sábado, 31 de outubro de 2009

Recados da galera


Neste fim de semana, resolvi limpar a caixa postal eletrônica. Selecionei trechos de mensagens dos leitores, agradecendo mais uma vez as manifestações delicadas dos compadres e comadres sobre os conteúdos do blog.

Geraldo Xavier, de Feira de Santana, indaga: “Fábio, esse Eliel de quem você fala é aquele filho de Dona Severina que tinha um pequeno restaurante em frente à tipografia d’A Folha? Lembro bem dele. E de seu pai também, o jornalista e tipógrafo Arnaud Costa. Trabalhei na tipografia nos anos 60. Sou sobrinho de Djalma Aguiar.” (Sobre a crônica “Um Poeta Aquático”).

Sobre a morte do meu comparsa Fofão, de Mari, Rutinha do Rio Grande do Sul declarou: “Nossos amigos não têm defeitos, simplesmente aceitamos como eles são. Homenagem merecida. Texto lindo”.

Maria Cláudia Araújo, de Cubatão, São Paulo, afirmou sobre meu “Poema de dor e fé”: “Seu poema é belo e nem de longe pode-se chamá-lo de pobre. Poemas são livres para expressar todo e qualquer tipo de sentimento, pois o poema é a voz do coração do poeta. Abraços”.

Esse poema ainda mereceu o seguinte comentário de Giustima, de Santa Maria, no Rio Grande do Sul: “Teu poema é verdadeiro e se é, como dizes, violento e dolorido, é porque expressa a realidade. Achei fenomenal. Com poucas linhas demonstras a crueza da vida. Isso é civismo, é comprometimento. Gostei. Vou ler-te mais vezes. Abraços”.

Do Pós-Doutor Romualdo Palhano: "Ilustre Fábio Mozart, se houver condições, tenho a pretensão de publicar no livro sobre o Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana pelo menos dois textos de sua autoria: "A Peleja de Lampião com o Capeta" e "ABC de Zé da Luz". Havendo interesse de sua parte, gostaria que posteriormente me enviasse os referidos textos".

Fátima Souza, de João Pessoa, assim se expressou sobre a crônica “Viva o mestre Zé Duda do Zumbi”: “O bom artista não morrerá jamais, enquanto existirem pessoas sensíveis à sua arte, divulgando de várias formas possíveis, sem depender exclusivamente da mídia massificada e torta. A escola, sim, deve urgentemente absorver o material e disseminá-lo a uma moçada tão carente de cultura e boas informações como temos observado no nosso cotidiano. E viva o Mestre Zé Duda do Zumbi! - Fátima Souza”.

Flávio mora no Rio e é seguidor do meu blog. Comentário dele em uma de suas mensagens, a respeito da crônica “Sobre fiado, cachaça e sociologia”: “Fazer cultura fora do ‘eixo do mal’ Rio-São Paulo não é mole não, mas sempre aparecem agradáveis surpresas como esse aparentado do Amadeus, o Mozart da Paraíba”. Que texto maravilhoso! Aqui no Sul não existe esse tipo de relacionamento de amizade. E cuidado com o Firmino solto por aí mostrando seus dinheiros!”.

Agradeço o julgamento favorável que de mim fez o leitor Marcos Estrela: “Bom dia, tenho lido e guardados seus artigos. Você é uma pessoa que tem muita alma. São ótimos, parabéns”.

Meu compadre Quelyno Souza me deu notícias de mais um garçom que morreu: “Caro Fábio Mozart, você, meu nobre amigo, é cidadão do mundo. Sua crônica ‘Sobre fiado, cachaça e sociologia’ é um belo texto. Não sei se você já sabe, mas quem faleceu no último sábado foi o garçom "Cocotinha" da feijoada de Jaguaribe”.

Mensagem de Francisco José Quirino Costa de Carvalho: “Prezado Senhor, em seu texto "Perdendo o trem da historia" tem uma passagem sobre o Senhor Jaime Quirino Costa, filho da viúva Josina. Pois muito bem, acredito que este Senhor seja irmão do meu avô materno, José Quirino Costa, que migrou para Alagoas (cidade de Passo de Camaragibe) após estudar em internato no Recife. Existe um fato significativo durante a fase que ele estudou no internato, que foi um acidente que acabou terminando com a amputação de uma perna. Gostaria de saber um pouco mais sobre a origem da família. Agradeço por Vossa atenção.”

José Noé da Silva mora no Recife. Trecho de sua mensagem: “Sou fã da cantoria de repente, fui amigo de Manoel Xudu e gostaria de ter a cópia dessa cantoria para ouvir. Como posso comprá-la?”.

Outro ilustre seguidor da Toca do Leão, professor Benjamim, da UEPB de Campina Grande: “Toca do Leão - que não é esconderijo, é canto de repouso e fonte de energia-sabedoria. Oh! amigo Fábio, tamos por aqui curiando o formidável Toca do Leão. É por aqui que temos as melhores notícias deste mundão de meu Deus... tão maltratado pela exploração de classes e exposto terrivelmente pela midiazona. Parece até que não tem mais cura... Aí, abrimos a porta da Toca e nos deparamos com a Vida, com a Verdade. A crítica ácida, contumaz, severa, rigorosa contra as injustiças soma-se ao ninar de uma canção de amor para as belezas da terra e dos homens, feitos arte e solidariedade embalam nossa vidinha neste aparente esconderijo leonino! Abraços e me telegrafe informando da inauguração do Ponto de Cultura de Itabaiana”.

Para estabelecer a antinomia, acabo citando mensagem do meu compadre Ferreirinha, de Itabaiana, sobre a crônica ‘Praça restaurada anima cultura de Itabaiana’: “Você sempre esquecendo os Gayrreiros, mas mesmo assim resistimos. Estamos nas praças todas as terças e quintas-feiras com o projeto CapoeirAidsT - DÊ RASTEIRAS NA AidsT, que desde novembro de 2008 acontece nas praças de Itabaiana, iniciando na do coreto e, após a inauguração da praça nova, estamos lá, sem falar que os equipamentos para apresentação do grupo de teatro tem parceria do Gayrreiros. – Walmir Ferreira – Gayrreiros do Vale do Paraíba”.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A arte de tirar leite de pedra


O menino Douglas Moreno, Jacinto Moreno e Fábio Mozart fazendo teatro de rua em Juripiranga (PB)

Um cara franzino, de fala mansa, origens humildes, autodidata que aprendeu a gostar de cinema participando como figurante ou ator coadjuvante em algumas produções paraibanas. Antes fazia teatro, mas de uns tempos para cá meteu a cara, desandou a fazer filmes de curta metragem com uma câmera tecnicamente deficitária.

O nome da fera é Jacinto Moreno, que na vida civil é vigilante na Prefeitura de Santa Rita, na grande João Pessoa. Ele realiza filmes de concepção simples, mas que mostram, na sua singeleza, como um permanente desafio pode dar sentido à vida de um homem. Sua atriz perpétua é Adriana Felizardo, ela que trabalha pelo velho e bom sistema do 0800, ou seja, de graça. Jacinto completa a trupe com seus próprios filhos ou vizinhos, às vezes uma pessoa qualquer que esteja passando no momento da filmagem, aceitando o convite já passa a fazer parte do elenco.

Jacinto realizou o curta “Táxi”, com apoio e participação do ator Fernando Mercês. Custo da obra: 90 reais pelo aluguel do táxi. Liberto de amarras ideológicas, Moreno também não se importa com traquejos modernosos na arte de fazer filme. Tem uma história que ele cria ou adapta, escreve breves falas, e o roteiro está pronto. Depois mostra o filme aos amigos e manda para todo festival de cinema, até no estrangeiro. Tem fé de, um dia, ganhar um prêmio qualquer. Acredita no valor de seu trabalho.

Nosso cineasta tem curso de contabilidade e uma extrema simplicidade de vida. Trajes simples, barba por fazer, ele perambula pelos gabinetes de produtores e instituições para divulgar seus filmes. São obras mal acabadas, de um amadorismo comovente. Nada disto diminui o valor simbólico do trabalho de Jacinto Moreno. É pedagógico lembrar que um cara que faz uma arte tão dispendiosa sem gastar um tostão tem alguma coisa de fantástico e fascinante.

Uma anedota: assistindo ao filme “O Anjo e a Serpente”, fiz ver ao amigo Jacinto que uma tomada de cena estava no mínimo equivocada, porque ele filmou o diálogo entre duas personagens tendo em primeiro plano uma mula. Praticamente não se via as personagens, encobertas pelo animal que pastava tranquilamente. Reação do diretor:

--- Se fosse um filme de Glauber Rocha, você achava genial. Como é meu, já vem botando defeito!

Depois ele explicou que viu um filme de Glauber, “o primeiro e o último, que não tinha saco pra ver aquelas fuleiragens”, onde o famoso diretor fazia uma cena em plano americano cortando as cabeças das personagens.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Fogo cerrado na bandeirinha



Depois que publicamos artigo sobre a bandeira oficial do Município de Itabaiana (PB), muitos internautas têm escrito sobre o tema, a grande maioria para espinafrar nosso símbolo representativo.

Maria do Carmo Arruda sai em defesa da bandeira: “Está no parágrafo segundo do artigo 4º da nossa Lei Orgânica: ‘são símbolos do Município a Bandeira, o Hino e o Brasão, representativos de sua cultura e história’. Não entendo porque as escolas de Itabaiana não levam nosso hino, bandeira e demais símbolos ao conhecimento dos alunos. Não concordo com a opinião de que a bandeira seja complicada e sem sentido. O verde evoca a cor da mais linda bandeira – a bandeira do Brasil; o sol simboliza a hospitalidade do nosso povo. Os outros símbolos são muito claros, dizem respeito aos fatores econômicos e culturais da terra. Os dizeres são incentivos ao nosso povo para que permaneçam unidos num ideal fraterno, trabalhando com harmonia, sendo um exemplo marcante para as futuras gerações”.

Na concepção de José Ricardo Oliveira, que mora no Recife, a bandeira deveria exibir o famoso pé de gameleira estilizado, onde rolava a feira de gado, “com uma coroa no centro simbolizando a Rainha do vale do Paraíba”. Ele acrescentaria um pé de algodão, representando a agricultura, que é de que vive essa terra. Sobre as cores, admite a permanência do verde. Tudo bem, Ricardo, só acho que essa sua ideia fica um tanto retrô, porque a gameleira foi embora na truculência da moto-serra, e o algodão, o bicudo já traçou faz tempo!

João Plácido sugere como símbolo uma caveira de boi, já que em Itabaiana funcionou a maior feira de gado da Paraíba, isso até os anos 1960. Não sei se para os padrões machistas dos itabaianenses ficaria bem uma bandeira com um par de chifres. Em todo caso, é uma ideia...

