sexta-feira, 31 de julho de 2009

A mala moscovita do Mister Kaltos


Mais conhecida como a mala misteriosa, a moscovita é um baú onde o ilusionista se fecha com cadeado para logo depois reaparecer, sem abrir a tampa. Meu tio Luiz Mello era especialista neste truque mágico clássico. Antes de morrer, ele demonstrava angústia por não deixar nenhum herdeiro de sua arte. Ninguém se interessou em aprender o truque da mala moscovita.

Fiquei com a mala em minha casa, guardada no quartinho dos fundos. Na submersão da noite, eu não consigo mais dormir direito, sonhando sonhos impossíveis como a mecânica de sair da mala, trancado por fora. É um desafio inquietante no ermo de minhas madrugadas insones. Meus arquivos mentais rolam morosamente, sem entender o sentido da mala, da morte, da vida.

Quando adolescente, comecei um conto com a frase: “o que há atrás da porta?” Pensava nessa tentativa frustrada de produzir um conto de fundo psicológico, mas agora, talvez o conto se iniciasse com a pergunta: “o que há dentro da mala?”

Meu tio deixou muitos aparelhos mágicos: baralhos, espadas, cadeiras de levitação, bolas, argolas chinesas e cordas falsas. Tenho segredos escondidos debaixo da cama, dentro dos armários e em lugares inesperados. O ardor apaixonado do meu tio Luiz pela arte mágica acumulou um mundo de pequenos encantamentos. Mas a mala moscovita foi elevada à categoria de símbolo, não de uma carreira de ilusionista, mas de minhas frustrações pessoais. Fora da mala sei que chorei lágrimas doces, acessei vagas lembranças e uma saudade já esquecida, expectativas de sonhos há muito sepultados. Velho sem amanhã, olho para a mala, olhos tensos, um brilho de desafio que acaba logo. O mistério da mala continua lá, como a esfinge: “decifra-me ou te devorarei”.

Um dia desses vou abrir a mala moscovita e descobrir o fundo falso por onde o corpo franzino do Mister Kaltos escapulia num piscar de olhos, reaparecendo, glorioso e vitorioso, para os aplausos da platéia. De qualquer modo, é como se, partindo, ele se perpetuasse nessa mala que toco e acaricio como um pedaço de mim, sangue do meu sangue.

São quase cinco horas da manhã, mais uma noite insone. O céu com promessa de chuva. Sentado na mala moscovita, ouço murmúrios abafados saindo pelas frestas da velha arca, ruído de passos sussurrantes no pequeno quarto escuro. Então começo a medir a extensão daquela preciosidade, resolvido a não mais mexer nos seus mistérios.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Uma promotora em favor das rádios comunitárias



Povo de Mari em manifestação de solidariedade à rádio Araçá. Apoio da população foi fundamental na luta pela regularização da emissora.


Ser favorável à livre expressão, como determina a Constituição Federal, é fácil. Difícil é manifestar esta opinião oficialmente, numa conjuntura política desfavorável, afrontando seus pares e os procedimentos de uma Justiça carcomida e muitas vezes subserviente ao poder econômico.

Foi em 1998 que se deu a inauguração da Rádio Comunitária Araçá, de Mari (PB). Bastante ciente do perigo que seria colocar no ar uma estação de rádio comunitária sem licença do governo, mas consciente do direito constitucional de faze-lo, procurei o apoio das autroridades locais. O prefeito, suspeitando que uma rádio sob controle de pessoas fora do seu círculo de poder seria uma ameaça, deixou claro que aquilo não lhe dizia respeito. Os vereadores não falharam na prática de produzir um humor sombrio, apresentando projeto de lei que proibia a emissora de receber qualquer ajuda financeira.

Isolado em meio à mediocridade provinciana, o grupo gestor procurou o juiz da Comarca. Sua excelência isentou-se de se manifestar sobre o assunto, “visto que se constitui matéria da alçada federal”. Batemos à porta da Dra. Adriana Araújo, Promotora de Justiça, filha do ex-deputado Pedro Adelson. Ela não só escreveu ofício apoiando a rádio como deu entrevista no meu programa jornalístico. Meses depois, a Polícia Federal bateu em nossa porta, aias, arrombou o cadeado e invadiu a Sociedade Cultural Poeta Z da Luz, onde funcionava o estúdio da Rádio Comunitária Araçá. Não levou nenhum equipamento porque nosso compadre mestre Camilo, da Rádio Comunitária de Sapé, telefonou antes avisando da presença dos federais, com tempo para desarmar o circo e transportar para o sítio de um amigo em Taumatá.

Embora não tenhamos sido pegos em flagrante, a “visita” me rendeu um processo na Justiça Federal. Agonizante, a Rádio Araçá afundou em dívidas. Foram muitas as dificuldades até que finalmente veio a outorga do Ministério das Comunicações.

Nossa disposição de ânimo em continuar a luta veio de demonstrações de apoio como a da Dra. Adriana Araújo. Para ela, “a imprensa desempenha relevante papel social, e como a livre manifestação da palavra é inerente à democracia, esta Promotoria, à luz dos princípios constitucionais que garantem as liberdades civis, oferece o aval à Rádio Comunitária Araçá, por ser constituída de cidadãos honrados e representativos da sociedade mariense.”


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quarta-feira, 29 de julho de 2009

Babá e Bebé



Deste território neutro da Toca do Leão, posso falar em política de Itabaiana sem que a conversa ganhe contornos de arena. Aqui o leão não tem bandeira, não veste camisa de time nenhum. Aliás, não quero papo de política, mas sim falar dos camaradas populares nas plagas itabaianenses, como esse Babá que todo mundo conhece, prefeito duas vezes, oleiro de profissão, sujeito simples e carismático. Quando perdeu sua última eleição, Babá cunhou a frase: ““Como disse o poeta Augusto dos Anjos, a mão que aplaude é a mesma que vaia”.

Na foto, vê-se Zé Maranhão ensinando Babá a ganhar eleição sem gastar dinheiro. Algo assim como ensinar padre a rezar o Pai Nosso. Sebastião Tavares, o nome oficial de Babá, foi escolhido pela sorte para presidir dois momentos especiais de sua terra. Comemorou como prefeito o centenário do município e o centenário do poeta Zé da Luz. Inaugurou até o busto do poeta das “fulô de Puxinanã”. Apesar de iletrado, foi na sua gestão que se criou o Conselho Municipal de Cultura.

Bebé foi minha professora de português no antigo Ginásio Estadual de Itabaiana. Competente no seu ofício, professora Bebé protagonizou um episódio que marcou a fase do autoritarismo político em nossa cidade. O Brasil assistia a um período de exceção, no governo dos militares. Os valores liberais como liberdade individual, política e religiosa eram colocados em xeque. Os puritanos, demagogos e fascistas aproveitavam para delatar as pessoas, cometendo muitos erros e injustiças.

Idalmo da Silva era também professor do Ginásio, ensinando História Geral. Nas suas aulas, Idalmo falava de tudo. Seu discurso incluía até questões sexuais, liberdade para as mulheres disporem de seu próprio corpo, entre outros assuntos explosivos para a época. O resultado dessa audácia foi que um grupo de professores se reuniu, capitaneado por Bebé, pedindo a cabeça do mestre Idalmo por “incitar a imoralidade e a subversão”. Idalmo foi expulso do Ginásio, vítima da intolerância dos próprios colegas.

Entre as marcas do autoritarismo dos anos de chumbo na Rainha do Vale, ficou essa expulsão de Idalmo da Silva, a quem a gente passou a chamar de “anjo pornográfico”, fazendo alusão ao cronista pernambucano Nelson Rodrigues.

Babá é um homem iletrado, mas esperto. De inclinação política atávica, conhece as nuanças do ser humano. Predisposto para os enlevos lúbricos, Babá é adepto da pornopolítica. Faz fita dizendo que é uma espécie de Berlusconi do agreste, deitado na sua rede na fazenda “Estrela Dalva”.


Bebé já foi perdoada por Idalmo. Aposentada, leva uma vida simples em João Pessoa. Idalmo da Silva, aos setenta e tantos anos, é o mesmo sujeito questionador e revolucionário, um cara que enxerga muito à frente do seu tempo e que sabe valorizar a maravilha de estar vivo e lutar pela felicidade do seu semelhante.

terça-feira, 28 de julho de 2009

ADEUS, MISTER KALTOS


Respeitável público, é com luto que anunciamos que o mágico Mister Kaltos morreu! Tive o privilégio de ser seu sobrinho e um dos últimos coadjuvantes no grande show que foi a vida do velho ilusionista, o mais antigo mágico então em atividade no Brasil. A morte do velho artista deveria me entristecer, mas não. Não consigo me lembrar de um momento em sua vida, enquanto foi capaz de falar, em que o meu tio Luiz Mello não nos deixasse com um sorriso nos lábios, mesmo quando falava mal de todas as religiões ou quando espinafrava os corruptos.

Com o nome artístico de Mister Kaltos, foi atração em grandes circos com os quais rodou todas as américas. Com dó dos animais amestrados torturados pelos domadores e tratadores, o coração generoso levou-o a abandonar os picadeiros. Gerenciou por muito tempo um parque de diversões, onde juntava gente para vê-lo na atividade que amou: criar ilusões. Aos 89 anos com o vigor de um adolescente, Mister Kaltos ainda dominava a cena. Fez da arte mágica sua razão de viver.

Outro grande artista, o cineasta italiano Vittorio Gassman, certe vez disse: “A vida não deveria ser uma, mas duas; a primeira para ensaiar, a segunda para viver.” Meu tio Luiz deixou seu show incompleto, exigente que era com sua performance. Um dia a gente se encontra para “fechar” o grande número final. Até breve.

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segunda-feira, 27 de julho de 2009

Poty e o teatro de Itabaiana


Li não sei onde que o escritor inglês George Orwell resumiu as quatro razões que levam um sujeito a escrever, que são o egoismo, o entusiasmo estético, o impulso histórico e o propósito político. O cara egoísta escreve para aparentar sabedoria e ser admirado. Já o que escreve por entusiasmo estético, o que quer mesmo é dividir com os outros suas experiências literárias. Quem escreve por impulso histórico é aquele pesquisador, na ânsia de descobrir os fatos verdadeiros. Os doutrinadores escrevem com propósito político, no intuito de “fazer a cabeça” dos seus leitores sobre a sua ideologia.


Eu penso que escrevo por impulso histórico. Tenho vontade de guardar para a posteridade os fatos que vivenciei. Não sou nenhum historiador, apenas um sujeito nostálgico, preocupado com as novas gerações, nitidamente incapacitadas de refletir sobre seu passado por falta de elementos históricos que as introduzam no passado de sua própria comunidade.


Sobre isso, recebo mensagem do professor José Lusmá Felipe dos Santos, que morou em Itabaiana na década de 70. A partir do parêntese, com a palavra o nosso Poty, como é mais conhecido:


“Parabenizo-o por divulgar as notícias de ontem e de hoje de nossa terrinha, Itabaiana. O meu interesse por artes cênicas começou muito antes mesmo da criação do grupo de teatro de improviso (era assim que nós chamávamos o grupo de teatro experimental) do Colégio Estadual Dr. Antonio Batista Santiago. Esse grupo se reunia semanalmente, preferencialmente aos sábados, e chegou a levar uma peça de improviso no auditório do Colegio Estadual, no dia dos funcionários públicos, no ano de 1973, e tinha como foco a entrada inesperada de um "bebum" (Poty) em uma festa. Era um grupo muito pequeno, umas onze pessoas. Só me vem à memoria os primeiros nomes de algumas pessoas, Palhano, Sueli e David, que tem frequentemente lhe escrito.


