evitar um despacho.


O forte time divino
Ficou assim no papel:
Goleiro: Zé de Jesus
Rafael e São Miguel
Santo Inácio de Loyola
E São Maurício do Céu.

Correndo na ponta esquerda
Escalaram São José
Houve um pedido formal
Pra convocar o Pelé
Que foi atleta do Santos
Ideia de São Tomé.

Porém Pelé ficou fora
Do time celestial
Pois o Rei do Futebol
Não chegou nesse astral
Ainda come farinha
Na terra do carnaval.

No dia que foi marcado
Esse jogo amistoso
Saddam Hussein foi saudado
Pelo Capitão Tinhoso
Como homenageado
Em gesto muito afrontoso.

Já o líder da torcida
Era Hitler da Alemanha
O campo de jogo estava
No pico de uma montanha
O cão jogava subindo
Para perder sua banha.

O demoníaco escrete
Começou jogando bem
Tabelando invisível
Com as forças do além
Ninguém via nem a bola
No infernal vai e vem.

O ponteiro Bigodeira
Enfim abriu o placar
Um a zero para o Cão
Verificaram no VAR
Anularam o gol do Diabo
Devido ao chifre ele usar:

Quando deu a cabeçada
Acabou furando a bola
Devido à protuberância
Que tem na sua cachola
Satanás quis protestar
Santo Antão entrou de sola.

Tromba Suja entrou pesado
Machucou São Barnabé
Levou o cartão vermelho
Pela entrada de má fé
Abriram até um BO
Por causa do pontapé.

O final foi zero a zero
Ninguém ganhou ou perdeu
Todos confraternizaram
O fiel e o ateu
Porque não existe o mal
Assim falou Zebedeu.

A onça que mata o bode
Não é má por natureza
Ela só sabe comer
Assassinando a presa
Quem mata por diversão
Isso sim que é baixeza.

O Mal é o que vai contra
Nossa própria natureza
O resto se chama Bem
Disso eu tenho certeza
Tanto é bom o cabritinho
Como a feroz tigresa.

O jogo do Bem e Mal
Só existe no cordel
Ou na cabeça do tolo
Que considera infiel
Quem não crê nas divindades
Que ensinou seu bedel.

Os dois times disputantes
Receberam uma medalha
Por entenderem enfim
Que a vida não é batalha
O “santo” e o pecador
Ardem na mesma fornalha.



sábado, 22 de fevereiro de 2020

DIÁRIO DO AMEBA



Morreu Zé do Caixão. Antes de morrer, Zé do Caixão disse que tava meio desgostoso porque perdeu o título de pai do horror brasileiro e resolveu subir. Depois de Bolsonaro, ele deixou de ser o maior horror brasileiro.

Bolsonaro não quebra o decoro porque ele não tem isso. É feito Madame Preciosa que não quebra o cabaço porque não tem! Simples assim.

Uma campanha para doação de órgãos que eu achei assim meio que bolsonímica por ser inconveniente e anedoticamente sem graça: “você não é de se jogar fora, seja doador de órgão”. Não é uma frase safadística?

Juiz da Paraíba determina que o prefeito Cartaxo de João Pessoa explique aumento da passagem de ônibus na capital da Paraíba do Norte. Imagina se o prefeito fosse sincero com esse juiz: “excelência, data vênia, quero dizer que aumentei o preço da passagem porque a eleição ta na porta, eu preciso fazer caixa pra campanha e a maior fonte de renda do caixa dois é a galera dos ônibus”.

O deputado bolsonarista da Paraíba, Wagner Virgolino Lampião, protocolou CPI pra cassar o governador João Azevedo por “não se responsabilizar por delitos funcionais dos seus subordinados”. Vou recorrer ao nosso jurisconsulto Beto Palhano pra ele esclarecer essa treta. Esse deputado Virgolino é uma fonte inesgotável de matéria pra esse diário. Ele quer aparecer mais do que umbigo de vedete.

O ex ator pornô e atual deputado, ex bolsonarista, ex artista sexual Alexandre Frota publicou no Twitter fotos do Luiz Galleazo, Secretário de Mídias do Governo, mordendo as bundas de umas moças numa suruba, um ménage. Ele, o Frota, disse que o mordedor de bunda fere o decoro porque as bundas das mulheres devem ser lambidas e não mordidas.