Fica uma sugestão ao Presidente da Câmara de Vereadores, para que regulamente resolução dispondo sobre a criação de uma nova bandeira para Itabaiana, que a atual, já está provado, não recebe o apoio da grande maioria dos habitantes. A escolha da bandeira seria feita mediante concurso envolvendo especialmente os alunos que estejam cursando o ensino médio nas escolas do Município, estadual ou municipal. Uma comissão julgadora escolheria as quatro melhores ideias, que seriam premiadas com computadores, bicicletas, máquinas fotográficas e MP6.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sobre o caso da censura


Já sofri restrições no meu direito de expressão antes. No teatro, inclusive. Tive textos censurados pela Polícia Federal e até por um arcebispo. No rádio, fui preso pelo delito de opinião. Isso de restringir a prerrogativa de livre manifestação é comum em países atrasados e primitivos como o Brasil.

Agora, um blogueiro tirou do ar crônica minha onde faço algumas gozações com antigos companheiros de Mari. Um dos citados na crônica ameaçou me processar, e o blogueiro temeu diante da possibilidade de entrar no “bolo”.

Recebi algumas mensagens sobre o caso, que considero menor, “tempestade em copo d’água”, como diz meu companheiro Jota Alves, radialista de Guarabira. Jotinha garante que está solidário comigo, dizendo-se decepcionado com o editor do blog que, segundo ele, “aceitou passivamente retirar a crônica do ar, transformando-se em partícipe da censura”. Diz ainda Jota Alves que o rapaz traumatizado pela crônica deveria escrever um texto contando sua versão sobre as “presepadas”. Jotinha, você aí quer tirar leite de pedra! O rapaz em questão desconhece essas técnicas.

A leitora Ana Maria Gonçalves mandou dizer que eu “deveria me portar de forma íntegra e honesta na blogosfera, pois, ao contrário do que parece, a internet não é brincadeirinha de criança, ela cria e destrói reputações, gravadas para sempre no mundo digital”. Respeito a opinião de Ana, dizendo que já enviei meu pedido de desculpas ao rapaz mencionado na crônica. Se foi citado em uma história ficcional, foi mais como uma homenagem.

Aqui eu sou lido por pessoas sensatas, e confio no discernimento de meu leitor quando se trata de notícias absurdas, quase sempre pouco verossímeis, como a que contei na crônica censurada. Rir de si mesmo é próprio das pessoas equilibradas.
“Não perca tempo com isso”, aconselha o camarada Marcos Veloso. O leitor Abel Gomes lascou essa ironia cheia de finíssimo humor: “veja que na lenda bíblica, Deus preferiu Abel que pastorava ovelhas ao Caim que cultivava a terra, num claro preconceito contra os agricultores, culminando com a CPI do MST. Portanto, a lenda é uma narrativa de matéria supostamente verdadeira. Não se pode distinguir o que é verdade do que é mentira numa lenda. Todos os folclores estão repletos de lendas, e essas pessoas que você citou são figuras folclóricas de sua cidade, portanto...”.

É como diz o meu compadre Benjamim de Campina Grande: “Toca do Leão não é esconderijo, é canto de repouso e fonte de energia-sabedoria”.

BIU PACATUBA, UM HERÓI DO NOSSO TEMPO



“...o que eles queriam não era dar roçado a ninguém, eles queriam era matar o povo e debandar o povo.” (Francisco Antonio da Silva, membro das Ligas Camponesas de Sapé)


“A ordem era esmagar. Correu todo mundo”. (Ivan Figueiredo)


“O que eu me lembro era que o povo vivia tudo assombrado com essa história de Liga Camponesa”. (Elizabeth Teixeira)


“Fui trabalhar de vigia na Usina Santana. A ordem era pra atirar no pessoal das Ligas. De repente aparece meu tio Mané, que derrubaram a casa dele em Cajá. Eu disse: ‘meu Deus, o que é que eu faço com meu tio Mané?’” - (Severino Tertuliano Nascimento)


“O povo sempre acreditava que o sangue que tinha sido derramado, ele não ia ficar enterrado, ele ia nascer de novo”. (Josefa Maria da Silva).


“A Liga Camponesa foi quem me ensinou a lutar. Porque o trabalhador não tinha direito nenhum na vida.” (Damião Cardoso)


Do livro “Memórias do povo”, organizado por Irmã Tonny, Alder Júlio, Arivaldo Sezyshta, Gabriele Giacomelli e Gláucia Luna.


Quando o feroz latifúndio
Matou João Pedro Teixeira
O grande Raimundo Asfora
Fez uma frase altaneira:
Disse que matar o homem
Foi uma grande besteira

Porque heróis do seu porte
Vivem de toda maneira,
São vidas imorredouras
Lutando pela bandeira
De justiça e pão na mesa
Nesta nação brasileira.

Eles baterão nas portas
Como uma assombração
De casa grande e engenho
Para sempre viverão
Exigindo mais respeito
Para o camponês irmão,

“Gritando na voz do vento
E clamando por vingança”.
Se João Pedro não morreu
Ainda resta esperança
De se ter reforma agrária
Como bem-aventurança

Nesta terra castigada
Por séculos de injustiça
Se João Pedro não morreu
Não rezem pra ele missa
Mas empunhem sua bandeira
Dando garantia à liça.

Nas estradas de Sapé
Também outro herói passeia,
Sonhando o sonho bondoso
De ter janta, almoço e ceia
Para o seu povo querido
Que ainda hoje norteia

A vida de muita gente
Lutando contra o sistema
Assassino e impiedoso,
Exploração é seu lema.
Contra esse estado de coisa
A desavença é extrema.


Esse herói de quem falamos
Foi seu Biu de Pacatuba
Cujo sangue e o suor
Nossa terra ingrata aduba.
Foi um herói popular,
Seu nome ninguém derruba.

Para contar sua história
Fui ouvir o povaréu
Gente que viveu no tempo
Da ditadura cruel
Perseguidora do povo
Carrasco do tabaréu.

O povo que conheceu
Esse homem tão cordato
Morador de Pacatuba
Em sítio por comodato
Pertencente a Gentil Lins
Que dispensava bom trato

Ao seu morador honesto
De bondoso coração
Tanto que entregou a ele
Por confiar na gestão
O barracão da fazenda
Para administração.

O coronel Gentil Lins
Chegou ao fim de repente
E toda propriedade
Foi repassada pra frente
Passando seus moradores
A ter vida diferente.

Senhor Renato Ribeiro,
Novo dono da fazenda,
Grande latifundiário
Começou uma contenda
Com o Biu de Pacatuba
Que foi viver de moenda.

Saiu da propriedade
Mudou-se pra Borborema
Onde instalou alambique
Pra se livrar da algema
Que lhe impôs o patrão
Acabando com o problema.


Fabricava uma aguardente
Do melhor caldo de cana
Que vendia em Sapé,
Em Pilar e Itabaiana,
Resumindo: todo mundo
Tomava da carraspana.

Severino Alves Barbosa,
Era seu nome completo,
Batizou por “Vitalina”
Esse elixir predileto
Que deixava o cabra tonto,
Insolente e indiscreto.

Viveu assim por três anos
Moendo seu alambique
Até receber convite
Pedindo que abdique
Do seu engarrafamento
Em outro mistér aplique

A boa capacidade
Como administrador
Sendo preposto em fazenda
De um famoso senhor
Dono de terras e gado
Sendo mesmo abonador

De qualquer posto de mando
Na várzea do Paraíba.
Quem contrariasse o homem
Podia arrumar o quiba:
O rico perde o poder,
O pobre morre ou arriba.

Era João Úrsulo Ribeiro
Da família dos Coutinho,
Um sujeito poderoso
Porém não era mesquinho
Na sua fazenda “Una”
Seu Biu armou o seu ninho.

Depois de um ano instalado
Na fazenda do patrão,
Nosso Biu de Pacatuba
Arrumou uma paixão
Casando com dona Helena
Mulher de bom coração.


Nessa fazenda seu Biu
Tinha direito a plantar
A mandioca, o milho,
Lavoura familiar
Pra sua subsistência
Milho, feijão e cará,

Algodão, fava e arroz
Constava da produção
Do seu crescente roçado
Com grande dedicação
Ia aumentando a fartura
Melhorando a condição.

Com a vida progredindo
Ele arrendou uma terra
Na fazenda Miriri
Em um fértil pé de serra
Com um sucesso total
Daí começou a guerra.

Apareceu a inveja
Veio a desarmonia
Pois essa prosperidade
A muita gente ofendia
Sendo alvo de “olho grande”
E de muita antipatia.

Um Pedro Ramos Coutinho
Comprou a propriedade,
Logo seu Biu percebeu
A sua infelicidade
Pois o tal Pedro era um poço
De inveja e de maldade.

Esse Pedro Ramos era
Um preposto e pistoleiro
De um homem poderoso:
Senhor Renato Ribeiro
Forte latifundiário
Do Nordeste brasileiro.

O capanga dos Ribeiro
Era carrasco temido
Por todo trabalhador
Tendo a fama adquirido
Conforme seus maus instintos
Contra o povo desvalido.


Já seu Biu era o contrário:
Homem de bom coração,
Ajudador dos mais pobres
Nunca fazia questão
De auxiliar o carente
E socorrer seu irmão.

Por conta do pensamento
Muitas vezes destemido
Foi seu Biu de Pacatuba
Ficando bem conhecido
Em toda aquela ribeira
Pelo seu jeito aguerrido.

Começou a apregoar
Um ideário atrevido
Sem medo do latifúndio
Ficando comprometido
Com altas aspirações
Causando forte alarido.

Foi seu Biu de Pacatuba
Um homem socialista
E ferrenho opositor
Do patrão capitalista
Apregoando sem medo
Seu discurso comunista:

“Só para vós, camponeses,
Não existe o direito
As bênçãos da liberdade
Nunca lhe dizem respeito,
Vivendo assim nesse mundo
No desespero do eito.

Com filhos desabrigados
Sem pão nem educação,
Mas agora todos sonham
Com uma revolução
Que venha nos libertar
Da cruel escravidão.

A terra bem repartida,
Com justiça e liberdade
É a tal reforma agrária
Pra nossa comunidade
Viver bem e ser feliz
Sem tanta barbaridade”.


Isso foi calando fundo
No camponês oprimido
E apesar do grande medo
O povo foi envolvido
Pelo discurso da fé
Foi sendo amadurecido.

Seu Biu era certamente
Adverso e muito hostil
Aos homens do “posso e mando”
Os quais mantinham servil
O povo daquela terra
Em cativeiro sutil.