Voltando ao tempo antecedente ao de 1973, nos idos de 1965 a 1968, no antigo Ginásio Estadual de Itabaiana (GEI), através de seus diversos grêmios literários, desenvolvemos diversas atividades nas artes cênicas. Lembro das peças “O Jovem Filho Pródigo”, uma adaptação da parábola bíblica do filho pródigo, como também uma montagem da peça “O Boi e o Burro a Caminho de Belém”, de Maria Clara Machado, entre outras pequenas encenações, além de declamações de alguns clásssicos da poesia brasileira e francesa - estas com versão em português, dança, pintura e canto orfeônico. O grupo de canto orfeônico do GEI sempre brilhava no dia do noitário de maio do Ginásio Estadual em nossa Igreja Matriz - era um sucesso, e sempre esperado pelos fiéis católicos!.


Todas estas atividades foram desenvolvidas com o incentivo de Diretor do GEI, Doutor José Francisco de Almeida - também Promotor Público - e de sua esposa, Professora de Música, exímia no piano, Dona Gilka. Foram anos que propiciaram a revelação de valores, como José Gonçalves (Brasinha), Werber Veloso e José Maria Filho, músicos. A lista é imensa, que prefiro não declinar para não cometer injustiças. Eles próprios virão, neste espaço por você criado, prestar seus depoimentos do tempo da brilhantina!


Quanto, a mim, por força da atividade de funcionário público, me limito a atuar na sala de aula, como facilitador do SEBRAE-PB e professor de cursos de pós-graduação na área de Gestão Pública. Espero que este outro filho adotivo da terra, Romualdo Palhano, venha também brilhar nas terras lá do Norte de nosso país”.


Poty (José Lusmá Felipe dos Santos)

domingo, 26 de julho de 2009

Itabaiana diz não a Sivuca


Recebo a visita do meu amigo João Neto, do DER, e sua esposa Dalva. O casal foi meu vizinho em Itabaiana, no conjunto Costa e Silva, rua Araré Duarte do Amaral. Alguém sabe quem foi Araré?


João trouxe a notícia de que uma rádio da cidade promoveu enquête para saber a opinião da população sobre o memorial de Sivuca, obra potencialmente polêmica devido a mesquinharia política, briga de família e ignorância geral. Ao que parece, o povo de Itabaiana não quer o memorial de Sivuca em sua terra natal. Em cerca de dez ligações telefônicas, apenas dois ouvintes, por sinal parentes do mestre, mostraram-se favoráveis a que o memorial seja estabelecido na cidade.


É razoável que o povo decida onde e como aplicar o dinheiro público. O memorial será construído com verba da prefeitura, do Estado e do Ministério da Cultura. Nada é sagrado, nem mesmo a memória de um dos maiores músicos do planeta. O que não é razoável é a alienação e a estupidez que leva uma jovem a ligar para a rádio defendendo um memorial, mas de Michael Jackson. Outro justificou sua opinião contrária à homenagem a Sivuca porque, segundo ele, o músico falava mal de sua terra, “lugar de gente ruim e ladrão de cavalo.”


O tema tem o poder de suscitar uma disposição emotiva da opinião pública, porque leva o tempero da politicalha local. Fala-se à boca miúda e graúda que o adversário da prefeita dona Dida, amigo do governador Maranhão, mexe os pauzinhos para “melar” o memorial em Itabaiana, justamente para não dar prestígio à chefe do Executivo local. Vendo de longe esse debate, só posso lastimar o encaminhamento equivocado que se está dando ao caso. Existe uma atividade chamada turismo cultural, que leva pessoas a vivenciarem o patrimônio histórico e cultural de um lugar. Um objeto de visitação como o memorial de Sivuca certamente atrairá turistas do mundo todo. Sai beneficiado o turista e o morador da localidade, que terá um desenvolvimento econômico considerável, proporcionando emprego e geração de renda. Jogar isso pela janela porque “Sivuca não gostava de sua terra” ou porque vai servir de vitrine política para quem quer que seja, desculpem os itabaianenses, é pura estupidez.

sábado, 25 de julho de 2009

Manoelzinho, o garçom


Esse Manoelzinho é uma das nossas figuras folclóricas de Itabaiana. Ele é pequeno, tem o tipo físico de Carlitos, ainda mais vestido com o paletó de garçom e a indefectível gravata borboleta.


Nasceu em Itabaiana e já conta com 43 anos de profissão. Assina Manoel Araújo de Lima, conhecido por Manoelzinho Boca Aberta. Ele mesmo um consumidor de álcool, tem seu código de ética. Fomos encontra-lo na churrascaria de Lon, na entrada da cidade. Eu e o poeta Maciel Caju tomando umas cervas, ouvindo o lero de Manoelzinho, que garante: não vende bebida pra menores de 18 nos, não comercializa bebida falificada, não estimula o consumo abusivo, ensinando aos clientes a beber lentamente, saboreando a bebida, respeitando um intervalo entre as doses e sempre comendo alguma coisa, ou mesmo bebendo água. Nesses tempos de lei seca, Manoelzinho é um guardião da segurança dos clientes. "Verifico sempre se na mesa há alguém que não está bebendo e oriento o grupo para que essa pessoa seja o motorista", esclarece o garçom consciente.


Ele narra que trabalhou numa festa na Associação Atlética Banco doBrasil, e pela manhã queria prestar contas ao presidente da agremiação, um tal Nego Tonho, que por estar bolinando uma moça de fim de festa, mandou o garçom embora com o dinheiro do bufê para acertar depois. Manoelzinho tomou um ônibus para a praia de Baía da Traição, arrumou duas raparigas e passou o dia farrando. Na volta, foi para o cabaré de Nevinha e gastou os últimos centavos. Chegou em casa dois dias depois, de porre. Passou dois anos pagando a conta.


Enquanto Manoelzinho ia contando suas aventuras, Maciel Caju rabiscou no guardanapo essa "toada do garçom" que passo para meus leitores em primeira mão:


Quem quiser ser bom garçom

Eu aqui passo a receita:

Agradar bem o cliente

Sem ter medo de careta

E cobrar adiantado

Roubando na caderneta.


Se o freguês rejeita a dose

O garçom vai e aproveita

Se esquecer os dez por cento

Faz que não nota a desfeita

Apela pra Sonrisal

Que é santo de nossa seita.


Porém a maior desfeita

É o cliente chegar

Com ar de cabra mofino

Com deboche perguntar:

"Fora o garçom, o que tem

Para se comer no bar?"


sexta-feira, 24 de julho de 2009

Meus dizeres na boca do mundo


Recebo muitas mensagens diariamente, refluxo das crônicas publicadas nos blogs e sites meus e dos amigos que me dão a honra de hospedar meus humildes escritos O prazer de escrever só não é maior do que ser tratado com tamanha deferência e respeito pelos meus leitores. Eis algumas:

“Belo texto. Não há quem leia o primeiro parágrafo e não queira chegar ao final do texto. Aliás, são assim todos os textos do autor. Escreve muito bem, conseguindo segurar o leitor até o final. Talento pra poucos. Valeu, Fábio Mozart!” – De José Tavares (Patos-PB) sobre “Madame Satã por ela mesma”.

“Caro amigo Fabio Mozart, quanto à lenda que fala da chegada de Sivuca ao Recife na PRA 8, é pura verdade, fato testemunhado por meu pai e irmão do mesmo, pois morávamos no Recife na época. Portanto, fica esse registro e o canal aberto para tirar qualquer dúvida. E sou a favor de que o acervo de Sivuca fique em Recife, pois as autoridades de Itabaiana não ligam nem para essa bela e querida cidade quanto mais para o acervo de um artista. Todos os mestres que esta terrinha deu, só foram reconhecidos em outros torrões. Abraços”. – De José Ricardo de Oliveira, sobrinho de Sivuca e irmão do Dr. Vilinho, do Recife, sobre “Acervo de Sivuca foi parar no Recife”.

“Li o seu blog e gostei. Vá em frente com seu expressivo e significativo trabalho cultural. Fique com Deus”. Padre Djacy Brasileiro, de Itaporanga-PB.

“Que direi ao tempo? Que ele tenha meiguice ao encontrar-me na velhice. Emocionou-me, deveras, a reportagem sobre Vila Vicentina.” – Maria Aparecida Veríssimo – São Paulo-SP, sobre ‘Estrelas que se apagam’.

“Só tenho a dizer: PARABÉNS.” – Clotilde Tavares – Natal-RN, sobre “Teatro poliglota.”

“Como sempre, seus artigos são inquietantes, introspectivos, às vezes "ousados, noutras "aterrorizantes,” justamente por nos despir, ainda que momentaneamente, de nossa falsa zona de conforto.

‘Estrelas que se apagam’, tal afirmativa, ainda que não queiramos, mais cedo ou mais tarde nos bate à porta. Nessa sequência, uma chamou-me a atenção, o breve e contudente relato sofre o AVC de uma senhora na limiar da segunda para a terceira idade - 53 anos - justamente a minha fase.

Descubro então a verdadeira riqueza, de pelo menos, ainda que somente nesse momento, aparentar uma boa saúde, até porque, devemos ter a humildade de se confortar com o "aparentar", já que a garantia de 100% nos parece algo intangível.

Com sua verve de um jornalismo mais próximo desse nosso realismo, traga-nos mais dessas inquietantes experiências, as quais, queiramos ou não, traduzem a vida em sua singela beleza e mostram a mutabilidade que paira sobre todos nós, indistintamente...” – David Andrade do Monte – Palmas – TO.

“Adicionei seu blog Toca do Leão aos meus favoritos. Informarei aos amigos. Sobre Mocidade, lembro que, pelas madrugadas de 68, acordei num porão da Souto Maior com ele fazendo efusivos discursos rua afora.” – Benjamim – Uepb – Campina Grande-PB.

“Muito me alegrou encontrar o seu Blog. Você descreve como ninguém a atmosfera itabaianense e deixa saudade em quem lá viveu.

Vivi lá até os 16 anos, tendo agora 36. Minha mãe ainda lá mora, na Rua São Sebastião, e eu em João Pessoa, exercendo o ofício de professor de estatística na Ufpb.

Achei muito interessante saber por seu intermédio que a feira de Itabaiana foi matéria de mestrado na USP, onde estudei e conclui doutorado em 2001. Lembro ainda de ter
participado brevemente do GETI, fazendo teatro infantil, para o qual não dei muito jeito. Muitas saudades dessas coisas.

Um grande abraço, Fábio. Ganhastes um leitor.” - Luciano. – João Pessoa-PB.
“Marx ainda vive, a despeito de tentativas de desconstruçao pela hegemonia de classes (nunca a burguesia foi tão hegemônica na história). Nem o socialismo como foi, nem o capitalismo como é. Há que surgir uma nova construção de hegemonia popular. Esse é um dos caminhos. Paz e bem.” – José Cláudio – Belo Horizonte-MG – (Sobre “Ética dos excluídos”).

“Gostei dele, sabia? Uma cabeça... Coragem o homem tinha! Um belo texto. Parabéns!” – Teresa Cristina Flordecaju – Piracuruca, Piauí, sobre a crônica “Um louco contra a ditadura”.