Polícia da PB entram em operação tartaruga. Tudo devagar... Todo mundo na maciota... tudo light... sem pressa... Delegado vai trabalhar de patinete. Máximo de 30 Km por hora. Greve branca. Amigo meu, tenente da PM, disse que ta fora dessa greve branca. Ele é negro. “Se fosse uma greve pelo menos queimadinha como o saca-trapo de Bolsonaro, mas greve branca? Tô fora!”

No Ceará, a greve de lá foi marrom. Greve de miliciano. O Cid Gomes pegou uma pá escavadeira e queria entrar no quartel, deram um tiro de bala de borracha nele que saiu sangue. A facada de Bolsonaro não verteu sangue, mas o tiro de borracha sangrou. A cena exigia sangue. Na facada, o sangue ia atrapalhar a cena. Quer dizer, tudo no seu devido lugar. No Ceará os milicianos queriam derrubar o governo. Aqui na Paraíba, a Polícia também quer desmoralizar o governo pra implantar o Governo Militar Miliciano Virgolino Lampião Macho Todo.

Livraram nosso deputado Wilson Santiago da forca. Frei Anastácio votou a favor do pescoço de Wilson porque Deus disse: “jogue a primeira pedra quem nunca comeu um toco ou quem nunca pegou uma peitazinha licitatória”.

Brasil é o 4º país mais quente do universo. Só perde pro inferno e pro rabo de Madame Preciosa.

Empresária pernambucana criou o picolé em forma de rola pra vender no carnaval. É o “picalé”. O slogan é “chupa que hidrata”. O sorvete é coberto com chocolate meio amargo e terá recheio de vários sabores, incluindo de cachaça. A Ministra do Decoro, Damares, já mandou investigar e enquadrar a moça do picolé de pica na Lei de Segurança Alimentar Pudicícia Nacional. Madame Preciosa adorou a ideia e vai fazer a tapioca de xota. É a tapixota, sabores diversos.

Viúva de Gugu Liberato disse que vai processar quem chamou Gugu de gay e manchou sua honra. É uma espécie de BBB do além. Muita fofoca, muito disse me disse, safadeza envolvida e um toque de luxo e ostentação.

Por falar em BBB, esse programa latrinal ta completando vinte anos. Em vinte anos de merda no ar, só podia dar em um Presidente feito Bolsonaro. Prepararam a cabeça do brasileiro por vinte anos pra votar em Bolsonaro.

Madame Preciosa dá a dica: nesse carnaval, pra evitar filhos, transe com sua cunhada ou cunhado. Você não terá filhos e sim sobrinhos.

Papa a Lula: “eu perdoo teus pecado”. Lula: “Sua Santidade, os pecados não são meus, são de um amigo lá de Atibaia”.

E nesse carnaval, trepar só na goiabeira. E moderar no todinho. Ameba já decidiu que vai passar dois dias sem beber em fevereiro: dias 30 e 31.

Hoje esse diário ta igual a TV de pobre: sem controle!

Botaram um general na Casa Civil. É piada pronta! Pega outro general parasita e bota na Secretaria do Trabalho. Por falar em Parasita, o filme Parasita ganhou o Oscar do Funcionário Público.

E empregada doméstica agora vai pra Bayeux, pra Cabedelo, pra Sta. Rita. De trem. Nada de Disneylândia. No máximo, Odilândia. Quer ver Mickey? Vai à Disneylândia. Quer ver o Pateta? Vai a Brasília. Puta que pariu! Já tem classe média atrapalhando pobre nas rodoviárias!

Eu não suporto mais piada homofóbica envolvendo a família do nosso Presidente Bozó. A mais recente piadinha diz que Eduardo Bolsonaro queima arquivo, Jair queima paciência e Carlos Bolsonaro queima rosca! Oxe, o rapaz até namorada já arrumou. Povinho falador!

Sou uma pessoa que pensa no bem estar do próximo. Às vezes eu penso em parar de beber, mas vejo que o dono do bar tem família pra sustentar, é uma questão humanitária!