Conversando com amigos
Seu Biu foi tendo contato
Com idéias progressistas
E sem muito espalhafato
Foi estudando a maneira
De formar um sindicato

Pra defender os direitos
Do trabalhador, sem medo,
Para isso ele contou
Com o Ivan Figueiredo
E o João Pedro Teixeira
Mudando então o enredo

Daquele povo sofrido
Vivendo em escravidão
Oprimido e dominado
Pelo senhor e patrão
Por isso que sua luta
Causava insatisfação

Aos coronéis usineiros
Que vieram a perseguir
Da forma mais arbitrária
Procurando até banir
Os pequenos fazendeiros
Aos quais passam a agredir.

Seu Biu era o mais visado
No coativo processo
Mas nem mesmo a intolerância
Impediu o seu progresso
Seguindo em frente na luta
Apresentando sucesso


Na colheita do arroz
Que era beneficiado
Por maquinário moderno
Com muito esforço comprado
Pelo Biu de Pacatuba
Um fazendeiro esforçado.

Isso aumentava a inveja
Da turma da reação
Com o Renato Ribeiro
Perfeita comparação
De um déspota malvado
Em plena conjuração

Para perseguir sem dó
Pessoas como seu Biu
Que ousavam discordar
Da prescrição senhoril
Recusando a condição
Da humilhação servil.

Ameaçado de morte,
Seu Biu deixou a fazenda
Comprando um naco de terra
Onde fez sua vivenda
No sítio de Sapucaia
Para evitar a contenda.

Nele plantava inhame,
Milho, mandioca, feijão,
Até um belo pomar
Plantou com grande afeição
Criando gado e suíno
Aumentando a produção

Como bom agricultor
Aumentou o seu roçado,
Para 50 hectares
Passando a ser cobiçado
Incomodando os hostis
Por ter ele encabeçado

Uma mobilização
Com o João Pedro Teixeira
Também Pedro Fazendeiro,
Pra levantar a bandeira
De organização do povo
Encarando essa barreira.


No ano 58
Foi fundada a entidade
Que era a Liga Camponesa
Tendo aceitabilidade
De todos trabalhadores:
Os do campo e da cidade.

Seu Biu foi logo escolhido
Seu primeiro presidente
Quando forte represália
Ele sofreu torpemente
Por forças reacionárias
Que vinham em grande torrente.

61 foi o ano
Da primeira invasão
Pelas forças regulares
Carregando a ambição
De deter aquela marcha
Rumo à libertação.

Seu Biu logrou escapar
Pela cerca do curral
Ferindo as costas no arame
Mas evitando esse mal
De ser preso injustamente
Como um cruel marginal.

Aquele sítio, contudo,
Era indicado no mapa
Da repressão militar
Que na segunda etapa
Consegue prender seu Biu
Com ardileza e socapa.

Foi preciso um batalhão
De soldados bem armados
Para prender esse homem,
Tropa de alienados
Obedecendo as ordens
De homens equivocados.

Reviraram toda casa
Do honesto agricultor
Em busca de alguma prova
De que era agitador
Para incriminar o homem
Que lhes causava pavor.


Com fama de guerilheiro
E também subversivo,
Biu foi levado ao quartel
De modo bem agressivo
Submetido a um termo
De jeito interrogativo.

Com ele Ivan Figueiredo
Junto a João Pedro Teixeira
Formavam um trio de proa
Abrindo grande clareira
No poder do latifúndio
Da forma mais sobranceira.

Os três igualmente presos
Ficaram só oito dias
Em um quartel no Recife
Com muitas descortesias,
Ameaçados de morte
Entre outras vilanias.

De lá ele foi a pé
Pra casa de uma prima
No lugar Jaboatão
Pra refazer-se do clima
De tirania e opressão
Que a qualquer um desanima.

No outro dia voltou
De trem para o seu Sapé
E com grande aclamação
Foi recebido com fé
Pelos correligionários
Remando contra a maré

Porque a perseguição
Continuou com energia;
Tentavam deter o homem
Por meio da asfixia
Econômica e social
Castigando a ousadia.

Teve que se desfazer
Dos seus bens materiais,
Foi alvo de zombarias,
Discriminação e mais:
A família maltratada,
Dor que não passa jamais.


Seu Biu se viu na pobreza,
Humilhado e decadente,
Por querer o bem do povo
Em uma trama indecente
Ele foi sendo envolvido
Vendo-se então impotente.

Família aterrorizada
Sem entender o motivo
De tanta perseguição
E chavão pejorativo
Se ele queria o bem
Daquele povo passivo.

Os filhos do velho Biu
Foram expulsos da escola,
Por vil discriminação
Queriam sua degola
Ele sofria calado
Feito tizio na gaiola.

E assim foram levando
A vida de amargura
Somente sobrevivendo
Por causa da alma pura
Da cunhada que ajudava
Sem se importar com censura.

Os filhos foram crescendo
Na mais cruel tirania
Ninguém dava emprego a Biu
Devido a essa porfia
Nem compravam seus produtos
A família então sofria.

Os bancos não emprestavam
Dinheiro para o plantio
Só de falarem seu nome
Já causava um arrepio
Como se fosse um bandido,
Um terrorista ou vadio.

Sapé então deu as costas
Àquele homem de bem
Que ficou desmotivado
Sem crédito no armazém
Mergulhando em depressão
Diante desse desdém.


O sistema social
Era forte e poderoso
A ditadura feroz
Armava o contencioso,
Socialista era visto
Como um mal contagioso.

Com uma forte depressão
Nosso herói foi internado
Tendo o Dr. Gutemberg
Do seu espírito cuidado
Ficando uns vinte dias
No hospital sendo tratado.

O Dr. Vicente Rocco,
Outro esculápio direito,
Tratou também de seu Biu
Que viu seu mundo desfeito
Diante do grande trauma
Pelo injusto desrespeito.

Um filósofo romeno
Do qual esqueci o nome
Disse: “quer ser homem livre?
Antes morrerás de fome”.
Melhor ser homem servil
Mas encher o abdome.

O sistema só tolera
Dois tipos de componentes:
Os tiranos que exploram
E os subservientes.
Os que lutam por justiça
Serão sempre dissidentes.

A nossa sociedade
É uma prisão sem vigia,
Se é que vocês entendem
Essa minha alegoria.
Mesmo sem guardas nas portas
O jugo não renuncia.

É uma prisão fatal
Da qual ninguém nunca foge.
Somos sempre transigentes
Por mais que alguém nos despoje
Mesmo que toda essa farsa
Nos irrite e nos enoje.


Portanto, Biu Pacatuba
Teve que se desfazer
Do que havia construído
Para ter o que comer
Junto com sua família,
Sofrendo sem compreender

A lógica dos coronéis,
A perversa indução:
Trabalhar quase de graça
Com o famoso “cambão”
Ou ser marginalizado
Se fizesse oposição.

O campônio analfabeto
Pensava que era o destino
Que o trazia cativo
Desde quando pequenino
Passando de pai pra filho
Esse cruel desatino.

Foram heróis como Biu
Que fizeram a diferença,
Demonstrando ao camponês
Que sua luta compensa,
Abrindo novos caminhos,
Mudando sua sentença.

Os anos da ditadura
Fizeram amarga e sombria
A convivência dos homens
Lutando nessa porfia
De ter mais dignidade
E uma vida sadia.

O grande Biu Pacatuba
Deixou dois terços do seu
Coração de guerrilheiro
Para esse povo plebeu,
Comunidade ingrata
Que não o reconheceu.

Biu vendeu os cata-ventos
Gado e casa de farinha,
Desfez-se da fazendola
E de tudo quanto tinha
Indo morar na cidade
Perdendo o prumo e a linha.


Final dos anos 60,
O banco abriu orçamento
Para emprestar dinheiro
Destinado a investimento
Na compra de território
Como aliciamento

De agricultores pobres
Desejosos de investir
Em uma propriedade
Para melhor produzir.
Biu então viu uma chance
De voltar a possuir

Um pedacinho de terra,
Retornando à atividade
De cultivar um terreno,
Sentindo muita saudade
Da sua vida de campo
Nos tempos da mocidade.

Encontrou em Mamanguape
A fazenda Jaguarema,
Terra boa, muita água,
Localização suprema,
Era a oportunidade
De se livrar da algema

Humilhante e tormentosa
De sua ociosidade.
Até mesmo rapadura,
Pra sua felicidade
Era muito produzida
Naquela propiedade.

Qual não foi sua tristeza
E sua decepção
Ao saber que o gerente
Negou sem apelação:
Não validou seu cadastro
Com forte conotação

De censura ideológica
Por ser o Biu comunista
E constar como elemento
Perigoso em muita lista
Do Exército e da Polícia:
Dedução militarista.


Foi assim que Pacatuba
Ficou fora do “Proterra”.
Sem ponto de referência
Estava perdida a guerra.
Mais uma vez o sistema
O seu caminho soterra.

Passou assim a viver
Como Deus foi bem servido,
Um senhor acabrunhado,
Amargo e desiludido
Por ser um homem de esquerda
Ficou pobre e desvalido.

Mas tinha visão incrível
Do mundo que o rodeava;
Para resistir ao cerco
Que cada vez apertava
Apostou na educação
Da família que criava.

Gastou tudo o que restava
Na educação dos filhos
Resistindo desta forma
À opressão dos caudilhos
Dando estudo à família
Para vencer empecilhos.

Vitória dos derrotados:
Jamais se entregam ao hostil
Sob qualquer condição
Inventam qualquer ardil
E dão a volta por cima
Enganando o senhoril.

Como semi-analfabeto,
Só lhe restou apostar
Na formação dos seus filhos
De uma maneira exemplar
Para, de fronte erguida,
O sistema defrontar.

Morando em casa alheia,
Precisando de favores,
Mesmo assim o grande Biu
Não descuidou dos rigores
Para educar a família,
Seus verdadeiros amores.

Nisso, o Banco do Brasil
Abriu primeiro edital
Admitindo mulheres
No quadro de pessoal
Dando oportunidade
Pra juventude em geral.

Maria Helena Malheiros,
Sua filhinha dileta,
Foi aprovada em concurso,
A sua principal meta,
Porque proporcionaria
Uma vida mais concreta

E com mais dignidade
Para a família guerreira
Que soube enfrentar unida
A mais difícil barreira
Para a sobrevivência
Com a crise financeira.

Um outro filho de Biu
Também teve aprovação
Em concorrido concurso
Pra outra repartição,
De modo que a família
Foi saindo da aflição.

Deu-se mais uma tragédia
Isso no ano setenta:
Um dos filhos de seu Biu
Logo se desorienta,
Adoece da cabeça
Em emoção violenta.