“Caro colega, gostaria de incluir meu poeminha "A Vizinha Cozinheira" na lista de poemas ruins. Saudações, espero sua visita ao meu blog.” – Wilson Pereira – Comentando a crônica “Flatulências poéticas.” - Brasília-DF.

“Oi Fabio, gostei da crônica ‘Biu Penca Preta no banco dos réus.’ Texto muito bem elaborado. Abraços.” – Chiquinho – Campo Grande-MS.

“Fábio, seu texto é bem criativo. Advogados incompetentes levam inocentes às prisões. Parabéns. Abraços.” – Atiz – São Paulo-SP, sobre a mesma crônica.

“Esta crônica está excelente! Madame Satã é famosíssima e sei algumas histórias dela, mas nunca soube que passou por Itabaiana, até hoje. Adoro os escritos de Fábio porque ele resgata, com linguagem simples e bem-humorada, histórias de gente dos lugares onde nasceu, viveu e vive atualmente, prestigiando essas pessoas, mesmo quando fala sobre seus defeitos. Parabéns, grande Fábio!” – Maria de Fátima Vieira – João Pessoa-PB.

“Lindo texto! Você não vai à Vila Vicentina apenas como repórter, porque o que você vê dentro de cada estrela apagada só pessoas sensíveis e humanas enxergam. Você vai lá como ser humano do bem que é. Senti orgulho de ser sua irmã lendo este texto. Parabéns.” A respeito de “Estrelas que se apagam”. – Vasti Cléa Costa Lopes – João Pessoa-PB.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Eu e os militares


Eu no centro da foto, com meus colegas do serviço militar. Aos meus pés, albino, de óculos escuros, o prefeito Josué Dias, irmão do mestre Sivuca.


Naquele ano de 1972 eu era um rapaz ingênuo que, por falta de opção, foi trabalhar como datilógrafo na 23ª Delegacia do Serviço Militar em Itabaiana, com ordenado de 140 cruzeiros por mês. Meu chefe era um capitão do Exército, Anísio Andrade, sujeito simples, mas exigente, metido a poeta. Por ser o chefe, publiquei alguns poemas do homem no meu Jornal Alvorada. Fiel à formação castrense, o capitão queria que eu seguisse carreira militar. Na idade de servir às Forças Armadas, não me sentia vocacionado para a profissão.

A situação era de absoluto controle dos militares no país. Senhor apenas dos meus sonhos, eu nem percebia direito o drama político e social que se desenrolava no Brasil da ditadura. O terrorismo real e psicológico, esse eu só vim a sofrer na pele anos depois.

No meio desse clima de guerra, o Exército promoveu um concurso nacional de redação sobre o serviço militar e eu fui classificado em primeiro lugar na Paraíba. O capitão Anísio foi um dos que mais vibraram com o sucesso do subordinado e tratou de promover uma excursão a João Pessoa levando todos os presidentes de Junta de Serviço Militar da sua jurisdição, para prestigiar a entrega do meu diploma no quartel da 23ª CSM, incluindo até o prefeito da cidade, Dr. Josué Dias de Oliveira, irmão do mestre Sivuca.

A caminho de João Pessoa, fui tentando decorar um pequeno discurso para a cerimônia. Tudo o que se referia aos militares tinha ampla cobertura da imprensa. A Tabajara, rádio do Governo do Estado, estava lá para transmitir o evento. Na hora, esqueci da breve peça oratória, desacostumado a falar em público. Disse três ou quatro lugares comuns. Acabei sendo o melhor orador, pelo menos para os soldados e puxa-sacos que suavam debaixo do sol quente em frente ao quartel. O resto foi palavreado longo, vão e ostentoso de civis e militares.


O diploma de “cooperação meritória com o Exército Nacional” foi muito útil quando viajei como mochileiro pelo Norte/Nordeste. Atravessei Pernambuco, Ceará, Maranhão, Piauí, Pará e Amazonas, chegando nas fronteiras com a Colômbia, sonhando com o ouro dos garimpos. Não fiquei rico, passei muita fome, peguei malária duas vezes, mas nunca fui preso por vagabundagem. A polícia era mais truculenta do que de costume, naqueles tempos de incertezas e opressão. Ao ser abordado nas ruas e postos de gasolina onde costumava pernoitar, eu apresentava o vistoso diploma, com a faixa diagonal verde-amarela e o brasão das Forças Armadas. Imaginando que eu seria algum “secreta” do Exército em missão de espionagem, os milicos pediam desculpas e saiam com o rabo entre as pernas. Era meu passaporte no país dos generais

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Estrelas que se apagam


Jessy Wanderley


Tinha uma natureza sensual e gostava de ser tratada como mulher. Casada, mãe de dois filhos, de repente entrou no rol das milhares de pessoas escolhidas pela sorte para sofrerem um acidente vascular cerebral. Isso causou a desestruturação familiar, além de sequelas físicas e mentais. O marido abandonou a doente, esqueceu os momentos ou as fases boas da vida em comum, tratou a pobre como um ente que já morreu. Jogada no asilo de velhos, apesar de ter apenas 53 anos, aos poucos desenvolveu um discurso para explicar o abandono do esposo. Diz que foi ela quem buscou a separação por não ter mais condições de “ser mulher” para o marido. Um exemplo comovente de alguém disposto a salvar a imagem de um ente querido, por mais canalha que seja.

Essa mulher, com todos os nobres atributos do seu caráter, mora na Vila Vicentina, um asilo de velhos de João Pessoa. Muito querida pelos companheiros de solidão e pelas enfermeiras, Dadinha remete a uma verdade inexorável: a gente mente para parecer melhor do que é. No dia do seu aniversário, o padre cantou os parabéns na missa da capelinha.

--- Quantos anos, Dadinha?

--- Completei 15 anos – afirmou ela, com dificuldade por causa da atrofia no lado direito do corpo.

Altamente influenciada pela chama ainda viva de uma paixão que teima em morar nos escombros de sua mente, Dadinha também mentia para salvaguardar o companheiro ingrato.

Viúvo e sem filhos, Jessy Wanderley é um caboclo ainda forte. Ele é cego e também mora na Vila Vicentina. Gosta de conversar, gesticula muito, lembra o cantor norte-americano Ray Charles. Mas o nome dele mesmo é Severino Moura dos Santos, 66 anos, pernambucano de Goiana. Jessy Wanderley é o nome artístico, do tempo em que era locutor do serviço de som Difusora de Macugê, uma pequena cidade de Pernambuco. Depois foi professor de português com 17 anos, telefonista, garçom e agricultor em Sapé, na Paraíba. Perdeu a visão em acidente na capital, João Pessoa, em 2001.

Jessy saiu cedo de casa para ganhar a vida. Diz que trabalhou em Alagoas e Rio Grande do Norte. Na Paraíba, ficou cego e veio parar na Vila Vicentina. Permitiu a publicação de sua foto e da matéria, com a condição de que eu lesse antes, para sua aprovação. Flamenguista doente, ligou o radinho para ouvir o jogo do seu time contra o Botafogo carioca.


Não vou à Vila Vicentina com dó dos velhinhos, ou para aplacar as insatisfações da vida, de nossos tédios e frustrações. Também não vou para exercitar a falsa caridade e humildade dos religiosos. Vou como repórter, com a curiosidade de conhecer retalhos de vida a partir da visão deste “eu” maravilhoso que existe dentro de cada um de nós. Todo mundo é uma estrela na vida. Cada pessoa é um artista, que só precisa de uma chance para contar sua história. Um lenitivo que a deixa com sua auto-estima elevada.


Seis horas da tarde, servem um café amargo com pão minúsculo e elástico. Os velhinhos dizem que, às nove horas, estão com fome. Não existe nutricionista. Eu acho que o ideal para pessoas imobilizadas seria um caldinho, ou papa de aveia, uma comida leve e de fácil digestão. Há algo de estranho no mundo da caridade. E esse asilo ainda é dos melhores. Soube que no AMEM a coisa é feia mesmo, o abandono, maus tratos, a dor silenciosa de quem não pode se defender e reclamar.


A lucidez e alegria de Jessy Wanderley é uma exceção. Os que estão lá foram esquecidos, de alguma forma, em algum ponto da vida. A maioria sente saudade – e muita – de quem os esqueceu. A maioria também não tem mais a perceptibilidade que Jessy ostenta.

terça-feira, 21 de julho de 2009

A pobreza é uma benção


Minha avó costumava dizer que “pobre é o diabo”. Daí aquela velha expressão “pobre diabo” quando a gente quer menosprezar o semelhante. Já o filósofo Biu Penca Preta discorda do cálculo patrimonial do rei das trevas. Conforme sua lógica mercantilista, todo mundo só quer ser filho de Deus. Ele, sendo cria do diabo, portanto é filho único e herdeiro dos seus inúmeros haveres. Encerrando o sábio raciocínio, Biu pergunta e responde, no auge do cabotinismo:


--- Existe vida inteligente na terra? Sim, mas eu estou só de passagem.


Falando em diabo, Biu costuma contar a piada do cara que morreu e entrou na fila do inferno brasileiro, que era longa feito fila de hotel de um real. O outro perguntou:


--- Por que ta todo mundo querendo entrar no inferno brasileiro, e no inferno americano ninguém quer ir?


O cara explicou:


--- No inferno americano é tudo certinho: todo dia o cabra bebe um copo de merda, sem falhar. Aqui, no inferno brasileiro, é uma esculhambação: no dia que tem merda, não tem copo, e no dia que tem copo e merda não tem quem despache!


Meu compadre João Deon envia, do alto sertão da Paraíba, um arrazoado sobre as vantagens de ser pobre. Para ele, o pobre é valorizado, porque nesse mundo de mulher interesseira, só uma sincera pode dar bola a um pé rapado. Ser pobre é saudável, a gente tem uma vida de atleta, andando a pé, correndo atrás de ônibus e malhando para pular muro de campo de futebol.


Afasta o chato, porque nenhum vendedor te liga para vender buginganga. Além de ser liso, o pobre também não tem telefone. E a emoção? A gente nunca sabe se o dinheiro vai chegar até o fim do mês. É uma vida sem rotina, imprevisível.


Nesses tempos inseguros, o pobre não tem medo de ser roubado. Com nossa fama de lascados, ninguém nos pede dinheiro emprestado. E gratificante: sem dinheiro para comprar computador, o pobre não terá que ler textos cretinos como este.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Teatro poliglota



Em 1990, escrevi um texto teatral para denunciar as condições de vida das crianças e adolescentes pobres da Paraíba, como uma forma de contribuir na luta pela implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente e conselhos de defesa de nossa infância. O Coletivo Dramático de Mari – Codrama – encenou o texto, batendo um recorde no teatro amador paraibano, pelo que sei, ao manter a peça em cartaz durante sete anos corridos. A montagem mereceu um prêmio do Unicef, órgão das Nações Unidas, e foi reconhecida como espetáculo didático de alto nível pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente da Paraíba.

Depois, o Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana também montou a peça, que é uma denúncia sobre o abandono de crianças e adolescentes no Brasil e uma acusação à sociedade e poderes públicos pela situação de nossa infância, mas de forma leve e bem humorada. O público é levado a refletir sobre essas mazelas sociais, mas se divertindo com o humor escrachado da peça, que se chama “Cantiga de Ninar na Rua”.