Deputados da Paraíba aprovam bebida em estádios de futebol. Mé livre. Agora, marijuana só com a galera da Independente. A Presidente da FPF soltou essa pérola: “bebida e futebol sempre andaram de mãos dadas”.

Eduardo Bolsonaro pediam pras mulheres rasparem o sovaco nesse carnaval pra evitar espalhar o vírus petista. Não esclareceu se é pra raspar a rachadinha também. De rachadinha ele entende.

Ameba chegou da igreja, pegou a sogra e começou a dançar com ela. “A pregação de hoje foi sobre como tratar bem sua sogra?” “Não, foi sobre como carregar sua cruz com alegria”.

Nesse carnaval, to mais pra baixo do que Ibope da Rádio Zumbi. Deveria ter políticas públicas para pessoas em situação de merda.

"Eu se orgulho-me todinho por ser cidadão dessa merda. Jamais verás um país da porra feito este!" - Luiz Berto.

Americano já foi preso mais de 1.500 vezes - Henry Earl, de 65 anos, foi apelidado "O homem mais preso do mundo" pelo site "The Smoking Gun", especializado em crimes. Ricardo Coutinho agora é que vai na primeira, mas promete se esforçar.

Esse Ricardo Coutinho é um inocente à vista dos ladrões disfarçados de bons moços, sob os aplausos da mesma massa que é direcionada para demonizar os inimigos do sistema.

O cara tuitou: “General Heleno, o senhor é um bucéfalo anácrono”. Bucéfalo é cavalo de general e anácrono é o sujeito anacrônico mesmo, uma espécie de dinossauro tiranorex fora de moda.







domingo, 16 de fevereiro de 2020

Madame Preciosa comenta o livreto de Stelo Queiroga



O amigo Stelo me pede para fazer apresentação do “Resgatando Zé Limeira”. Ele não disse, mas desconfio que esse pedido tem por base três motivos: a) pegar carona na fama, boa ou má, desta Madame; b) aumentar o grau de desfaçatez e despudor do material; c) achando que sou uma mulher de vida fácil, Stelo quer um prefácio que seja fácil e que acene com o posfácio. Ou seja, ele quer na frente e atrás. Esse povo safadinho que escreve safadeza de cantador safado eu conheço de longe.

Já botando o epílogo que o cachê foi abaixo da tabela do lupanar, quero crer que Stelo fez um excelente trabalho sobre a picardia e malandragem de um matuto poeta cantador bandalheiro das quebradas do sertão.

Termino lendo a mão da cigana analfabeta cujo vaticínio indica este livro de Stelo como o maior sucesso de vendas com sintoma de calote, o popular xexo, no mundo editorial independente. Traduzindo: vai vender muito fiado aos amigos e poucos irão honrar o compromisso. Mas a volúpia de publicar tal livreto paga a irritação.

Eu, Madame Preciosa, sou uma praticante da arte divinatória da cartomancia. Interpreto o passado, presente e futuro pela leitura das cartas de jogar. Desvendando o que está oculto, estudei alquimia com Paulo Coelho, aprendendo a transformar a matéria fecal em lira turca, moeda que menos vale no planeta, o que na verdade não vem a ser grande prodígio, mas já demonstra minha capacidade no desvendar de panaceias mundiais.

Ainda sobre o livreto de Stelo Queiroga, em virtude dessa Madame Preciosa não ter muita familiaridade com as letras, na qualidade de analfabeta virtual com muito orgulho, sem ser uma desprovida mental como certo Capitão Patetão, só posso dizer que essa obra já pode ser considerada um clássico da limeiridade, a arte de conhecer e recriar com paixão e sabedoria as “sabenças” do maior poeta irracional que “a Paraíba criou-lo”. Por não se enquadrar em regras, Zé Limeira foi um poeta anarquista e aqui eu digo sem medo das academias: poeta que não transgride é um merda.