Gentil era o nome dele,
Com quinze anos de idade,
Tamanha foi a pressão
Pela animosidade
Que essa pobre criança
Perdeu sua sanidade.

Foi internado em asilo
Para doentes mentais,
Provocando imensa dor
Nos irmãos e nos seus pais,
E daquele manicômio
Ele não saiu jamais.

Perdido o filho caçula
Para a terrível loucura,
O velho Biu só culpava
A injusta conjuntura
Que o perseguia tanto
Causando tal amargura.

Foi no dia 28
De um tristonho agosto
Que o Biu de Pacatuba,
Não aguentando o desgosto,
Deixou enfim esse mundo
Sem as armas ter deposto.

Isso em 75,
Sem pompa foi sepultado,
Esse grande herói do povo
Que tanto foi humilhado
Por lutar pela justiça
Em lugar tão atrasado.

Brigou com todas as forças,
Nunca negou seu pensar,
Quebrando o silêncio agrário,
Buscando concretizar
A organização do povo,
Impelindo o caminhar

Em busca da redenção,
Com fé para questionar
O poder do latifúndio
E seu peso secular,
Peitando as oligarquias;
O marisco contra o mar!

Morreu Biu de Pacatuba,
Morreram também as Ligas
Camponesas do Estado,
Restando apenas lombrigas
De pelegos descarados
E suas baixas intrigas.

Como reconhecimento,
Um grupo foi batizado
Na cidade de Sapé,
Com o seu nome honrado,
Gratidão que atenua
Seu viver atormentado

Depois de 64,
Explodiram o monumento
Para João Pedro Teixeira
Perto de Café do Vento,
Uma violência inútil
Do latifúndio cruento.

A saga daquele mártir
Por justiça social
Ficará sempre indelével
Na memória mundial.
Assim o nome de Biu
Será eterno afinal.

Pois não se pode apagar
Da memória da Nação
Quem se bateu por direitos
De toda população,
Apesar do preconceito
Injusto da reação.

No bairro “Nova Brasília”,
Uma escola cultua
O nome do bravo Biu,
Seu combate perpetua,
Para as novas gerações
Sua saga conceitua.

O Governo do Brasil
Reconheceu afinal
Todo o desregramento
Da ditadura fatal,
Concedendo a anistia,
Reduzindo então o mal

Feito a Biu de Pacatuba
Com uma indenização
Destinada à família,
Espécie de reparação,
Como se tamanha ofensa
Tivesse retratação.


Por sua dignidade,
Ficou notabilizado
Pela imensa bravura
De combater o Estado
E a turma reacionista,
Como um autêntico soldado

Lutando por transformar
A cruel realidade
Da várzea do Paraíba
E toda sociedade,
Sofrendo com a família
Severa barbaridade.

Termino aqui o folheto
Para a memória das Ligas
Com seus bravos ativistas
E as ambições antigas
Que ainda hoje fornecem
Matéria pra muitas brigas.

O teatro em Itabaiana e outros fatos históricos


Romualdo atuando na peça "Acalanto de Joana, a louca" - 1989

Este é o título do livro que o Doutor Romualdo Palhano está finalizando, onde relata e reflete suas experiências no Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana – GETI – trupe onde o ilustre professor começou sua vivência nas artes cênicas. No final deste ano, ele estará em Itabaiana para pegar depoimentos de antigos companheiros que fizeram parte desse grupo teatral amador para o livro, que será publicado no começo de 2011.

Romualdo pede para que eu escreva o prefácio do seu livro, adiantando que possivelmente em janeiro próximo estará fazendo lançamento da obra "Fronteiras Entre o Palco e a Tela - Teatro na Paraíba - 1900 - 1916", resultado do seu Pós-Doutorado. Nesta obra há um capítulo sobre o "Teatro da União Dramática" do início do século XX que existiu na Rua 13 de Maio. Este teatro pertencia à União de Artistas e Operários de Itabaiana. Foi uma das primeiras experiências dramáticas em nossa terra.

Fico orgulhoso por fazer parte desse projeto literário/histórico do Mestre Romualdo Palhano, que por justiça será reconhecido como Cidadão Itabaianense pela Câmara local pelo seu empenho em divulgar nossa cultura. Somos cúmplices nessa missão de vida, que é de amar essa arte misteriosa e sedutora chamada teatro.

Esse competente professor, hoje na Universidade Federal do Amapá, informa que estará lançando seu segundo livro de poesias intitulado "Entre Parénthesis". É mais um poeta da terra de Zé da Luz, onde as pessoas vivem com o coração aquecido pelo afago lírico. Poeta polivalente que é, Romualdo não deixa por menos e lança seu livro no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, da Sociedade Amigos da Rainha, possivelmente em dezembro.

Quis o destino que o livro de Romualdo contando a história do Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana saísse na época em que nossa trupe volta às atividades. Agora mesmo estamos ensaiando para relançar a peça “ABC de Zé da Luz, o poeta do povão”, de minha autoria, espetáculo cuja estréia se deu no lançamento do livro “O cancioneiro de Zé da Luz”, de Reginaldo Antonio de Oliveira, em 1979.

Louvemos a militância mais que brasileira, itabaianense, do Mestre Romualdo Palhano, um sujeito que cumpre sua missão de espalhar arte/cultura por onde vai, com dignidade e talento. Orgulho de Itabaiana, que deverá reconhecer seu valor.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Ainda sobre a bandeira de Itabaiana



David do Monte opina sobre a bandeira

Acho que está na hora da Câmara de Vereadores de Itabaiana promover debate sobre mudanças na bandeira do Município, que não vem agradando aos habitantes do lugar. Senão vejamos algumas opiniões de itabaianenses que se distinguem pela experiência e conhecimentos.

O amigo David Andrade Monte vem lá de Tocantins para opinar. Em sua ótica, a bandeira de Itabaiana não tem muito sentido. “Nada contra o verde-branco, mas, está mais para bandeirolas de times; algum ajuste deve ser feito no formato e na disposição das cores, artistas criativos em nossa Itabaiana não faltam; A formatação do que seriam os morros circundantes, à primeira vista, perante um desavisado, demonstraria o desenho de algum animal abatido, ainda que não se identifique a espécie; mais: alguns veriam uma língua sobressaindo em estado terminal, ou seria a entrada de um túnel - mas, que túnel? E as cavidades brancas? Olhos! Janelas! Ou estão alí pra confundir?”

Mais do lúcido o estudo de David: “Entre o esboço da linha e o do morro, a imensidão "branca" parece remeter ao leito do rio Paraíba, porém, falta-lhe sentido, em todos os sentidos; O slogam de cunho positivista, normal nas primeiras décadas do século 20, carece de criatividade e senso de modernidade. Resumindo: lancem, com apoio de organismos constituídos, uma campanha pela adoção e/ou mudanças na bandeira, mediante critérios democraticamente pré-estabelecidos, através de uma comissão mista de notáveis e populares, com o estabelecimento de regras claras e diretas, previamente discutidas, tendo no formato final prêmios e reconhecimentos aos melhores criadores.”

Sidney Pereira foi mais enfático na questão política local: “Em primeiro lugar, a frase "unidos e sempre crescendo" é uma piada de mau gosto, pois não condiz com a realidade. Em segundo lugar, colocaram um carro de boi e um trecho de ferrovia, meios de transporte que em Itabaiana não tem uso, o carro de boi faz muito tempo que já foi e o trem não leva mais ninguém (isso dá um mote).
Não sei a data em que foi instituída a bandeira, porém, concordo que há símbolos desconexos e quanto à frase, União em Itabaiana só a UNIÃO DOS ARTISTAS e um time de Futebol UNIÃO, da época em que havia um juiz de futebol chamado Bilisco (fabricante de bolas de couro de futebol) e do Presidente do Time União, quando ainda jogava CORDÃO (João Bernardo). Se houvesse união, Itabaiana não teria estacionado no tempo, com raras exceções!”

De Brasília, Rosário Paiva também opina: “Estou vendo esta bandeira pela primeira vez, na minha lembrança era outra. Ela na verdade não tem conexão entre as imagens. Não dizem muito ou talvez quase nada. Vamos modificar pedindo uma orientação de um historiador. Não sei bem, mas talvez seja o caminho.

A professora Telma Lopes também implica com o emblema da cidade: “Desde o momento que a nossa Escola recebeu essa bandeira, achamos algo estranho a respeito dos seus símbolos. Inclusive não soubemos com clareza explicar ao nosso alunado o que os mesmos significam”. Ela também pede um toque de beleza para a flâmula itabaianense.

CABEÇA DE MULHER NA PIA



A POESIA DE FÁBIO MOZART

Poeta e humanista confundem-se em um universo poético anacrônico? Nem tanto. Antes de tudo, Fábio Mozart é poeta num país em crise crônica, por isto uma poética adstringente e amarga. Mas o lirismo, o mais das vezes, desarma a selvageria da “dor de estar no mundo” com a exaltação sutil e bela dos sentimentos pessoais.

Esse universo diversificado e competente reativa formas clássicas com firmeza e delicados toques de linguagem, sem se filiar a qualquer proposta ou estilo. Poesia fácil de ser compreendida, ainda assim, o trabalho de Fábio Mozart não se enquadra no simplismo sem essência. O mais das vezes a sua poética quer “perceber” a parte interior e profunda das coisas, como no poema CABEÇA DE MULHER NA PIA. Segundo a reflexão de Heidegger, na sua “Introdução à Metafísica”, no “poetar" do poeta, como no pensar do filósofo, de tal sorte se instaura um mundo, que qualquer coisa, seja uma árvore, uma montanha, uma casa, perde toda a vulgaridade”.

Maciel Caju
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CABEÇA DE MULHER NA PIA

Fábio Mozart

Natureza morta, urbana, de aparência tal
que a história natural das coisas faz sombria,
debulho terno a ti, cabeça úmida e fria,
e entrego aos teus cuidados o canto invernal

Que o mal em si não é mal, é a forma que escolhemos
para escorrer as dores em lenta sangria.
Estranho a tudo, em meio a esta fotografia,
percebo, morna e calma, a vida que não temos.

E enfim será por certo a pátria tão sonhada
de quem vislumbra em ti mistério e fantasia.
Delírio vergastando o rosto, e essa elegia
com amargo gosto e sonho a ti vai dedicada.

Se alguém te viu assim e cuidou que sentia
o horror da carne em violenta vertigem,
imobilizas, pois, tão reticente e virgem,
e apanhas em "close" essa visão vazia.