Neste ano de 2009, recebi pedido de um grupo de alunos de língua espanhola para autorizar a montagem do texto, vertido na língua de Cervantes, que recebeu o título de “Por dejarme respirar, por dejarme existir, Dios lo pague”. A nova versão de meu trabalho deverá estreiar no dia 12 de outubro, no XII Encuentro Paraibano de Lengua Española y Culturas Hispanoamericanas.

O programa da peça já está sendo elaborado. Entre outras informações, esclarece que “el trabajo fue traducido, adaptado y escenificado del texto da pieza ‘Cantiga de Ninar na Rua’, del poeta periodista pernambucano Fábio Mozart. Os encenadores terminam informando que “es um espetáculo sencillo, pero corajoso e muy polémico”.

Segue, portanto, essa peça seu destino de servir de instrumento para desenvolver uma consciência que lute por uma nova sociedade, agora falando em espanhol. Infelizmente, após mais de vinte anos da fala do Presidente Collor de Mello, que anunciou à nação a prioridade para as crianças e adolescentes, em nossas ruas ainda permanecem milhões de crianças entre 10 e 17 anos sobrevivendo de esmolas, biscates ou furtos. A criança tem direitos só no papel.

Sempre entendi a arte como um fato social. Meu teatro denuncia as mazelas da nossa sociedade, colaborando de alguma forma na luta por um Brasil melhor, mais justo e fraterno. Sem panfletarismo.

(Na foto, cena de “Cantiga de Ninar na Rua”, com o Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana”)

sábado, 18 de julho de 2009

Madame Satã por ela mesma


Na noite de 25 de fevereiro de 1900 eu nasci em Glória do Goitá, no meu Pernambuco. Nasci mal, porque minha família só não era mais pobre por falta de espaço. Dezessete irmãos passando fome numa casinha de ponta de rua, minha mãe aflita sem saber o que fazer pra saciar tantas bocas, acabei sendo trocado por uma égua. Mãe preferiu abrir mão daquele negrinho magricela e sem saúde, em troca da égua que ajudaria a carregar água do açude para as casas de família, arrumando assim qualquer coisa pra salvar os meus irmãos.


Desde então aprendi a falar alto, em função da posição precária que ocupava na sociedade. Ou eu me botava de macho, ou a vida me comia na porrada. Vivi de bicos no Recife, pedindo esmolas, às vezes carregando alguma fruta na feira, roubando uns trens pra comer. Isso até os 15 anos, quando descobri que era fresco. Michael Jackson do começo do século, eu tinha algum talento. Sabia me vestir de mulher, dançar, cantar, servir de garçom, cozinhar uma galinha de cabidela, e aprendi desde cedo a ter controle total sobre minha vida.


No cortiço onde morava fiz amizade com umas raparigas que viviam em clima de guerra com seus proxenetas. Eu me botei de segurança delas, carregando uma navalha. Neguinho meteu-se a besta, furei o bucho do cara e me mandei pra um lugar chamado Itabaiana, na Paraíba, território bom de se ganhar algum dinheiro porque lá, diziam, o cabaré se igualhava a Paris, de tanto luxo e riqueza. Viajei no trem para Itabaiana. O lugar realmente não era essas coisas, mas o cabaré fazia gosto! Cada pensão luxuosa, putas de todo tipo e origem, machos endinheirados, nem te conto!


O cabaré ficava depois da linha do trem, dividindo a cidade ao meio. De um lado, as putas e os veados, com a rapaziada da gandaia. Do outro lado, as famílias, os puritanos e os que não tinham coragem de atravessar a linha. Talvez por ter como referência a linha, o cabaré ficou conhecido como carretel. Nesse Carretel deitei, rolei e me transformei. Virei transformista, que é outro nome para travesti.


Gostei da cidadezinha, fiquei uns tempos... Não sei ler, mas ouvi falar muito que naqueles tempos os vaqueiros e tangerinos de boi desciam o sertão velho tangendo as boiadas, se encontrando tudo em Itabaiana, onde vendiam o boi e gastavam o dinheiro. Esse chamariz trouxe mais de seiscentas putas no tempo em que eu trabalhava de garçom em uma pensão. Era coisa de doido! A rua ficava entupida de gente nas noites de segunda-feira. Resultado: Itabaiana foi o centro irradiador da maior onda de sífilis e gonorreía já registrada na região.


Isso foi nos anos 20, nem me lembro direito. Depois fui moleque de recados de raparigas, xeleléu de meio de feira e cozinheiro de puteiro mal afamado. Deixei os prostíbulos de Itabaiana quando peguei carona em caminhão pau-de-arara. Fui para o Rio de Janeiro, onde o melhor emprego que consegui foi de carregador de marmita. Negro, pobre, bicha e analfabeto, não tinha muita perspectivas.


Caí na vida noturna e marginal. Gostava mesmo era de dançar, cantar e me fantasiar. Armei minha tenda no bairro da Lapa, onde os cabarés ferviam noite e dia. Fui puta de cabaré, cozinheiro de mão-cheia, leão de chácara e carnavalesco. Ah, os carnavais do Rio antigo! Em 1942, desfilei no bloco de rua Caçador de Veado, apresentando minha fantasia Madame Satã, inspirado em filme que vi de um tal Cecil B. DeMille. Fiz tanto sucesso que o nome pegou, fiquei conhecido como Madame Satã.


No meio da malandragem, conheci muita gente boa, muitos artistas, gente do rádio, também muitos espíritos de porco. Fui protetor das meretrizes, não deixava que elas fossem estupradas ou agredidas. Peguei muita briga com malandros que gostavam de bater em suas quengas. Pra isso aprendi a jogar capoeira, fui preso muitas vezes, até na Ilha Grande me levaram uma vez. Polícia que mexia com mendigo, prostitutas, travestis e negros, eu tomava as dores e o pau comia.


Assim, fiquei sendo uma espécie de referência da cultura marginal urbana do século XX. Na metade dos anos 60, o jornalista Silvan Paezzo me pediu para ditar minhas memórias, as histórias de cabaré onde passei a vida toda, desde o Recife, passando pela pequenina Itabaiana, até o sucesso no Rio de Janeiro. Contei tudo, sem boato, que não sou de esconder nada, minha vida é um livro aberto. Mas acabou virando um livro fechado também, uma autobiografia, que foi lançada no Bar Amarelinho da Cinelândia. Foi lá onde encontrei um cara de Itabaiana, vejam que coisa! Uma figura que faz cinema, chamado Vladimir de Carvalho. Contei a ele minhas aventuras em sua terra natal, confessei que meu nome de batismo é João Francisco dos Santos, mostrei minhas inúmeras cicatrizes, resultado das brigas em que me meti pela vida afora na marginalidade. Um corte profundo na coxa esquerda, foi facada de paraibano que levei na rua do Carretel. Vladimir adorou ouvir minhas deliciosas histórias. Segurei minhas próprias vísceras, segui em frente para cumprir meu incerto destino.


Morri em 11 de abril de 1976, no Rio.

Um louco contra a ditadura


João Pessoa, como toda cidade, teve e tem seus doidos, personagens folclóricos, tipos populares que ainda hoje são lembrados. Quem não se lembra de Pão de Bico, Açoite, Vassoura, Tenente da Gelada, Caixa D’água e Mocidade? Pois é do Mocidade que quero falar, depois de ler sua biografia escrita pelo jornalista Gilvan de Brito.


Mocidade apareceu por aqui ninguém sabe de onde. Ele diz que nasceu em Souza, mas ninguém jamais conheceu um seu parente. Sabe-se que desde 1937, Mocidade já andava pelas ruas de João Pessoa como garoto de rua. Em 1944, ele era lavador de carros no Ponto Cem Réis. No ano seguinte, podia ser encontrado nos palanques e bancos de praça, defendendo a legalidade contra o nazismo e o fascismo. Virou tribuno do povo. Onde tivesse gente e um banquinho, Mocidade mandava ver o verbo.


E foi assim até morrer, em 1981. Esbravejou contra o Estado Novo de Getúlio Vargas, lutou pela redemocratização na Segunda República e combateu os militares na fase negra da ditadura castrense. Ficou famoso, pois mesmo analfabeto, aprendeu a discursar com a garra e o lirismo de oradores do naipe de Alcides Carneiro e outros políticos, de quem absorveu o estilo. O povo dizia que Mocidade falava melhor do que todos os deputados da Assembléia Legislativa. Começava seus discursos com a frase: “Mocidade de minha terra!”... Daí o apelido.


Mocidade dizia se chamar João da Costa e Silva. Depois, descobriu-se que o verdadeiro nome dele era João Silva da Costa. Perguntado se era parente do general Costa e Silva, Mocidade despistava: “ele anda espalhando que é meu parente, mas não dou certeza”. As peripécias de Mocidade estão no livro “O Anjo Torto”, de Gilvan de Brito, publicado em 1985. Vivia entre os políticos, era amigo do governador João Agripino, mas sempre com o espírito de rebeldia contra os poderosos, sempre em defesa das causas populares.


Dizem que todo louco é um gênio enrustido. Mocidade era assim, um sujeito sem boa saúde mental, mas altamente criativo e inteligente. Vivia nos palanques dos políticos e, nos momentos de crise, entre os loucos dos pavilhões psiquiátricos. Seu tema era sempre a democracia, os ideais de liberdade. Na ditadura, quando todo mundo morria de medo da repressão brutal dos militares, Mocidade ia para as ruas meter o pau nos gorilas e outros tiranos civis. Pela coragem, era identificado com a opinião pública. Segundo o historiador José Octávio de Arruda Melo, ele chegou, em determinado momento da vida da cidade, a representar a consciência do povo paraibano.


Sempre presente nos comícios, festas cívicas ou atos de protesto, Mocidade estranhou o silêncio da cidade no dia 13 de dezembro de 1968, quando o governo baixou o Ato Institucional nº 5, que deu aos militares poderes ilimitados para agir de acordo com seus interesses e reprimir o povo brasileiro. Sem ambiente para protestar no centro da cidade, Mocidade foi para a lagoa e subiu num banco da praça, fazendo um dos mais violentos discursos de que se tem notícia, criticando os militares e o AI-5. Depois, correu para se esconder na Praça do Bispo que se encontrava no escuro. A polícia andou atrás dele, sem encontrar. No dia seguinte, o comentário no Ponto de Cem Réis era o protesto solitário de Mocidade, substituindo a ação que deveria ter sido feita pelos políticos de oposição, naquele momento escondidos com medo das garras ferozes dos militares golpistas.


No auge da ditadura, fins da década de 60, a polícia baixou o pau nos estudantes que protestavam no parque Solom de Lucena. Indignado diante da violência policial, Mocidade subiu num banco de pedra e discursou, ironizando os militares. Uma frase desse discurso: as medalhas dos generais valiam tanto para ele como as tampinhas de Coca-Cola, símbolo do imperialismo americano sobre o Brasil. “Isso é um Exército desmoralizado! Onde já se viu bater em estudante? A única vitória que conquistou foi na Guerra do Paraguai, combatendo os meninos paraguaios que só tinham pedra e cacete”, vociferava Mocidade. Desta vez não conseguiu escapar da prisão, onde passou alguns dias.


Mocidade foi preso muitas vezes, depois de discursar criticando as “autoridades”. Simbolizava independência e liberdade, e sempre foi uma grande figura humana. “Na verdade, Mocidade é o próprio povo paraibano, as suas angústias, sua incoerência, suas frustrações...” admite Gilvan de Brito. Em uma rara entrevista, Mocidade abriu seu coração:


--- O povo vive alienado. Não participa. Eu participo. Eu sou o povo. Sou eu quem grita em praça pública contra as injustiças, as misérias sociais, a exploração. E sou eu também quem sofre as consequências, quem vai preso, quem paga pelo povo.