Madame Preciosa


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020


IPHAN da Paraíba planeja I Encontro de salvaguarda da Literatura de Cordel na Paraíba

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dando continuidade ao processo de salvaguarda da Literatura de Cordel, está planejando para este ano de 2020 o I Encontro de Salvaguarda da Literatura de Cordel na Paraíba, com a intenção de estabelecer diretrizes e um plano de ação para orientar as políticas públicas voltadas para este patrimônio cultural brasileiro no estado. Para que esse encontro seja construído coletivamente, serão realizadas algumas reuniões locais com detentores (poetas, xilogravadores, pesquisadores, instituições, etc), começando por João Pessoa, conforme informação da antropóloga Nina Vicente Lannes, da Divisão Técnica do Iphan na Paraíba.

No dia 18 de fevereiro, as 09h, será realizada a primeira reunião prévia na Fundação Casa de José Américo. A Academia de Cordel do Vale do Paraíba participará desta reunião e planeja a realização desses encontros em outras cidades onde residam membros atuantes da instituição.


Unhandeijara Lisboa, um conterrâneo por afinidade


A matriz afetiva de Unhandeijara Lisboa era Itabaiana. Foi da reminiscência mais primordial daquela cidadezinha à margem direita do rio Paraíba que ele produziu os primeiros cortes profundos na rústica madeira da raiz primitiva. Seu avô Carvalho negociava com ouro nos tempos áureos da velha Itabaiana da feira de gado mais famosa do Nordeste brasileiro. Sua mãe nasceu na terra de Sivuca e Vladimir Carvalho, de quem foi amigo a vida toda, talvez parentes. O próprio Vladimir é mestre na gravura e na criação gráfica. Quem influenciou quem?
José Serra escreveu em prefácio de livro de Vladimir Carvalho, citando outro artista: “Segundo o catalão Gaudí, não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras”. Quero reverenciar esse mestre paraibano, Unhandeijara Lisboa, porque ele foi um grande artista visual e, principalmente, porque seu universo íntimo e psicológico estava ligado diretamente à minha terra. Unhandeijara partilhava conosco as memórias itabaianenses. A arte de Unhandeijara é inspiração nascida dos vestígios do agreste de onde saíram seus pais. “Vladimir de Carvalho carrega o Nordeste brasileiro dentro de si para onde vai e nunca perdeu o sotaque, seja na língua, seja na alma”, disse o jornalista Carlos Alberto Matos. Unhandeijara, que nasceu em João Pessoa, sempre retornava às suas origens mais remotas, a centenária Itabaiana de sua infância.
Em entrevista que me concedeu na Rádio Tabajara, a última desde que se recolheu ao seu refúgio no bairro Jaguaribe e praticamente descontinuou seu trabalho após a aposentadoria, Nandinho mostrou-se profundo conhecedor da história de Itabaiana, desde o começo do século vinte quando aquele burgo brilhava como um lugar de cultura e desenvolvimento. “A primeira revista cultural da Paraíba foi editada em Itabaiana, a “Nova era”, de Sabiniano Maia”, lembrou Unhandeijara. Nessa revista, seu avô anunciava sua loja de joias e relógios.
No perfil de Unhandeijara Lisboa o registro de seu lado generoso e político. Ele sempre fez questão de evocar a luta e cultuar a memória de uma personagem controvertida da história social e política itabaianense. O agitador político e cultural Francisco Joaquim de Almeida Neto, o Chico Veneno, foi colega de Unhandeijara. Essa afinidade levou o mestre Nandinho a proteger Chico quando perseguido pela repressão do movimento militar de 1964. Chico fundou o jornal “Evolução” e foi um dos pioneiros do cinema documentário paraibano, o que o leva para a seara de Vladimir Carvalho. Repare no arranjo dessa teia. Sobre ele escrevi o folheto “O homem que intoxicou a burguesia”. Perseguido pela ditadura, Chico encontrou em Unhandeijara um protetor e amigo. A trágica desgraça do despotismo militar uniu o arrebatado Chico e o utopista Unhandeijara Lisboa. Ambos sonhavam com uma nação desamarrada das correntes do atraso. Eles não se encontram mais dentre os vivos. Chico se suicidou há muitos anos. Nandinho feneceu em 11 de fevereiro de 2020, dia de Nossa Senhora de Lourdes. O que me faz lembrar de Maria de Lourdes Almeida, a Lourdinha, irmã de Chico Veneno, aliada de Unhamdeijara na luta pela preservação da memória de Chico.
De fato, o gravador, escultor, fotógrafo, jornalista e professor Unhamdeijara Lisboa é e será sempre um nome de destaque na história da arte brasileira. E não só no território da arte. Nandinho foi um combatente pela liberdade de expressão. A jornalista Fabrícia Jordão faz uma reflexão sobre as artes visuais, as universidades e o regime militar brasileiro a partir da criação do Núcleo de Arte Contemporânea da Universidade Federal da Paraíba. Da mesma forma como pretendem hoje os aprendizes de ditadores no poder, em 1975 o Governo Federal procurava montar formas de controle e adequação da cultura aos interesses ideológicos dos militares. A Política Nacional de Cultura, no entanto, deixava brechas para atuação de artistas de esquerda. Nas universidades, foram criados cursos de Educação Artística. Na Paraíba, a UFPB concebeu o Núcleo de Arte Contemporânea. Fabrícia conta as lutas dos artistas e professores para fazer respeitarem esse setor na Universidade, mesmo com um Ministério conservador, culturalmente tradicionalista e obediente ao controle político-ideológico do regime. Unhandeijara estava lá, na linha de frente, com sua resistência e sua têmpera em matrizes de puro carvalho pugnador das boas causas.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Adotei um boneco de ventríloquo