Numa tristonha manhã de setembro, em meio
a indistintos sons de coisas que estão mortas,
e abre na pele a textura dessas portas
que, investindo, para inquietar-nos, veio.
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domingo, 25 de outubro de 2009

A bandeira mais feia do Brasil



Um amigo itabaianense mandou mensagem provocativa e eu coloco o assunto em pauta no sentido de também forçar uma discussão, sem ofensa e sempre reverenciando nosso símbolo, que é a bandeira de Itabaiana. Não sei quem desenhou a dita cuja nem o que levou esse meu leitor a eleger nosso esverdeado símbolo como o mais feio do Brasil, segundo ele, levando em conta o valor do fenômeno artístico, o uso de frases (o que ele considera abominável) e a disposição dos símbolos. Para ficar como a pior no ranking das bandeiras desse País com mais de 500 municípios é preciso que ele explique melhor suas razões estéticas
.
O que acham meus leitores? Um camarada, certamente vascaíno, disse que feia mesmo é a bandeira do Flamengo. Eu já considero que a nossa bandeira da Paraíba, a tal do NEGO, é um prodígio de mal gosto. As duas são rubro-negras, daí... Em um site da internet, a bandeira paraibana obteve o primeiro lugar como a mais feia do Brasil. A mais bonita ficou sendo a do Paraná. Tem até um movimento para mudar a bandeira paraibana, que dizem representar um homem apenas, João Pessoa, e não todo o povo e a História da Paraíba.

Mas voltando à bandeira de Itabaiana, seu lema “unidos e sempre crescendo” é um primor de necedade. Um dos meus leitores sugere que nossa bandeira seja igual à do Paraguai, que tem a única bandeira dupla face do mundo. De um lado, o escudo nacional e a inscrição "República do Paraguai". No verso, o selo do Tesouro e o lema "Paz e Justiça". Conforme a sugestão do leitor, a nossa teria de um lado “a turma do bem”, e do outro lado “a turma do mal”. Quem estivesse no poder seria, momentaneamente, a “turma do bem”. Pode uma tolice dessas?

Os símbolos representam a alma de um povo, o espírito de uma comunidade. Nossa bandeira apresenta uma linha férrea e um carro de boi. Como meio de transporte, estamos mais defasados do que salário de aposentado. O descompasso aumenta com a apresentação de uma montanha e o sol nascendo por trás dessa elevação misteriosa. Que monte seria esse? O alto do Major? Outro leitor sugere trocar o carro de boi pelo bonde, para lembrar que fomos a primeira cidade paraibana a ter bonde puxado a burro. Mas compramos os bondes velhos de Timbaúba, porque nossa rival adquiriu bondes elétricos novos e nos passou a sucata.

Tem muita coisa que não se encaixa na nossa bandeira. Voltarei ao palpitante assunto.

No dia do meu aniversário


Em 1988, imitando o ídolo Raul Seixas

O mundo celebra festivamente o 54º aniversário do velho Fabinho neste 25 de outubro. Sob os rigores dos anos, este cabra ainda persiste no hábito de engolir meropéia, dando-se o direito de levantar um brinde em seu próprio louvor, ato de tamanho cabotinismo, mas, no fundo do copo, cheio de uma “etílica brasilidade”, no dizer do poeta Jessier Quirino.

No meu 54º aniversário, ainda me preocupo pela satisfação dos interesses coletivos, mas como estou perigosamente com o prazo de validade vencido, já dobrando o famoso cabo da boa esperança, permito-me apenas recordar o passado, lastimar as dores da velhice e o empobrecimento ilícito a que sou submetido pelo Governo, algoz dos aposentados. Nos aniversários, é bom a gente fazer assepsia na alma. Nossa parte imortal, para quem acredita, é como os filtros: com o passar dos anos acumula impurezas.

No verdor dos anos, costumava comemorar no prostíbulo (palavra bela!) de Nevinha Pobre (sim, havia uma Nevinha Rica), com um magote de irreverenciosos amigos, na minha Itabaiana querida. A tal Nevinha foi a viga mestra da prostituição na rua do Carretel. Não era apenas uma comerciante carnal que só pensava nos lucros do lenocínio, era uma espécie de mãe e conselheira, amiga de suas meninas, a quem chamava de afilhadas. Para nós, uma mestra dos prazeres, merecedora do respeito e deferência dos rapazes. O romancista português Carlos Oliveira define a prostituta como “um bem coletivo”.

Hoje, fazendo uma retrospectiva da vida, vejo que não posso mudar o que passou, mas posso deixar pra lá. Plantar uma árvore, ter um filho, escrever um livro. Essa, em tese, seria a realização de um homem na sua passagem pela vida. Estou, nesse caso, de curriculum mais do que preenchido, até com um certo exagero. Plantei quase uma floresta em Bananeiras/PB, ao longo do curso de agronomia no Colégio Vidal de Negreiros. Só não replantei a Mata Atlântica inteira porque fui expulso devido a um entrevero com um capitão do Exército, mas isso é outra história. Tive seis filhotes, vingando cinco, e escrevi quatro livretos, sendo que um deles, “História de Itabaiana em Versos”, foi adotado pelas escolas de Itabaiana, o que atesta sua qualidade.

De qualquer forma, conforme a cultura dos números, segundo a qual somente os terminados em zero devem ser comemorados, resolvi não festejar meus 54 anos de vida boa aperreada. No máximo, farei uma festinha simples no interior de mim mesmo.

Prefiro lembrar das coisas divertidas de minha existência, que vou desfiando aqui na Toca do Leão, para o deleitamento dos meus seis ou sete leitores fiéis. Faço minhas as palavras do General Newton Estillac Leal: “Andei em muitas guerras, delas nem sempre trouxe uma vitória, mas de todas trouxe uma anedota”.

Citando ainda o grande Joaquim Nabuco, que em seu diário escreveu: “Sinto-me em ordem de marcha para o desconhecido. Quando se é jovem, os amigos, prolongamentos de nós mesmos, são jovens como nós e têm a vida diante de si. Na mocidade olha-se para diante e não para trás, e os camaradas pisam nos caídos sem o sentir. No declínio, está-se entre os feridos abandonados no campo de batalha, ouvindo os gemidos a que não se pode atender e esperando nossa vez de descansar...”

sábado, 24 de outubro de 2009

Voltei, Recife!



Não foi a saudade que me trouxe pelo braço, conforme o frevo de Luiz Bandeira. Essa incompletude não me corrompe a alma, já que nunca morei lá. Fui visitar o comércio pujante da velha capital pernambucana, que de tão próxima a João Pessoa, depois da duplicação da BR-101 vamos virar subúrbio de luxo da Veneza brasileira. Na qualidade de “estrangeiro” na terra de Joaquim Nabuco, é preciso que eu tenha a sinceridade de afirmar que o caos urbano transformou aquela cidade em um espaço irremediavelmente arruinado. Recife hoje é uma cidade inviável. O quadro de miséria e o estado geral desordenado do trânsito e dos espaços urbanos é excepcional.

No mangue nascem, crescem e servem de alimento os mesmos crustáceos da “Geografia da Fome”, que Josué de Castro tão bem estudou sessenta anos atrás. O ciclo do caranguejo continua, agora sem muito siri, devastado pela poluição dos rios, mangues e mares. A miséria humana é quase a mesma, com exceção do advento de novas chamas infernais que atendem pelo nome de “crack”. A prostituição infantil, a violência sem nenhum controle, a degradação visual e o estado de carência absoluta da maioria de sua imensa população aumentam as negras manchas demográficas, como uma célula cancerígena incontrolável e incessante.

Rodeado por essa nuvem de horror, o Recife permanece lindo, com seus casarões, suas pontes, suas praias, sua cultura sofisticada, seus renascimentos musicais como o movimento “mangue beat”. No meio daquela inferneira, de repente você se depara com o Jardim Botânico, um encontro com a natureza mais bela e sadia, mata, trilhas, fauna e flora nativos de um dos últimos redutos da Mata Atlântica, escondidos no meio da completa desordem do trânsito da BR-232, no Curado.

E sua geografia humana? O recifense é um ser que, vivendo tão perto da Paraíba, tem sotaque diferente do nosso. Eles preservam um certo distanciamento preconceituoso do paraibano, isso é certo. A cidade do frevo, maracatu, coco, ciranda e caboclinho influenciou e muito a minha Itabaiana, que fica na fronteira entre os dois estados. Antigamente, Itabaiana vivia no ritmo do Recife. Torcíamos pelos times de lá, nosso carnaval tinha a marca de Pernambuco. O trem ligava as duas cidades e fazia esta simbiose. Mesmo porque só podíamos sintonizar as rádios Jornal do Comércio e Clube de Pernambuco.

Voltando ao Recife de hoje, passo no Pátio de São Pedro para ver seus museus, memoriais, espaços de pesquisa e preservação desde a arte popular às manifestações culturais mais modernas. Tem até um Memorial Chico Science, líder de um movimento cultural que marcou época nos anos 90 no Recife. Tem a Casa do Carnaval, tradicional ponto de encontro de carnavalescos, um dos mais ricos patrimônios imateriais de Pernambuco. É um território cultural que dá gosto. Esse é o Recife imortal, asfixiado por um sistema urbano quase insustentável. Drama comum de nossas megalópoles do terceiro mundo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

BBB 2010, este eu vou assistir!




Excelente idéia de Rita Lee

A cantora e ativista Rita Lee teve uma daquelas idéias brilhantes, dignas do seu gênio criativo. Reclamando da inutilidade de programas como o Big Brother, ela deu a seguinte sugestão:

- Colocar todos os pré-candidatos à presidênciada República trancados em uma casa, debatendo e discutindo seus respectivos programas de governo. Sem marqueteiros, sem assessores, sem máscaras e sem discursos ensaiados.

Toda semana o público vota e elimina um.

No final do programa, o vencedor ganharia o cargo público máximo do país.
Além de acabar com o enfadonho e repetitivo horário político, a população conheceria o verdadeiro caráter dos candidatos. Assim, quem financiaria essa casa seria o repasse de parte do valor dos telefonemas que a casa receberia e ninguém mais precisará corromper empreiteiras ou empresas de lixo sob a alegação de cobrir o 'fundo de campanha'.

A idéia não é incrivelmente boa?

Casa dos Politicos, já !!!

(Mensagem enviada por Pedro Osmar)

NOTA DE ESCLARECIMENTO

A crônica “As presepadas de Fernando Rodrigues” se trata de um texto ficcional, embora usando nomes de pessoas conhecidas, com quem tenho, ou pensava ter, suficiente intimidade para gracejar, sem que isso viesse a macular a honra e a dignidade de ninguém. Mas, sabedor de que Fernando Rodrigues anda me ameaçando com processo, adianto que não foi minha intenção ferir a dignidade do conhecido radialista, e só me referi a ele porque pensava que o antigo camarada ainda mantinha o espírito de desportividade e bom humor.