--- Quantas prisões, Mocidade?


--- Cada discurso uma cadeia...


Uma frase famosa de Mocidade: “Na Paraíba, pra ser doido precisa ter juízo”.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

"Canção do desterro" com Puro Charme


Minha página na internet agora tem como música de fundo a “Canção do desterro”, poema meu com melodia de Hugo Tavares. Para quem quiser conferir, o endereço é http://www.fabiomozart.com/

O arranjo é de Arnaud Neto, que é neto do meu pai, com interpretação de Ninno di Paula, da banda Puro Charme.

A banda Puro Charme é formada por músicos profissionais de muita qualidade, que não se prendem a um único estilo, tocando bolero, forró, samba, pagode, valsa e demais variações. A banda tem um vasto repertório e anima bailes de casamento, recepções e eventos culturais. "Indo do rock até o pop, passando pelo regional, fundimos tudo num espetáculo realmente interessante para todos os gostos", conta Arnaud. Minha cria mais nova, um tal de Max Robespierre, é responsável pelo baixo na banda.

Arnaud Neto aproveita as horas vagas para se dedicar ao trabalho com crianças e adolescentes em situação de risco social, nas cidades de Mari e Itabaiana, sua terra natal. É um projeto de estudo de música, fomentando a socialização dos jovens com atividades coletivas nas quais eles compartilham conhecimentos entre si, praticam o instrumento e apresentam-se nas festividades religiosas e culturais. "O prazer de quem toca um instrumento se inscreve no rol das coisas simples que trazem alegria e colorido à vida", diz.
O músico fez parte do quadro da banda de música do Cefet-PB como saxofonista até 2003, quando a banda foi desativada. Participou do grupo instrumental "Roda Dentada", voltado para o estudo da prática de conjunto e técnica de improvisação, formado em dezembro de 2003 com apoio do Rotary Clube Sul de João Pessoa.Atuou ainda como segundo regente da banda de música de Mari, além de professor de flauta doce no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - Peti - na mesma cidade. No seu currículo consta ainda curso de extensão em música na UFPB.

Para Arnaud, a música é um poderoso instrumento na educação infantil, desenvolvendo na criança a sensibilidade, a concentração, a coordenação motora, a sociabilização, a acuidade auditiva, a destreza de raciocínio e o respeito a si próprio e ao grupo. Esse é o Arnaud do Sax.

http://www.fabiomozart.com/
http://www.fabiomozart.blogspot.com/

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Flatulências poéticas

Um cara por nome Luiz Berto, de Limoeiro, está escrevendo o livro “100 Obras-Primas da Poesia Ruim”. Ele não conhece certamente, mas deveria sorver a obra do “poeta” João Teotônio de Souza, de João Pessoa, na Paraíba. O escritor inglês Oscar Wilde disse que “toda poesia ruim brota de sentimentos genuínos”. Já o grande poeta lírico Mário Quintana afirmava: “Eu acho que todos deveriam fazer versos. Ainda que saiam maus. É preferível para a alma humana fazer maus versos a não fazer nenhum. O exercício da arte poética é sempre um esforço de auto-superação. Qualquer poema é uma aventura, boa ou má”.

A poesia é amiga do ócio, de todas as formas de preguiça, do trabalho por esporte e do meio-expediente. Certamente por não ter o que fazer, o senhor João Teotônio de Souza juntou tantos versinhos babacas que deu para publicar quatro alentados volumes com cerca de 400 páginas cada. As obras atendem pelos singelos nomes de “Inspirância Poética”, “Borbulhar Poético”, “Evaporância Poética” e “Fluência Poética”. Aguarda-se o lançamento de “Flatulências Poéticas”.

Algumas estrofes dessas obras:

O amor
Nós que amamos
Temos que respeitá-lo,
Por que é a fonte que temos
Para fazermos brotá-lo.

Canário
O canário é cantador
Nas árvores do Sertão,
Empolga todo trabalhador
Que cultivam aquela plantação.

A mulher
A mulher é o animal escondedor
Dos anos que podem levá-la a velhice,
É sigilosa igual a um vampiro enganador
Assegurando o homem através da tolice.

Sonhei contigo
Sonhei contigo mulher amada
A noite sem contentar
Porque tua ausência amarga
Eu não posso suportar.

Sou leitor de poesia, cometo algumas também ruins que eu classifico como sofríveis, leio e escrevo na língua inglesa, sabendo pedir cigarro, perguntar as horas, dar muito obrigado e dizer até logo, portanto sou um “intelectual” que pode criticar as jeguices alheias. Mas não vem ao caso aqui a falta total de qualidade dos versinhos do senhor João Teotônio de Souza. O que chama a atenção é a editora que trouxe ao mundo essa produção. Trata-se da Editora A União, pertencente ao Governo do Estado da Paraíba. Porque eu não serei contra jamais o sujeito tirar do próprio bolso a grana para mandar publicar versos infames e distribuir com os amigos. Essa jeguice eu próprio já cometi, porque é bom para o ego. Mas utilizar uma editora do governo, portanto dinheiro público, para publicar obras sem qualquer valor literário, como se chama? Essa falta absoluta de critérios da editora A União nos leva a crer em compadrio, amizade, aquela velha mania do brasileiro de cumprimentar com o chapéu alheio, no caso o nosso surrado chapéu das verbas públicas.

O meu confrade Roberto Palhano mete sua colher na conversa para assegurar que é melhor escrever poesia ruim do que fuleragens nefastas que escandalizam a sociedade, feito uns poemas perigosos que foram proibidos pela Secretaria de Educação de São Paulo. Poeta ruim nunca será uma ameaça à República e aos bons costumes, haja vista os singelos e infantis versinhos do senhor João Teotônio de Souza.

Erotismo, incitação à violência e pornografia são algumas das justificativas que o governo paulista deu para o recolhimento dos livros que continham um poema de Joca Reiners Terron. Se os maiores motivos são esses, deveriam recolher 98% da literatura ocidental dos últimos séculos, começando pela Bíblia, com aquele amontoado de traições, infidelidades, estupros, fratricídios, entre outros maus exemplos para a juventude.

Leia o poema proibido:

Manual de auto-ajuda para supervilões

Ao nascer, aproveite seu próprio umbigo e estrangule toda a equipe médica.
É melhor não deixar testemunhas.
Não vá se entusiasmar e matar sua mãe.
Até mesmo supervilões precisam ter mães.
Se recuse a mamar no peito. Isso amolece qualquer um.
Não tenha pai. Um supervilão nunca tem pai.
Afogue repetidas vezes seu patinho de borracha na banheira,
assim sua técnica evoluirá.
Não se preocupe. Patos abundam por aí.
Escolha bem seu nome. Maurício, por exemplo.
Ou Malcolm.
Evite desde o início os bem intencionados. Eles são super-chatos.
Deixe os idiotas uivarem. Eles sempre uivam, mesmo quando não
podem mais abrir a boca.
Odeie. Assim, por esporte.
E torça por time nenhum.
Aprenda a cantar samba, rap e jogar dama. Pode ser muito útil na cadeia.
Principalmente brincar de dama.
Ginga e lábia, com ardor. Estômago em lugar de coração,
pedra no rim em vez de alma.
Tome drogas. É sempre aconselhável ver o panorama do alto.
Fale cuspindo. Super-heróis odeiam isso.
Pactos existem para serem quebrados. Mesmo que sejam com o diabo.
Nunca ame ninguém. Estupre.
Execre o amável. Zele pelo abominável.
Seja um pouco efeminado.
Isto sempre funciona com estilistas.

Joca Reiners Terron[ in, "Poesia do Dia - Poetas de Hoje para Leitores de Agora", org. Leandro Sarmatz, Ática, SP, 2008

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Biu Penca Preta no banco dos réus


Biu Penca Preta já faz parte da mitologia desta cidade, aonde Jessier Quirino veio beber na fonte meio salobra da sabedoria e simplicidade da gente do interior. Sagaz, inteligente, espirituoso e satírico, Penca Preta é uma figura destacada na paisagem humana deste lugar.

Deu-se que, nos anos dourados dos setenta, estavam se formando os primeiros doutores advogados itabaianenses. O futuro doutor Pedro José da Silva, homem qualificado para liderança, fundou a Associação dos Universitários de Itabaiana e inventou de fazer um júri simulado para congregar os acadêmicos de direito. O decano Arnaud Costa foi convidado para presidir o júri, tendo como promotor o futuro juiz de direito Marcos Williams. O advogado de defesa atendia pelo nome de Arnaldo Barbalho, já falecido.

Faltando a figura do réu, encarregaram Luiz Paraíba de procurar um sujeito que fizesse esse papel no tal júri simulado. Luiz saiu pelos bares à procura de um bebinho convincente. Encontrou Biu Penca Preta num bar pé sujo do mercado, os olhos vermelhos, os cabelos desgrenhados clamando por um pente e a camisa do “Nó Cego” exibindo marcas de suor nas axilas. Feito o convite, Biu aceitou na hora, mas antes exigiu pagamento na forma de uma meiota, a ser consumida depois do tal julgamento. Trato feito, levaram Penca para a Câmara de Vereadores, que já reunia bom número de assistentes.

Começando o júri, o juiz chamou o réu para as perguntas formais:

– Seu nome?

– Severino Pereira da Silva, conhecido por Biu Penca Preta.

– Profissão?

– Engenheiro do Departamento de Estrada de Rodagem e boêmio nas horas vagas...

– Os presentes iniciaram uma risadagem, logo contida pela campainha da mesa.

O “promotor” tomou a palavra, carregando nas tintas contra o réu:

– Senhores jurados, esse homem é um marginal, um elemento nocivo à sociedade, um sujeito perigoso, como provam os autos. Esse homem que está sentado no banco dos réus é um criminoso que deve ser afastado do nosso convívio.

– Protesto, seu juiz! – gritou Biu, levantando-se do banco, para galhofa geral dos presentes.

– Isso é uma mentira, não admito que esse promotor fique me esculhambando!

O juiz fez soar a campainha em meio à confusão. Chamou Biu de lado:

– Biu, você é réu, e réu não pode falar.

Depois de explicados esses detalhes técnicos, o réu voltou ao seu banco, reiniciando-se o julgamento. O promotor, no entanto, foi aconselhado a diminuir os ataques contra o réu, para evitar nova intervenção. Arnaldo Barbalho, o “advogado de defesa”, trêmulo e de voz embargada pela emoção de participar pela primeira vez de um julgamento, mesmo simulado, articulou uma defesa um tanto frágil, devido à inibição e poucos conhecimentos jurídicos. Biu Penca Preta levantou-se de novo do banco dos réus:

– Doutor Juiz, o réu pede a palavra!

– O réu não pode falar, eu já disse.

– Meritíssimo, eu mesmo quero me defender, porque com um advogado dessa qualidade, vou acabar pegando prisão perpétua e mais dois anos de reclusão!