Apareceu na minha calçada. Estranhamente. Boca corrompida, absurdamente insólito. Fiz uma foto e deixei o boneco onde estava, talvez esperando o caminhão do lixo. Emiti comunicado urgente para meus contatos no Facebook: “acabei de encontrar uma cabeça de boneco, o que eu faço? Será um boneco do vodu? Um amuleto? Um mal presságio?” Supersticiosos aconselharam: “deixa onde está e esquece essa porra!" Tentei pensar como uma anta: “E se for esconjuro de algum vizinho malfazejo?” Faz sentido, no país onde cruzar com gato preto atrai urucubaca. O inconsciente coletivo verde, amarelo e carmim ta cheio de crendices. Abala os nervos de qualquer paspalho.

Voltei à cena da transgressão porque gosto de bonecos e também porque um boneco sem vida envolve a vida e a vida contém lances enigmáticos. A quem pertenceu? Qual sua missão artística? Seria de fato um fantoche ou um manequim desgarrado do corpo? Desconfio de um vizinho que é artista de rua. Mexe com boi de reis, maculelê, ciranda, caboclinhos e fandangos. Quem sabe, a cabeça teria se extraviado de seus entulhos. Não sei se pratica a ventriloquia. Sei que é magniloquente. Fala pelos cotovelos. Talvez pelo nariz.

O fato é que o boneco misterioso fica sendo uma obra de arte no seu feitio ordinário de lã de vidro ou algo parecido. Por ser intrigante, guardar segredos, é arte. Se fosse nítido e patente sua origem, não seria arte. Definido seu caráter cultural e refinado, decidi adota-lo. Ficou no meu escritório, contemplando a desordem com seu olhar vazio e querendo proferir palavras com sua boca aberta sem articulação. Um artefato na sua simplicidade que é muito complexo. Tenta falar do indizível. O filósofo Sartre andou dizendo que o significado de um objeto é o próprio objeto. Dependendo de quem olha, pode ser traduzido de diversas maneiras. Ou foi mais ou menos o que disse o filósofo. Às vezes não entendo a filosofia. Nem a filosofia me entende bem, se é que assimilam o que eu tentei comunicar. De repentemente sou assim feito esse boneco: abro a boca, quero proferir altas verdades e brilhantes ideias, falta alguém pra manejar as articulações do fantoche. Sentimentos, sensações abstratas, divagações, lembranças de antigos bonecos de babau construídos com mulungu, imagens alegres ou sombrias. Tudo a partir da contemplação deste boneco.

Faces multifacetadas da vida do povo, da arte popular. Em um nível mais alto de significado, pode ser um símbolo do nosso tempo. O discurso fascista da censura, a tentativa de assassinato da democracia. Um grito parado no ar, um vácuo. Daqui a vinte anos talvez a gente compreenderá o que fizeram com a cultura brasileira. Enquanto isso, o boneco e sua cabeça vazia e sua boca aberta sem discurso fica me lembrando do dever de tentar exprimir essa inquietação.