Os humoristas do CQC foram processados por racismo. Tom Cavalcanti foi processado por um ex-prefeito de Belo Horizonte. Uma humorista italiana corre o risco de ser processada porque mandou o Papa “pro inferno”. Juliana Paes processou o humorista Simão da Folha de São Paulo. Na época da ditadura, todos os humoristas do jornal O Pasquim foram presos pelos generais.

Para evitar mais mal entendidos, deixo de publicar minhas crônicas no blog do professor Josa, que também foi um dia processado pela delegada de Mari por ter dito em uma entrevista que “a Justiça é lenta”. Eu próprio fui testemunha no caso, já que publiquei a entrevista no jornal O Norte.

O humor não quer ferir ninguém. Todo dia fazem piadas com o Presidente Lula e ele nem liga. Num certo momento do pós-1964, os humoristas foram o grupo que mais incomodou os militares. Meu amigo Assis Firmino tem dito que manda imprimir as matérias onde falo dele e guarda com carinho.

Ao Fernando Rodrigues, minhas desculpas por ter, inadvertidamente, causado constrangimento e mal estar.

Aos leitores do blog do professor Josa, também minhas desculpas e despedidas.

Fábio Mozart

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Praça restaurada anima cultura de Itabaiana




Quem chegava a Itabaiana só tinha dois pontos turísticos para visitar: a ponte de Guarita e o alto do major Nonato. Hoje temos a Praça Epitácio Pessoa reformada como um novo centro cultural, um elemento urbanístico dotado de espaços e equipamentos como o teatro de arena e um bar temático em homenagem ao maior nome da música brasileira, o itabaianense Sivuca.

A praça, em design contemporâneo, já é o novo point da cidade, promovendo uma reconfiguração cultural, levando para o âmbito da cena pública manifestações de arte cênica, como as protagonizadas pelo Grupo de Teatro Cena Viva. Na última apresentação na praça, o grupo foi visto por mais de 300 pessoas, trazendo, sem dúvidas, um renascimento do interesse pela arte cênica, e isso é muito salutar para as novas gerações.

Ao promover a cultura e o entretenimento, o teatro de arena da Praça Epitácio Pessoa representa a ideia de um espaço que dialoga com movimentos culturais díspares. Tem espaço para exposição de artes plásticas, área de convivência, piano-bar, teatro de arena, enfim, um lugar que poderá exercer o papel de local para nossos visitantes conhecerem um pouco da movimentação cultural da cidade, suas expressões como os poetas e escritores, grupos teatrais e musicais. Esperamos que um Memorial de Sivuca venha a ser realmente implantado, com exposição de um acervo considerável do mestre.

O fato de termos a Praça Epitácio Pessoa cumprindo essa função de divulgação da nossa cultura vem se juntar à inauguração, no início de novembro, do Ponto de Cultura “Cantiga de Ninar”, uma parceria do Ministério da Cultura com a Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba. Os artistas locais serão prioridade no Ponto. Nosso primeiro passo é instalar um centro de multimídia, com estúdio de gravação de vídeo, ilha de edição e demais equipamentos destinados a documentar as ações do Ponto. A dinâmica será descentralizada, pois buscaremos realizar atividades dentro e fora do espaço físico, na Galeria Lins, no centro da cidade. A praça será palco de muitos eventos do Ponto de Cultura, e no calendário de atividades certamente o teatro terá destaque. Temos o Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana, que na inauguração do Ponto de Cultura apresentará cenas da peça “ABC de Zé da Luz, o poeta do povão”. Enfim, esse equipamento quer se tornar referência em pesquisa, memória e formação da cultura itabaianense. Vontade para isso não falta à equipe.

Portanto, nossos votos para que a Praça Epitácio Pessoa se torne um sadio lugar de boemia e encontro das diversas atividades culturais que ocorrem na velha Itabaiana. Para os nossos conterrâneos que moram atualmente em outras cidades, aqui vai essa notícia alvissareira, com a esperança de que a praça e o Ponto de Cultura criem meios para receber um fluxo de visitação turística, fortalecendo a diversidade e valorizando a produção local, conquistando novos públicos e investindo nos estudantes. Nosso propósito é trabalhar diretamente com as escolas públicas do Município, levando os alunos a interagir com os projetos do Ponto, criando novas plateias para o cinema, o teatro, a literatura e outros segmentos, oferecendo espaço para a produção e difusão dos artistas locais.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Amizade e amor


Pode ser que um dia nos afastemos...
Mas, se formos amigos de verdade,
a amizade nos reaproximará.
(Albert Einstein)

Tem a amizade e o amor. A amizade é livre e despreocupada. O amor é a “progressiva apropriação indébita do outro”. Sufocante, o amor é possessividade pura. A amizade é compassiva, é democrática, solidária. O amor é uma ilusão perigosa.

O amor é narcisista e excludente. A amizade subsiste sem traumas. Misterioso, o amor exige que se fique sempre à espreita, esperando um bote do tigre do ciúme ou outra facada mortal traiçoeira qualquer, movida pela mão da insanidade. Arnaldo Jabor escreveu que “não somos vítimas do amor, só do sexo”. Nelson Rodrigues sentenciou que “se o amor não for eterno, não era amor”. Discordo. O amor é uma aflição que dura uma eternidade, até que a gente se dá conta de que o amor é uma inutilidade, uma praga que pega e corrompe. A porra do amor exige demais; doação, vontade, energia, dedicação até seu último alento.

A amizade é anarquista! Não sou o tipo de pessoa que tem muitos amigos. Reservado ao extremo, divido a vida em colunas de débito e crédito. Na parte dos débitos, acuso um monte de feridas feitas por pessoas da intimidade. Mas os poucos amigos e amigas que consegui contabilizar ao longo da vida foram meus créditos mais proveitosos.

Nesse ato de autoflagelação que é o amor, às vezes se sai com o couro ardendo e com uma inimizade para sempre. A amizade pode amainar, mas sempre persiste aquele sentimento de serenidade. O amor tem uma tendência à paranóia, a compulsão de estar sempre analisando o outro, buscando significados ocultos em olhares, ausências, detalhes sutis que uma mente embotada por esse vírus transforma em cenas trágicas.
Aristóteles conclui que a amizade, e não a justiça (como sustentou Platão na República, o grande diálogo sobre a justiça), parece ser o laço que une as comunidades. Para Aristóteles, a amizade é mais elevada que a justiça, porque esta já não é necessária entre amigos.

Paul Valéry acreditava que todo o homem tem em si um ditador e um anarquista. O anarquista é o que preserva as amizades e evita o ridículo do amor possessivo. Do latim amicus; amigo, que possivelmente se derivou de amore; amar. Portanto, amizade procede da palavra amar, conservando a nobreza de uma relação afetiva e excluindo a obsessão.

domingo, 18 de outubro de 2009

Duas ou três coisinhas que eu gostaria de entender


Eu respondendo às perguntas inteligentes de Hugo Dutra, da Rádio Comunitária Santa Cruz (Rio Grande do Norte)

1) Se jornalista deve ser imparcial, como pode ser “formador de opinião” essa figura que, em tese, não tem opinião própria?

2) Se o jogo do bicho é contravenção, como o bicheiro explica seus lucros à Receita Federal?

3) Por que se eu aplicar 100 reais na poupança, com um mês terei ganhado (no máximo) 1 real, mas se sacar 100 reais no cheque especial, no mesmo período terei uma dívida de 120 reais?

4) Por que Obama ganhou o Nobel da Paz e ninguém se lembrou da presença militar dos Estados Unidos na Colômbia, no Iraque, no Afeganistão e em tantos outros países?

5) O que aconteceria se legalizassem as drogas? 500 bilhões de dólares entram a cada ano nos bancos norte-americanos por este negócio sujo. Será que a proibição não é para baixar o consumo, e sim para subir o preço?

6) Por que tenho que respeitar o padre, rabino ou pastor e suas ideias idiotas, somente porque as religiões das elites têm uma espécie de direito automático e indiscutível a uma posição respeitável?

7) Perpetuar-se em direção de entidade é de esquerda ou de direita?

8) Dar rasteira em companheiro é de esquerda ou de direita?

9) Populismo, nepotismo, autoritarismo, casuísmo são de esquerda ou de direita?

10) Por que escrevo posts tão idiotas como este?

sábado, 17 de outubro de 2009

Jessier Quirino lança Berro Novo, em livro e CD



O poeta e declamador Jessier Quirino lançou sua mais recente obra, Berro Novo. Foi no 1º de outubro, no Bar Seu Cafofa, na Estrada do Encanamento, no Recife. Nos dias 3 e 4, Quirino lançou o livro na Bienal do Livro de Pernambuco. A editora é a Bagaço, o livro contém a costumeira verve poética e humorística do já consagrado Jessier.

Um tal de Fábio Passadisco esteve no Bar Seu Cafofa, que ficou lotado no show de Jessier. Ele informou que a “bela festa contou com as ‘canjas’ de Chico Pedrosa, Santanna e Josildo Sá, enquanto o mestre Jessier autografava o ‘Berro Novo’”. A Academia Passa Disco da Música Nordestina, uma ONG, foi quem comandou a “noite memorável”.

Assim como Jesier Quirino está de Berro Novo, a cidade de Itabaiana, onde ele reside, estará também de recanto novo para sua cultura, que será o Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, a ser inaugurado até o final de outubro. Tudo indica que o poeta fará sua noite de autógrafos por ocasião da inauguração do Ponto, na terra de Zé da Luz.

O mais novo trabalho do artista campinense, o livro e CD "Berro Novo", teve divulgação no programa Voz do Sertão, na Rádio Folha FM do Recife e Rádio Universitária. No programa, ele contou histórias maravilhosas e deixou pra todos os seus fãs um abraço "fofo feito areia de formigueiro". Um grandioso talento da nossa arte nordestina, segundo comentário da apresentadora Roberta Clarissa.

“Poesia dita, escrita e musicada”, e de primeira linha, como tudo o que produz o mestre Jessier.

No dia 17 de outubro (ontem, sábado), Jessier declamou seus “causos” e poesia matuta, conteúdo do “Berro Novo”, show e livro do poeta. Ele fez única apresentação em Maceió, no Centro Cultural e de Exposições de Maceió, em Jaraguá. Os ingressos custaram a bagatela de R$ 70 reais. Pra você ver que Quirino não está pra brincadeira, e hoje é um dos artistas mais bem pagos e reconhecidos do Nordeste. Na platéia, o itabaianense Joacir Avelino, admirador da obra de Jessier, atualmente morando na bela capital de Alagoas.