Novo buchicho no plenário, todo mundo rindo, desordem geral que acabou com a sessão simulada.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Quarenta anos de jornalismo matuto


Ano que vem comemoro quarenta anos da primeira edição do Jornal Alvorada, em Itabaiana. Foi em setembro de 1970 que circulou o primeiro número deste “órgão literário e noticioso”, a concretização do meu sonho de infância. Meu irmão mais velho, Sósthenes Costa, trabalhou como recenseador no censo rural e urbano realizado naquele ano. Na qualidade de ajudante, recebi ao final dos trabalhos, a título de gratificação, a importância de cem cruzeiros, dinheiro que investi totalmente na impressão dos quinhentos exemplares do jornal, cuja edição encalhou quase que totalmente. O jornaleco foi impresso na gráfica d’A FOLHA, do tipógrafo Nabor Nunes de Oliveira.

Reproduzo abaixo matéria do meu compadre Sanderli Silva, um dos elementos responsáveis pelo jornal Alvorada, publicada no mesmo pasquim de dezembro de 1995:

“Fui um dos colaboradores do jornal, que nasceu junto com a Sociedade Cultural Poeta Zé da Luz, no ano de 1970. Lembro que, na época, só Fábio Mozart tinha alguma noção de jornalismo, já que filho de tipógrafo. Como em todas as coisas idealizadas na mocidade, havia aquele toque de fantasia. No decorrer de 25 anos e em edições esporádicas, o Jornal Alvorada incomodou os “donos do poder” em plena ditadura, o que nos valeu prisões e outras retaliações. Quando pensavam que o jornal estava morto, lá vinha ele mimeografado, baixando a lenha nos salafrários de toda ordem.

Severino Araújo Biel, um dos redatores do Alvorada na década de 80, escreveu em março daquele ano: ‘No passado fomos réus, fomos vítimas de um tempo ruim que nossa geração não pode esquecer. Hoje queremos ser apenas escrivãos do povo na sua capacidade de converter em realidade os sonhos mais delirantes’.

Fazíamos um jornalismo crítico, um teatro conscientizador e uma poesia antiditatorial. E isso tinha conseqüência. Em 1978, todo mundo foi em cana por causa de um artigo considerado difamatório à ‘pátria’. Naquele tempo de autoritarismo, quem fizesse oposição ao governo era considerado comunista. O delegado de Itabaiana era protestante, o Major Sá, que mandou a gente ler a Bíblia ‘pra aprender a respeitar as autoridades’. Fábio Mozart, ateu convicto, foi obrigado a ler todo o livro do Apocalipse.

O chefe político da cidade, Dr. Antonio Santiago, comprou toda a edição do Alvorada em abril de 1977, por causa de um artigo ofensivo ao ‘coronel’. O garoto que vendia o jornal, inocentemente vendeu todos os exemplares e a edição desapareceu no silêncio misterioso da mediocridade provinciana, reaparecendo nas mãos de um capitão do Exército que nos chamou no 15º Regimento de Infantaria, em João Pessoa, para explicar ‘aquele boletim comunista feito por pobres diabos guiados por Moscou’.

Nesses anos todos, muitos colaboraram com o Jornal Alvorada. Perdemos na memória alguns nomes. Lembro, entretanto, do Zé Ramos (vereador do antigo MDB), Enock de Macena, Sósthenes Costa, Joacir Avelino (atualmente delegado da Polícia Federal, fundador do PT em Itabaiana), Osório Cândido, Beto Palhano, Antonio de Pádua, Pedro Lourenço, Arnaldo Barbalho, já falecido, Aguinaldo Alves, Norberto Araújo, Marcos Veloso, Zenito Oliveira, Mira Palhano, Irene Marinheiro e Fábio Mozart, que foi diretor, redator, gerente, gazeteiro e tipógrafo ocasional.

Em 1984, a Prefeitura de Itabaiana emprestou à Sociedade Cultural Poeta Zé da Luz uma máquina impressora manual super antiga. A gente costumava dizer que a notícia do descobrimento do Brasl foi impressa naquela máquina. Instalamos a gráfica supapo numa casa coberta de palha caindo aos pedaços, no bairro proletário do Açude das Pedras. Com peças improvisadas, refizemos a velha impressora e assim saiu a primeira e única edição em ‘oficinas próprias’, como orgulhosamente anunciava o cabeçalho. Guardei o exemplar mal feito porque tinha consciência do seu valor histórico. Acho que fomos os únicos jornalistas do mundo a redigir diretamente no componitor, por não dispor de tipos suficientes nas caixetas das fontes. A matéria dependia da disponibilidade dos tipos móveis.

Em setembro de 1979, o Alvorada publicou a foto das paredes da redação pichadas com frases ofensivas. O editorial dizia: ‘a extrema direita resolve pichar um jornal liberal como o Alvorada, e escala para esse trabalho sujo seus elementos mais analfabetos. Escreveram cafajeste com G. Só que, para tristeza dos nossos inimigos, somos como o riacho descendo a serra: apesar das quedas, não abandonamos o caminho’. Assim esse jornaleco matuto sempre foi fiel ao seu lema: ‘É necessário uma posição de coragem, e não de dependência, aos poderosos do dia’.”

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Pra não dizer que não falei de Michael Jackson

Conforme o velho adágio popular, cada coisa com seu uso, cada roca com seu fuso. Mozart, o gênio da música (1756-1791) foi enterrado como indigente por meia dúzia de gatos pingados, segundo anotou o cronista Marcos Tavares. O corpo de Michael Jackson ainda hoje anda de lá pra cá satisfazendo a ganância da indústria cultural que o criou e acabou matando. O Rei do Pop, conforme dizem, foi o astro de um “showneral”, mistura de show com funeral, a coisa mais cretina que já vi no perverso mundo do “show busines.” A internet bombou com piadas sobre o rapaz negro que queria ser branco. O que rolou de humor negro...

Uma das mais infames: a mulher de Michael Jackson acaba de dar a luz ao seu filho. Michael pergunta ao médico: -“Doutor, quanto tempo devo esperar antes de recomeçar as relações sexuais?” O médico responde: - “Espere até ele ter uns 11 ou 12 anos...”

Sabe o que acho da estrela pop americana? Acho um saco. Não gosto de suas músicas, dos trejeitos, do estilo de vida e muito menos da alienação que submeteu toda uma geração, mesmo sem sentir. Como tantas coisas provenientes do incrível mundo do Tio Sam, o produto Michael Jackson nunca foi por mim consumido. Ironia: o ilusionista Michael Jackson morreu mesmo na hora em que a artilharia norte-americana estava apontada para o Irã, desviando o foco da atenção da águia faminta. Salvou assim, por uns dias, a pele de outro ilusionista, um tal de Ahmadinejad, chefão do regime islâmico do Irã.

Como já disse Gilberto Gil, o problema de Michael Jackson não foi ficar branco, mas ficar triste... Com todos os defeitos e anormalidades psíquicas que adquiriu, MJ foi de qualquer forma um grande artista e fará falta aos seus fãs. Ele tornou-se uma estranha personagem midiática, mas de fato marcou a cultura de massa.

Jackson por Jackson, sou mais o do Pandeiro, esse sim um artista arretado! E aquele negócio de pegar nos bagos? No conjunto da obra, o rapaz americano representava o cúmulo da cafonice e do mal gosto. Não terei saudades...

domingo, 12 de julho de 2009

Meus momentos históricos

Pelé fez exatos 1.282 gols, e eu vi um ao vivo. Foi na inauguração da iluminação no estádio do Santa Cruz. Fui com meu pai, tricolor fanático. Lembro que, na entrada do Arruda, a multidão nos levava como uma onda. O radinho de pilha do meu pai caiu e foi pisoteado. Faltou energia, achei lindo o espetáculo de mil cigarros sendo acesos nas arquibancadas, ao mesmo tempo, como uma nuvem de pirilampos. Foi a primeira vez que fui a um campo de futebol das dimensões do estádio coral.


Pelé era a grande estrela daquele time fantástico do Santos. Ainda no primeiro tempo, Pelé chutou do meio de campo e o goleiro do Santa Cruz, um tal de Lula Vasquez, abaixou-se e deixou passar o tiro de meia altura. Ainda hoje penso que o goleiro quis levar o gol para contar aos netos. O Santos venceu por 4 a 0.

Lula do PT esteve em Itabaiana em 1987, e lá tomamos umas e outras com o “sapo barbudo”. No meio da conversa sobre política, Lula começou a falar de futebol e perguntou quais os times que a gente torcia em São Paulo. Não havia nenhum corintiano no grupo, e ele, exibindo orgulhoso a camiseta do seu Corinthians por baixo da camisa: “Ninguém é perfeito!”.

Nos meus momentos históricos, consta que o arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires, censurou um texto meu. Foi durante os conflitos na fazenda Alagamar, área onde se deu o maior quebra-pau pela posse da terra na Paraíba, durante a ditadura militar. O bispo participou diretamente dos mutirões e roçados comunitários, bateu boca com os milicos, organizou o povo e levou artistas a se engajarem nessa luta. Um deles foi o artista plástico, poeta e dramaturgo Waldemar Solha. Era a tal da arte engajada. Solha com o maestro Augusto Kaplan, recentemente falecido, assinaram a “Cantata para Alagamar”, uma experiência humana e musical marcante, conforme suas próprias palavras. Pois em 1977, o bispo D. José levou a Cantata para ser executada em Itabaiana, na Igreja Matriz, e pediu ao pároco a fineza de arrumar uns artistas amadores locais para encenar um sketch sobre o tema da luta dos camponeses. O padre Pedro procurou o Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana, encomendando um texto para abrir o espetáculo musical, que seria a “Cantata para Alagamar”, uma espécie de ópera camponesa em favor da reforma agrária.


Na ocasião, escrevi um texto chamado “A tragédia do lavrador a caminho do calvário”. O padre levou o texto ao bispo, que o devolveu com muitos cortes. A ditadura dos milicos estava em plena efervescência, espiões por toda parte. O valente bispo “Dom Pelé” recuou, acho até que para preservar a segurança dos jovens atores, cortando as cenas mais fortes. Fiquei muito revoltado, e não aceitei a censura episcopal. “Para isso já temos a Polícia Federal e o Dops”, reclamaram os atores. E não apresentamos o espetáculo, por não aceitar a censura “retrógrada e nada democrática” do bispo D. José.

Anos depois fomos vítimas da intolerância da direita e do autoritarismo da esquerda. Compreendi afinal que o bispo não se acreditava no sagrado direito de definir o que é ou não adequado para um bando de moleques metidos a subversivos. Naquele tempo, como de certa forma ainda atualmente, essa história de liberdade de expressão era e é coisa muito relativa.

sábado, 11 de julho de 2009

Acervo de Sivuca foi parar no Recife

Dizem as folhas pernambucanas que a Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, recebeu as mais importantes partituras do mestre Sivuca, doadas pela viúva, a também cantora e compositora Glória Gadelha. O material que estava guardado no apartamento do casal, em João Pessoa, passará agora por uma catalogação para depois ser colocado à disposição não só de pesquisadores, mas do público em geral.

A diretora de documentação da Fundaj, Rita de Cássia Araújo, informou que, além das pesquisas, o material vai ser trabalhado em forma de exposições, catálogos e livros, depois de digitalizado o acervo. Conforme depoimento da viúva Glorinha Gadelha, esse era um desejo do artista. Entre as partituras reunidas agora - escritas a lápis ou caneta, pelas mãos do compositor - estão as originais completas de Feira de mangaio, João e Maria, Rapsódia Gonzagueana, Choro de cordel, além de algumas sinfonias para cordas escritas por Sivuca. Rita de Cássia conta que Glória Gadelha aguarda um próximo momento para fazer novas doações. É que a viúva está envolvida com outros projetos que compreendem a difusão da sua obra. Entre elas, a criação de dois memoriais. Um em João Pessoa e outro da cidade de Itabaiana, onde ele nasceu.

Segundo o boletim da Fundaj, o material de Sivuca contará com um reforço no dia da sua liberação para consulta. Será quando a Fundaj lançará no Recife um livro que Glória já lançou em João Pessoa: Sivuca Partituras.

Sivuca afirmava que devia ao Recife a sua formação musical, pois foi ainda nesta cidade o encontro com o maestro Guerra-Peixe, com quem passou a ter aulas. Na memória do sanfoneiro, ficou a permanente recomendação do maestro: “música é trabalho”. Mudou-se aos 15 anos para Recife. Tocou na Rádio Clube de Pernambuco – onde ganhou o apelido – e na recém-inaugurada Rádio Jornal do Commércio. Diz a lenda que ele chegou na sede da Rádio Clube com a sanfona nas costas, e perguntou ao porteiro: “O senhor PRA 8 está?”.

Em Itabaiana, o memorial de Sivuca deve estar pronto brevemente. O problema é a briga entre a viúva e a filha única de Sivuca, a socióloga e escritora Flávia de Oliveira Barreto. Ela coordena o maior projeto de preservação do acervo de Sivuca no Brasil, depois de vasculhar arquivos em institutos de pesquisa, entidades de cultura, meios de comunicação e órgãos públicos no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Material, portanto, tem de sobra para o memorial. Resta saber se, ao final, a memória da vida e obra do mestre não ficará dividida entre Recide, João Pessoa, Itabaiana e a cizânia familiar.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

João Gonçalves e o defunto pernóstico

O deputado estadual paraibano João Gonçalves é conhecido por suas atitudes folclóricas, seu jeito simples de ser e a atração que sente por defunto. João nasceu no dia de finados, carregando no DNA essa lúgubre mania defuntícia.

Na carreira política, João tem como marca registrada a mania de doar caixões de defunto a tantos quanto o procurem. Tem o político populista pai da pobreza? Pois João é padrinho dos finados. E não se contenta só em doar o ataúde, faz questão de comparecer ao enterro e pegar na alça do “envelope de madeira”.

João é lutuoso, mas não melancólico. Sempre rindo, atende à sua vasta clientela dos despojados e miseráveis que o procuram de manhâ à noite, com uma paciência cadavérica. Ele diz que é promessa doar os caixões, desde que viu um defunto pobre ser levado ao cemitério no “caixão da caridade”. Lá despejaram o corpo e voltaram com o caixão para servir outro pobre. Os linguarudos do bar do Zé garantem que Michael Jackson foi enterrado em caixão doado por João Gonçalves.

O fato é que João dá o caixão mas quer a regalia de pegar na alça do dito cujo a caminho do campo santo, solvendo aquele clima de enterro, com parentes chorando, bebinhos aperreando e aquela moscaria danada insistindo em pousar nas ventas do freguês depois de “deitar e rolar” na cara do falecido. E o perfume vencido das flores vagabundas? E aquele cheirinho de vela misturado com suor de três dias?

No interior, era costume dar surras nos defuntos. Se morreu à tarde ou à noite, passavam as carpideiras cantando a noite toda e por ocasião de levá-lo ao cemitério, a certa altura, eles surravam o defunto, ficando mais leve para ser carregado. Isso era comum quando a rede vinha da zona rural para a cidade.

Na capital João Pessoa, ainda resistem muitos costumes do interior, e um deles é dar primazia aos parentes na hora de carregar o caixão do falecido. Na qualidade de benfeitor da família, João Gonçalves tem certos privilégios. Outro dia, um cara chegou na casa de um falecido e não viu João. Perguntou pelo deputado quando ouviu uma voz saindo do quarto: “Tou aqui”. Era João Gonçalves vestindo o defunto, ofício em que o popular político também mostra habilidade.
Aliás, João é uma enciclopédia no quesito enterro. Sabe tudo desse ritual. Ele garante que a lavagem e vestidura do defunto deve ser feita pela pessoa que o falecido pediu. É a ablução, um resquício da lei mosaica. Ao sair o féretro, duas pessoas, nunca uma só, devem varrer a casa e lançar os ciscos na direção em que seguiu o enterro.

O fato é que João Gonçalves foi acompanhar enterro de um camarada na Ilha do Bispo e não conseguia pegar na alça do caixão, como é seu costume e prazer. Os danados dos parentes sempre afastavam o deputado de perto do caixão, que seguia em direção ao Senhor da Boa Sentença com um acompanhamento até razoável de umas cinqüenta pessoas. A certa altura, Gonçalves perdeu a sua proverbial paciência e estacou, deixando o cortejo seguir adiante. Depois que o enterro andou uns dez metros, João gritou: “Ei!” Todos se voltaram.

--- Soca esse defunto no rabo! – gritou o deputado, virando-se e seguindo em direção contrária, já pensando em outro funeral no Grotão.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Professor Romualdo bota banca em Cabedelo

Não vou perder o lançamento do livro do professor Romualdo Palhano em Cabedelo, dia 11 de julho às 20 horas, no Teatro Santa Catarina. A obra tem por título “A Saga de Altimar Pimentel e o Teatro Experimental de Cabedelo”. Não perco por três motivos. Primeiro porque Romualdo Palhano é um velho amigo meu, lá das terras de Itabaiana. Fizemos juntos teatro amador, fui seu primeiro diretor de cena, depois o rapaz aprofundou as pesquisas sobre o mundo teatral, qualificando-se como um dos mais conceituados estudiosos das artes cênicas na Paraíba. Fez curso de doutoramento até em Havana, Cuba, onde produziu o projeto “El Teatro en Paraíba en el Siglo XIX”, noInstituto Superior de Arte daquele país. Hoje é coordenador do curso de educação artística da Universidade Federal do Amapá.

Depois não vou perder o lançamento do livro de Romualdo porque fala de um sujeito por quem tenho muita admiração, que é o escritor e folclorista Altimar Pimentel, um cara que escreveu 17 livros sobre o folclore da Paraíba. Em 21 de fevereiro do ano passado, Altimar foi para o andar de cima, deixando aqui registros eternos de sua inteligência e amor à cultura do seu povo. Altimar era alagoano, assim como Romualdo Palhano é potiguar, ambos destinados a viver na Paraíba e dedicar suas vidas ao estudo e produção da legítima cultura tabajara.Por fim, irei ao lançamento do livro de Romualdo porque fala de teatro, e ainda por cima experimental. É que eu e Romualdo fizemos parte do Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana, coletivo dramático que foi o ponto inicial de sua carreira. Aliás, o teatro de Cabedelo já faz tempo que é objeto de estudo do professor Romualdo, ele que escreveu dissertação para curso de Mestrado em Serviço Social com o título de “Lúdico e o Lúcido em Cena - Teatro Experimental de Cabedelo”, aprovada com “Distinção” em 12 de junho de 1992, na UFPB - Universidade Federal da Paraíba.Desde então, o artista tem dado continuidade aos trabalhos que envolvem quase sempre questionamentos em torno do mundo da arte. Ele é autor dos livros “A Estrela e a Rã”, literatura infanto-juvenil, “Teatro de Bonecos: uma alternativa para o ensino fundamental na Amazônia” e “Brincando com Linhas”.

Motivado por estar novamente em sua terra adotiva, Romualdo Palhano prepara-se para regressar ao Norte do país, mas antes vai fazer umas estrepolias por aí, que ele é o criador da tal de aula-espetáculo, que muito cartaz deu ao paraibano-pernambucano Ariano Suassuna. Ele agora está realizando a tese-espetáculo, com seu livro sobre o teatro de Cabedelo e o mestre Altimar Pimentel.

O livro de Romualdo mostra uma Cabedelo rica em cultura popular, lembranças de tempos melhores, quando sujeitos iguais a Altimar Pimentel pensavam e produziam cultura de qualidade na bela cidade praieira. O livro fala do amor de um homem pela terra que o acolheu, como evocação de uma cidade que poderia ter sido pólo cultural da Paraíba e não foi.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Pé sujo em Jaguaribe

Jaguaribe é um bairro de João Pessoa onde nasceu a poesia de vanguarda na Paraíba, terra do Jaguaribe Carne, uma experiência cultural comunitária que marcou época, liderada por Pedro Osmar e seu irmão Paulo Ró, de onde saiu a arte de Chico César para o mundo. Hoje decadente, o bairro já foi um dos principais arrabaldes da capital. Jaguaribe da arquitetura mal conservada da Aderbal Piragibe, antiga Vera Cruz, deslumbrante com o casario do começo do século passado, um verdadeiro museu a céu aberto que está sendo destruído. Jaguaribe da antiga festa do Rosário, de mil tradições culturais e esportivas, berço dos maiores craques de futebol genuinamente pessoenses, citando os irmãos Chiclete, do Estrela do Mar, time do lendário Frei Albino, alemão que conseguiu ser campeão paraibano de 1959 com um time de coroinhas.

Jaguaribe hoje reduzido a algumas praças, precisando ser revitalizadas. Foram-se os centros de lazer dos habitantes do bairro, a violência já preocupa, os moradores mais antigos estão se mudando para a praia, a qualidade de vida vem decaindo. E os bares de Jaguaribe, nostalgicamente lembrados pelos boêmios? Hoje, temos dois bares que são referência nessa área. Por sinal, chamam-se Bar do Zé. Um é de propriedade do garçom Zé do Luzeirinho, antigo bar que reunia a fina flor da intelectualidade de João Pessoa nos anos 60/70. Lá declamou muita poesia o poeta Ronaldo Cunha Lima, bebeu muito uísque e criou pérolas literárias o falecido Raimundo Asfora. Luzeirinho fechado, Zé botou seu bar na Rua Floriano Peixoto, onde ainda hoje serve seus clientes com um tira-gosto famoso e o bom atendimento de um profissional com mais de 40 anos de batente. Ele disse que vai fechar o bar, desencantado com a falta de perspectiva no ramo e temendo a onda de violência. Recentemente roubaram seu Fiat Uno.

O outro Bar de Zé é um “pé sujo” que fica na Praça Odilon de Carvalho, onde funciona o Círculo Operário. A pracinha leva o nome do primeiro presidente do Círculo. É lá onde bato ponto quase todo dia, que ainda não sou diarista. O tira-gosto é de mal gosto, os copos sujos, a cana suspeita, mas a atração do barzinho são os seus frequentadores, figuras impagáveis, bebinhos folclóricos e grandes mentirosos.
O poeta Washington Araújo escreveu esse poema indignado:

Tire as mãos do meu pé sujo
Não venha com esta dinheirada
Não quero nome, sou um dito cujo
Deixe eu beber minha gelada

Tire as mãos do meu pé sujo
Vá pra lá com a sua limpeza
Não quero garçon sabujo
Só quero gelada na mesa

Tire as mãos do meu pé sujo
Quero garrafas em pilhas
No bar do Pereira ou do Araújo
Ovo pintado, fritas de trilhas

Tire as mãos do meu pé sujo
Fora chope de boutique
Vivo a passos de caramujo
Mas saúdo, hic, hic

Tire as mãos do meu pé sujo
Fecho as portas, não sou otário
Se vier com dinheiro, fujo
Quero amigos, não mercenário

Tire as mãos do meu pé sujo
O covil do amigo Zé
O feijão do dito cujo
A gente come de pé


Na confraria do bar de Zé é onde se sabe das fofocas mais atuais, os fatos do dia-a-dia que a imprensa não publica, as anedotas quentes, os causos e acontecências do bairro. Foi lá que se criou a expressão “chutar o balde”. Dá-se que no bar não existia sanitário, tendo o Zé improvisado um balde para as necessidades dos tomadores de loirinha. Foi não foi, um cara mais chumbado acabava por chutar o baldo cheio de mijo, daí... O Bar de Zé também pode ser classificado como “bunda de fora”, porque o local é acanhado. Quando está lotado, a metade do pessoal toma suas pingas na calçada mesmo, ou na pracinha.