Cena de teatro na periferia


Grupo Massangana em cena

MULHER 1 – (Na parada de ônibus) Fulaninha, tu tá toda jeitosa, toda chique, parece uma madame! Quem tá gastando contigo?

MULHER 2 – Ah, minha filha, melhorei de vida! Depois que fui trabalhar no apartamento de um senhor decente lá no Bessa, tou sendo tratada feito gente. Imagina que o homem cismou de namorar comigo, todo respeitador, nem parece o patrão.

MULHER 1 – Já sei que tu tá dando pro homem. Esse povo tem jeito não!

MULHER 2 – Ah, minha filha! Respeito é bom e conserva os dentes. Vê como fala com essa nega velha. Se o patrão gostou de mim, é porque sou carinhosa e boa de cama e fogão. E quer saber mais? Ele me trata com todo respeito e consideração. Me levou pro motel, coisa de rico, com uísque e tudo.

MULHER 1 – Me conta, mulher! Como foi o sarrabulhado?

MULHER 2 – Ele me tratou bem, mandou eu pegar no pênis dele...

MULHER 1 – Pênis? Que diabo é isso?

MULHER 2 – Oh, mulher ignorante! Não sabe o que é pênis não? É a mesma coisa que caralho, só que mais molinho e mais branquinho...

Cena da peça “Pintou sujeira no Cuiá”, pelo Grupo Massangana de Teatro Popular, inserida no documentário “Feminino Plural”, que conta a participação das mulheres nas rádios comunitárias na grande João Pessoa, e as questões de gênero no movimento de radcom. O documentário tem formato de vídeo digital, direção de Jacinto Moreno com roteiro de Fábio Mozart.



SE LIGA, MEU IRMÃO!
Tema da peça “Pintou sujeira no Cuiá”, de Fábio Mozart:

Qualquer dia essa galera
Que anda nos descaminhos
Nesses becos e vielas
Procurando seu destino
Na mão do xerife mal
Vai encontrar sua voz
Para dar o seu recado
E ser visto e respeitado
Como uma coisa normal.
Então detonou geral
A transmissão da galera
Passando o comunicado
Que nossa gente queria
Um país em harmonia
Com seu povo alimentado
É um sonho acalentado
Pelos becos e vielas
Nos mocambos das favelas
No “apertado da hora”
Vamos gente, sem demora!
Exigir nossa presença
Comunicando à imprensa
Que a galera tem voz
Eu falando e, cá pra nós,
O povo entendendo tudo
Mesmo de forma precária
Na rádio comunitária
Transmite cidadania
Martelando noite e dia
O recado curto e grosso
E acredite seu moço
Que vai chegar esse dia.
Cena de teatro na periferia

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Botando a mãe no meio



Por causa de um desvio mental, sou um camarada que coleciono poesia ruim. Organizo uma belíssima coletânea de poemas mais do que medíocres. Como especialista nessa parte da literatura de detritos, há muito venho me debruçando (essa expressão é de lascar!) sobre a obra do poeta Caixa D’água, tido como avançado surrealista paraibano que heroicamente publicava versos e vendia aos incautos no Ponto Cem Réis, em João Pessoa.

Manoel Caixa D’água acreditava ser um intelectual, e muitos pseudo-intelectuais admitiam a qualidade dos versos dele. “Caminho perdido” é o mais famoso poema de Caixa, que até hoje os estudiosos procuram entender sua profundidade. Eis a obra-prima:

"Se as noites envelhecessem,
se os meus olhos cegassem,
se os fantasmas dançassem
em blocos de neve
para que me ensinassem
o caminho por onde eu caminhei.
A cidade sem porta,
as ruas brancas de minha infância
que não voltam mais.
Se minha mãe se abruma,
se o mar geme,
se os mortos não voltam mais,
se as matas silenciosas
não recebem visitas,
se as folhas caem,
se os navios param,
se o vento norte
apagou a lanterna,
eu tinha nas minhas mãos somente sonhos.
Eu tinha nas minhas mãos somente sonhos!"

Em uma entrevista regada a “São Paulo” com caju, o repórter perguntou o que diabo significava a expressão “se minha mãe se abruma”. Resposta de Caixa D’água:

─ Camarada, isso é negócio de mãe mesmo! O importante é que só eu, José Américo de Almeida e Renato Ribeiro Coutinho andamos de paletó branco em João Pessoa. Com uma ressalva: Renato é só industrial, e eu e José Américo somos intelectuais.

Só que Caixa D’água não foi o único fenômeno da renovação da poesia a falar da mãe. De lascar mesmo foi o poeta Erinaldo F. de Melo, que escancaradamente botou a mãe no meio e quase botou no meio da mãe. Seu poema “A periquita de mamãe” é um clássico do poema-libido incestuoso. Vejam se não é o fim do mundo:

Bela, bela,
Mais bela que Diadorim
Em plumas descoloridas
Arrepia a lasca da passarinha
Entrância de pêlos, finura de fibras
A periquita concha conchita de mamãe
De jasmins, angélicas, crisântemos
Extasia!

Luiz Silva Filho escreveu um livreto por nome “Poemas crucificados”, onde se afirma negro, poeta, teatrólogo, autodidata, filho de camponês e nascido em Alagoa Nova. Nosso poeta escreveu:

Se eu escrevesse rimando
Eu seria um bom poeta
Mas como estou caminhando
Tento ser a coisa certa.

Os velhos nossos avós
Felizes e brincalhões
O que havia de melhor
Nossas mães valem milhões.

Nem só de mãe, entretanto, vive a poesia sem valor. Lenival Nunes de Andrade agradece à sua professora Irene Gomes, que lhe deu a ideia de escrever:

Eu tive amores com facilidade
Mas eu perdi na mesma velocidade
Me bate uma saudade
Por onde ando na cidade

Já não tenho mais idade
Mais tenho capacidade
Perdi minha mocidade
Implicando nessa vaidade

Pagarei minha anuidade
Ó Deus de bondade
Me faça essa caridade
A minha nacionalidade
Tenho necessidade
Senhor tende piedade
Pois tive amores com facilidade
Mas os perdi na mesma velocidade.

É muito bom um amor
Quando se é correspondido
Se você não é comprometido
Quanto é bom um amor.
Senhor, tende piedade!

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

OLORUM EKÊ*


Fábio Mozart

O americano Jack Johnson foi campeão mundial dos pesos pesados, o primeiro negro a ganhar o título em 1908, ao derrotar seu compatriota branco Tommy Burns. Por isso, a elite branca detonou uma onda de violência racista, com manifestações, perseguições e linchamentos. Agora, o Senado americano vai votar um pedido de perdão póstumo ao ex-lutador.

À parte a demagogia dos republicanos, uma frase de Jack Johnson resume bem sua vida: “Eu sou Jack Johnson, campeão mundial dos pesos pesados. Sou negro, eles nunca me deixam esquecer isso. Eu sei que sou negro! Eu nunca os deixarei esquecerem-se disso!” Essa vida de luta pela afirmação da raça lembra o meu compadre Dalmo Oliveira, jornalista guerreiro do povo negro paraibano.

Dalmo mora no Geilsel, militante da Rádio Comunitária Zumbi dos Palmares, tem graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal das Paraíba e mestrado em comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco. Foi eleito recentemente Coordenador Secretário da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – ABRAÇO-PB. Na Rádio Comunitária Zumbi FM, apresenta o programa Música e Cidadania, onde coloca o ouvinte em sintonia com os nossos melhores poetas e compositores na intenção de esclarecer as mensagens das canções que têm a ver com direitos humanos e as variadas formas de protesto e contestação através da música, mostrando como a arte pode contribuir para modificar o dia-a-dia dos cidadãos.

Os afrodescendentes têm uma relação muito forte com o movimento de rádios comunitárias, já que as radcom servem para dar voz aos excluídos da sociedade. O movimento negro é pautado na nossa Rádio Zumbi, a partir do próprio nome da emissora. Mais de 60 rádios populares no Brasil já foram instaladas em áreas quilombolas. Só em rádios comunitárias rolam programas especiais para Afrodescendentes. A Zumbi apresenta todos os sábados, às 14 horas, a série Vozes Negras no Brasil, produzida pela Radio Nederland Wereldomroep, da Holanda. Já foram apresentados os programas sobre os temas “pobreza, cor e mudanças”, e “cotas e educação exemplar”.

Brevemente a Rádio Comunitária Zumbi dos Palmares vai estar aqui, ao vivo, como rádio web.

* Olorum Ekê: “povo do Santo forte”, termo Ioruba.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Salve o músico popular!


Conversando com meu compadre Wellington Costa, exímio violonista de Cabedelo, fiquei sabendo que seu pai, o mestre Wilson do Bandolim, conheceu e foi parceiro do cavaquinista itabaianense Artur Fumaça. Esse artista popular é da geração do meu pai, Arnaud Costa. Autodidata, Artur Fumaça aprendeu a tocar bandolim de ouvido e em seguida violão. Especializou-se como animador dos cabarés da rua das Flores e Treze de Maio, famosos lupanares de Itabaiana. Depois partiu para fazer a vida artística nos cabarés de Cabedelo, para gáudio dos marujos estrangeiros que ali aportavam.

Wilson do Bandolim é um admirador eterno do Artur Fumaça. Tocaram juntos em muitas noites de boemia, com outros papas da música popular paraibana, a exemplo do Canhoto da Paraíba, emparelhado com os maiores violonistas que já nasceram no solo pátrio. “Ninguém que toca violão tocaria do mesmo jeito depois de ouvir Canhoto da Paraíba”, garante Wilson. Canhoto morreu recentemente, e Artur Fumaça há muito foi embora. Ele é da terra de Sivuca e de Biu da Rebeca, dois artistas populares inigualáveis. Um, o mestre Sivuca, calhou de levar seu acordeom ao mundo todo e granjear fama e prestígio. O outro, igual a Artur Fumaça, vive apenas na lembrança dos amigos que ainda moram nesse vale de lágrimas, e que tiveram a sorte de ouvir e ver suas performances.

Wilson do Bandolim é solista do grupo de choro “Os Prateados”, de Cabedelo. Fundou a orquestra de violões, é mestre da parte musical das famosas barcas, a brincadeira da “nau catarineta” de Cabedelo, um patrimônio vivo da cultura local. Graças à lei de incentivo a projetos culturais em Cabedelo (Lei Cônego Alfredo Barbosa), foi aprovada produção de DVD dos “Prateados”, onde se faz uma homenagem ao mestre Artur Fumaça. Na qualidade de membro do Conselho Municipal de Cultura de Itabaiana, levarei a idéia de se promover um lançamento do DVD na terra de Sivuca, até como uma homenagem ao Artur Fumaça.

Artur Fumaça é um exemplo vivo de uma geração que dignificou o seu tempo. Nomes como o dele, dos poetas Zuza Ferreira e Bastos de Andrade (irmão de Zé da Luz), Chico do Doce, que foi mestre no teatro popular de bonecos, o nosso babau, entre tantos outros que deixaram a semente de sua criação e talento, com a força da genuína e singular representação da arte que nasce do povo simples.

No documentário, mestre Wilson faz ressoar as cordas do seu bandolim em choros e sambas antigos, com a marca indelével da sua inspiração e como significativa homenagem a Artur Fumaça e tantos outros artistas geniais do povo, que passaram de forma anônima. Garantindo-se no bandolim, violão-tenor, banjo e cavaquinho, mestre Wilson apresenta sua turma, velhos músicos que agora têm gravadas na memória pública e oficial suas performances em choros, valsas, boleros e polcas, numa homenagem mais do que justa e merecida.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Bilhete para mim mesmo



Pare de fazer poesia marginal (o que é isso, afinal?).

Respeite a placa e o sinal e o mural e etc e tal (foi mal!).

Sem choro nem vala que o defunto ta na mala (moscovita?).

Mande consertar o pingo da torneira, apagar o sonho e acender fogueira, brigar só com saci pra não levar rasteira, beber moderadamente nos dias de feira (que besteira!).

Não embarcar em canoa sem remo. Acender vela ao santo sem esquecer o demo.

Evitar o amor pomba gira. Não comer tubarão nem traíra.

Entorta e muda teu destino.
Torce o pepino, menino!

PS – Não esquecer de apagar a luz vacilante
no quarto
minguante.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O "cara" da rádio zumbi


Um jornalista sem culpa publicou entrevista com o mano Gilberto Júnior, o cara da “banda de um homem só”, em jornaleco da periferia de João Pessoa. O mano Gilberto Júnior tem uma idéia simples: fazer com que todo artista do subúrbio tenha um canal de expressão de sua arte. Como toda idéia simples, essa é de difícil execução. Para logo na falta das tais políticas públicas em perfeita conformidade com as carências, aspirações e cultura da rapaziada que mora nas tais comunidades de baixa renda. Tem neguinho de fundação de cultura que pensa que hip hop é coisa de preto maconheiro e vagabundo.

O caso aqui é literatura, a que vem da periferia. O mano Gilberto é músico, poeta e escritor. Dos bons. Nas horas vagas, manda ver na rádio comunitária Zumbi dos Palmares, no pomposo cargo de Diretor de Cultura. Alguém classificou o trabalho de Gilberto como “literatura marginal”. Ele escreve contos que falam sobre seu cotidiano de modo irônico, dando voz aos grupos excluídos da sociedade, denunciando a violência e a falta de perspectiva dos jovens. Seu trabalho também procura valorizar aspectos positivos da periferia, onde “não existe só violência, mas tem arte e solidariedade, tem cultura e originalidade”. Os textos do cara reproduzem gírias próprias do seu meio. Ele não quer chegar ao grande circuito editorial, apenas publicar seu livro para o público dos bairros da zona sul de João Pessoa. Sua visão é a dos rappers, que abordam a dura realidade dos subúrbios pessoenses. Seu sonho é formar pensamento crítico na galera, através da literatura, da poesia, da música e da rádio comunitária, de quem é aguerrido militante.

A rádio comunitária Zumbi vem fazendo seu papel, botando no ar a força da arte e da cultura dos bairros no entorno do Ernesto Geisel. O trabalho sério vem atraindo pesquisadores e artistas interessados em entrar em contato e conviver com os produtores dessa força. Por falar nisso, amanhã no nosso blog vou falar do jornalista Dalmo Oliveira, que faz o programa “Música e Cidadania”.

ENGENHEIRO DESTRUIU PARTE DA HISTÓRIA DE SAPÉ


Nem tanto pela importância arquitetônica, mas sim pelo seu valor sentimental e histórico, não se justifica a demolição das velhas estações de trem, berços de cidades como Sapé, Mari, Guarabira e tantas outras na Paraíba e, de resto, no Nordeste, onde o trem foi a alavanca do progresso no começo do século passado. Permitir-se que o tempo apague o que de alguma forma marcou a história e o desenvolvimento de uma cidade como Sapé, por exemplo, só pode sair tal idéia da cabeça de pessoas sem nenhuma consciência histórica nem respeito pela comunidade.

Foi no começo dos anos setenta que um engenheiro da antiga Rede Ferroviária Federal de nome Edmur Roque de Arruda resolveu demolir a estação de Sapé. O prefeito José Feliciano não se importou em autorizar a barbárie, permitindo botar abaixo aquele prédio de valor patrimonial-histórico inestimável. Hoje, a velha estação ferroviária de Sapé vive apenas na memória dos mais antigos moradores do lugar, ou nos registros fotográficos raríssimos, como a foto que publicamos no blog.

Na época, não sei se vozes discordantes lutaram para manter pelo menos a fachada do edifício, causando algum entrave à decisão irracional do engenheiro e do prefeito. Isso é de se pesquisar nos jornais daqueles tempos. A demolição deu lugar a um pátio onde foi construído quiosque para reunir a juventude em torno de bebida alcoólica e música de péssima qualidade. Nada de um projeto cultural que, pelo menos, amenizasse a destruição do prédio histórico. Na cidade de Mari, fui o último chefe da estação antes da privatização da Rede Ferroviária e consequente desativação do trecho Paraíba/Rio Grande do Norte. O estilo ditatorial do engenheiro Edmur já não pontificava na empresa. Aposentado, ele não conseguiu terminar a “obra” de demolir as outras estações do trecho. Lutei muito para que a estação de Mari fosse preservada. Por falta de políticas públicas de cultura, a ONG Sociedade Cultural Poeta Zé da Luz assumiu o prédio, onde funciona uma biblioteca e uma rádio comunitária. Em vez de destruir o passado, a própria sociedade mariense cumpriu a função de dar respostas a esse problema, restaurando a dignidade do seu edifício histórico, marco da colonização do Município.

Portanto, no placar da eterna rivalidade entre Mari e Sapé, marcamos esse tento. Sapé condenou sua velha estação, reduzindo-a em um monte de entulhos, sem manifestações em contrário de pessoas e instituições. Aqui, dissemos não à demolição de nossa história, recuperando nossa estação e dando dignidade ao prédio com um projeto cultural tão útil à sociedade mariense.

Vale refletir sobre uma política de reabilitação e restauração das nossas estações ferroviárias que ainda se mantêm em pé, como no sítio Entroncamento, município de Espírito Santo. Em Itabaiana, nossa velha estação foi descaracterizada e vendida a particulares. É chover no molhado ressaltar a importância histórica daquele edifício para o município, uma referência em nossa cidade. Recentemente, soube que a Prefeitura está cuidando de tombar o prédio onde funciona a Maçonaria para abrigar um museu ou memorial de Sivuca. Boa iniciativa. O edifício serviu a uma escola que marcou época nos anos 20, onde estudou José Lins do Rego. Sua arquitetura demonstra o sentimento de grandeza e fausto de nossa elite naqueles recuados anos.

sábado, 10 de outubro de 2009

Riacho (en)cantado

Geraldo Brindeiro é assessor do deputado Luiz Couto. Em toda reunião onde vai, ele canta o xote “Riacho do Navio”, música de Zé Dantas e Luiz Gonzaga que fez muito sucesso nos anos 50. Muita gente fica olhando fixo nos olhos de Geraldo, para ver se o constrange, mas ele nem liga, porque na sua consciência de classe vai buscar na singeleza dos versos da canção popular nordestina a esperança de transformar esse País em um lugar decente para um povo tão digno, apesar de sua elite dirigente indecorosa.

O gentil Brindeiro distorce a letra da canção do velho Lula Gonzaga só para dar uma força ao movimento de rádios comunitárias:

Pra ver o meu brejinho
Fazer umas caçadas
Ver as pegas de boi
Andar nas vaquejadas
Dormir ao som do chocalho
E acordar com a passarada
Sem rádio, sem notícia da rádio comunitária.

No mesmo ritmo do xote, meu considerado professor Benjamim, itabaianense ilustre que mora em Campina Grande, também bota o povo pra cantar e dançar, iluminando o que merece aparecer para a juventude a quem instrui com sapiência. Foi numa aula sobre nossa origem negra, a opulência da cultura africana que nos foi legada pelos escravos, tudo desaguando no grande rio do conhecimento e costumes brasileiros. Comentando sobre os notáveis músicos negros, os alunos foram citando desde Jackson do Pandeiro a Martinho da Vila, de Pixinguinha a Cartola, da genialidade de um Luiz Gonzaga ao lirismo desconcertante de Djavan, do samba autêntico de Paulinho da Viola ao molejo de Dorival Caymmi, referindo-se ainda a João do Vale, Lupiscínio Rodrigues e tantos outros.

Para ilustrar a aula, o mestre original convidou os alunos a cantar uma música de um autor citado.

─ Ganha dois pontos quem cantar aqui, na frente.

Depoimento do próprio Benjamim, mestre na Universidade Estadual da Paraíba: “Um aluno e duas alunas se apresentam. Cantam “Riacho do Navio”, se encantam e, no meio da música o rapaz tira uma colega para dançar. A turma alegra-se. O professor se empolga, faz do birô uma zabumba. Haja xote! Encerrada a música-dança, a aula volta ao normal. O clima é prá cima. Há entusiasmo”.

Foi criada a aula-dança. O professor se pergunta: “há significado pedagógico neste ato?” O trabalho pedagógico requer a oferta de estímulos externos, já dizem os estudiosos da ciência da educação. No circo armado na sala de aula, diferente do que embrutece e hipnotiza, “há congraçamento e amizade no ato de aprender”. A preleção lúdica do professor Benjamim, substituindo a análise fria pelo júbilo e prazer da dança e da música, lembra meu eterno professor Idalmo da Silva nos anos 70 em Itabaiana, saindo da sala de aula diretamente para o boteco para continuar suas palestras didáticas sobre política, sexualidade, literatura etc. Ousadia que lhe valeu a expulsão do Ginásio Estadual.

Um dia, Idalmo achou de cantar uma modinha antiga para explicar um conteúdo. A diretora foi até a sala:

─ Está dando aula? O que está havendo aqui?

Como se o que o professor estava fazendo não fosse aula. Ainda bem que temos professores não acomodados como Benjamim, dando seu show de educador em atitudes restauradoras, longe do quadro-negro e da mediocridade.