“Pés sujos”, aqueles em que o garçom limpa a mesa com um pano e consegue deixá-la mais suja. As pessoas vão lá porque querem se livrar das pressões do cotidiano. A bebida, as piadas muitas vezes sujas, o blábláblá inconsequente e uma postura de todos sendo amigos de todos torna o bar atraente. Esta é a proposta.

Daria um livro a crônica das piadas feitas na hora, no boteco “pé sujo” de Zé. É famosa aquela em que um senhor evangélico entrou no bar para catequizar os papudinhos. “Nossa mensagem para vocês é esta palavra de Jesus: “O Filho do Homem veio buscar e salvar quem está perdido” (Lucas 19.10). Se você se sente perdido, Jesus está perto e pode fazer algo em sua vida”, declamou o protestante. Foi quando Maninho tascou: “Então vá salvar João Gonçalves, que ele ta perdidinho pra Ricardo Coutinho”. Na mesma linha, entrou um testemunha de Jeová e perguntou de chofre a Toinho Santiago, outro frequentador diarista: “Você está preparado para morrer?”. E Toinho: “Tou não que a cueca ta suja”.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

HOMENAGEM A AUGUSTO DOS ANJOS

Ele já foi decantado
Por todos os trovadores
E bons improvisadores
Do verso escrito e cantado.
Desde os vates do passado,
A arte desse poeta
Aponta como uma seta
O objetivo da vida:
O belo é a grande meta.

Mesmo falando da morte,
Esse poeta do “Eu”
Que aqui em Sapé nasceu
Tinha a natureza forte
Pois a beleza era o norte
De sua obra imortal,
Criação original
Da mente do mestre Augusto
Por isso eu digo sem susto:
Excede o bem e o mal.

O seu cantar era aberto
À criação mais poética
Porém sem respeitar ética,
Sem ser errado nem certo.
Um linguajar bem liberto
Dominava a criação
Desse gênio brasileiro
Morrendo em solo mineiro
Longe do amado torrão.

Todas as comunidades
De doutor e acadêmico
Estudaram o verso anêmico,
Fora das realidades,
Constatando essas verdades
Como coisa de doente,
Mostrando para o vivente
Que somos apenas pó
E no mundo estamos só
Com a solidão da gente.

Augusto e o inventário
Da dor e da solidão
Transformou-se num filão
Para poeta lendário,
E até um certo otário
Sem caráter e sem talento
Com a cabeça de vento
Se diz sucessor de Augusto.
Eu ouço e até levo um susto
Diante de tal intento.

Um poeta verdadeiro
Augusto dos Anjos é.
Eu comparo com Pelé:
É o único e derradeiro.
Lembrado no mundo inteiro
Já faz parte da História
Para nós é uma glória
No aspecto cultural
O poeta genial
Vive na nossa memória.

Todo encolhido nas asas
Do corvo agourando a morte,
Diz o poeta que a sorte
É nuvem em cima das casas,
É lama nas covas rasas
Lá no Engenho Pau D’Arco
Onde se deu bem o marco
Do nascimento do artista
Que colocou bem à vista
Da alma humana o charco.

84 era o ano
E o século dezenove.
Lentamente já se move
Esse poeta troiano
De cuja obra eu me ufano
Sem medo da podridão
Arrastando o coração
Do homem com seu escarro
Pois somos feitos de barro
E o destino é o caixão.

No dia 20 de abril
Comemoro o nascimento
Desse homem de talento
Que aqui em Sapé surgiu
Pois o mundo nunca viu
Tanta arte e irreverência
Com a clara consciência
Da nua realidade:
A tragédia e a maldade
De nossa humana vivência.

No mais, tudo é teoria,
Só lendo os versos do “EU”
Pra sentir como sofreu
Augusto em sua agonia
Descrevendo a anarquia
Que é a natureza humana
Com a crença soberana
De uma obra singular.
Augusto foi e será
O maior nessa porfia.

domingo, 5 de julho de 2009

Lula é meu pastor e nada me faltará

O Presidente Lula é uma mãe de leite para a curriola dos picaretas no Congresso. Acabou de passar a mão na cabeça de Zé Sarney, o homem do bigodão que está mais atacado do que rato em convenção de felinos. Um dia Lula diagnosticou que o Congresso era covil de mais de trezentos picaretas. Precisando do apoio dessa rapaziada para os projetos de sua candidata Dilma, Lulinha paz e amor se vale da falta de memória do brasileiro, que não resiste a uma noite de sono.

A turma de baixo, os famélicos, adoram o cara. Até um tal de Obama se rendeu aos encantos do sapo barbudo. Dizem que de Lula e de sexo quase todo mundo gosta. Carismático como poucos políticos que já fizeram vida nessa república de muro baixo, Lula é um fenômeno que ainda hoje intriga os caras que vivem estudando esses babados de populismo.

Os manés da direitona apostam que Lula é um “comunista de sacristia”, produzido pelos teólogos da libertação, chocado no ninho da Diocese de Santo André. Os zé ruelas da esquerda o tratam por traidor da revolução, uma coisa que nunca passou pela cabeça do cara. Esperto, ele sabe como funciona a “democracia” brasileira. Aprendeu a ganhar eleições com o famoso “caixa dois” e a controlar a maioria com a distribuição de mensalões e bolsas-voto. Hoje é um homem metalurgicamente bem posto na vida, com um filho chamado Lulinha, mais malaquias do que o rato que aprendeu a subir de costas em azulejo ensaboado.

De minha parte, quero aqui registrar minha tendência natural de puxar a brasa pra minha sardinha, que ninguém é besta. O país vai bem? Pois eu vou mal. Se eu vou mal, a culpa é do governo. Tem duas coisas que o ex-presidente FHC acochou no meu lombo e eu não gostei: arrochou o meu salário de aposentado e meteu o pau nas rádios comunitárias. Lula continuou dilapidando os míseros proventos dos velhinhos e foi mais cruel do que o próprio FHC na repressão às rádios livres e comunitárias. Fui o primeiro preso político da era Lula, justamente por operar rádio comunitária sem autorização do governo, conforme decreto do ditador Castelo Branco.

Com uma oposição da qualidade que tem o Lula, mais suja do que pau de galinheiro e corda de amarrar porco, falta moral e vergonha na cara para peitar o homem. Essa cambada de cupins sabe que, se Sarney cair, a casa cai. A marola todo não vai dar em nada, portanto.
Eu só sei que o marqueteiro do Lula me enganou com uma conversa bonita de baixar avião, e eu fiquei com cara de babaca jogando confete no dito cujo (o avião, claro!). Tem coisa mais idiota do que jogar confete em avião?

sábado, 4 de julho de 2009

Apresentação do livro MARI, ARAÇÁ E OUTRAS ÁRVORES DO PARAÍSO

É com imensa satisfação que o Departamento de Cultura da prefeitura de Mari colabora na edição deste livro sobre a história de nossa cidade, tão bem elaborada pelo poeta Fábio Mozart. Para os marienses, assenhorear-se da própria história na agradável forma de literatura de cordel significa muito. E de nossa parte, ao garantir o acesso dos alunos da rede municipal de ensino à presente obra, estamos visando o binômio arte-educação, por acreditar que é na formação de leitores conscientes da sua própria história que se conquista uma educação qualificada e cidadã.

Fábio Mozart é cidadão emérito de Mari, mesmo sem ter o diploma oficial referente a esta honraria. Sua prodigalidade nos rendeu frutos que ainda hoje florescem na cidade, durante o período em que aqui viveu. Ele é um artista que faz questão de repassar conhecimentos. Fundou o grupo de teatro, jornal e outros empreendimentos sócio-culturais, a exemplo da rádio comunitária.

Hoje, Mari tem raízes bem fincadas na memória e no coração de Fábio Mozart, transformadas em motes que, poeticamente, glosou nesta obra de indiscutível valor literário e histórico. Sem falar nos perfis que escreveu das figuras que evocam memórias e testemunhos do nosso modo de viver que não escapa à compreensão universal da natureza humana.

Ler “Mari, Araçá e outras árvores do paraíso” é emocionar-se com a versão teatral da história do Município, encenada em 1988 pelo Coletivo Dramático de Mari, grupo do qual fiz parte com muita honra. Com o fervor próprio dos verdadeiros criadores, Fábio Mozart soube aliar carpintaria teatral com os mais significativos fatos históricos marienses, registrando os modos de vida, a religiosidade e o cotidiano de nossa terra.

O Departamento de Cultura da Prefeitura de Mari pretende ser um órgão para fomento e fruição da cultura em suas múltiplas vertentes. Estamos fazendo o que é possível, nesses tempos de crise, para trazer o melhor da cultura paraibana, ao lado de uma política de formação que privilegia a divulgação de nossa própria história. O presente livro será, sem dúvidas, fonte recorrente para estudantes e pesquisadores.

Manuel Batista
Diretor de Cultura

sexta-feira, 3 de julho de 2009

João Goulart em Sapé

No começo da década de 60, o conflito social entre os camponeses e os proprietários de terra cada vez mais se aguçava. Formou-se a Liga Camponesa de Sapé, que congregava trabalhadores canavieiros da região compreendida entre Mari e Espírito Santo. João Pedro Teixeira era o voluntarioso líder dos trabalhadores. Já os proprietários rurais reuniam-se sob a chefia do deputado Flaviano Ribeiro Filho, industrial Agnaldo Veloso Borges e outros agropecuaristas da região, que se organizavam “contra as atividades subversivas dos comunistas”.

O Nordeste e especialmente a Paraíba vivia o conflito agrário cada vez mais acirrado, beirando a uma guerra civil no campo, prestes a se alastrar para os centros urbanos. Reforma agrária era a bandeira de luta dos trabalhadores rurais, cujas ações ecoavam até no exterior, fazendo parte do teatro da guerra fria que se travava no mundo entre as superpotências Estados Unidos e União Soviética. A pequena Sapé abrigava a mais aguerrida facção da luta camponesa, e por isso chamava a atenção do país, governado na época pelo vacilante João Goulart.

No dia 1o de julho de 1962, uma concentração de camponeses de todo o Estado assistiu à solenidade de instalação de um posto do SANDU em Sapé, com a presença do Presidente da República e seu Ministro da Agricultura, quando Goulart definiu a orientação do Governo Federal “frente ao rumoroso problema agrário que tanto interesse despertava no Brasil e no mundo”. O Governador da Paraíba, Pedro Gondim, estava presente à manifestação em Sapé.

Dois anos depois, os Estados Unidos executam o plano de acabar com o conflito social no Brasil pela força, apoiando o Exército no golpe militar de 64. João Goulart foi deposto, Pedro Gondim acabou cassado e os líderes dos trabalhadores mortos, exilados ou na clandestinidade.