sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Botando a mãe no meio



Por causa de um desvio mental, sou um camarada que coleciono poesia ruim. Organizo uma belíssima coletânea de poemas mais do que medíocres. Como especialista nessa parte da literatura de detritos, há muito venho me debruçando (essa expressão é de lascar!) sobre a obra do poeta Caixa D’água, tido como avançado surrealista paraibano que heroicamente publicava versos e vendia aos incautos no Ponto Cem Réis, em João Pessoa.

Manoel Caixa D’água acreditava ser um intelectual, e muitos pseudo-intelectuais admitiam a qualidade dos versos dele. “Caminho perdido” é o mais famoso poema de Caixa, que até hoje os estudiosos procuram entender sua profundidade. Eis a obra-prima:

"Se as noites envelhecessem,
se os meus olhos cegassem,
se os fantasmas dançassem
em blocos de neve
para que me ensinassem
o caminho por onde eu caminhei.
A cidade sem porta,
as ruas brancas de minha infância
que não voltam mais.
Se minha mãe se abruma,
se o mar geme,
se os mortos não voltam mais,
se as matas silenciosas
não recebem visitas,
se as folhas caem,
se os navios param,
se o vento norte
apagou a lanterna,
eu tinha nas minhas mãos somente sonhos.
Eu tinha nas minhas mãos somente sonhos!"

Em uma entrevista regada a “São Paulo” com caju, o repórter perguntou o que diabo significava a expressão “se minha mãe se abruma”. Resposta de Caixa D’água:

─ Camarada, isso é negócio de mãe mesmo! O importante é que só eu, José Américo de Almeida e Renato Ribeiro Coutinho andamos de paletó branco em João Pessoa. Com uma ressalva: Renato é só industrial, e eu e José Américo somos intelectuais.

Só que Caixa D’água não foi o único fenômeno da renovação da poesia a falar da mãe. De lascar mesmo foi o poeta Erinaldo F. de Melo, que escancaradamente botou a mãe no meio e quase botou no meio da mãe. Seu poema “A periquita de mamãe” é um clássico do poema-libido incestuoso. Vejam se não é o fim do mundo:

Bela, bela,
Mais bela que Diadorim
Em plumas descoloridas
Arrepia a lasca da passarinha
Entrância de pêlos, finura de fibras
A periquita concha conchita de mamãe
De jasmins, angélicas, crisântemos
Extasia!

Luiz Silva Filho escreveu um livreto por nome “Poemas crucificados”, onde se afirma negro, poeta, teatrólogo, autodidata, filho de camponês e nascido em Alagoa Nova. Nosso poeta escreveu:

Se eu escrevesse rimando
Eu seria um bom poeta
Mas como estou caminhando
Tento ser a coisa certa.

Os velhos nossos avós
Felizes e brincalhões
O que havia de melhor
Nossas mães valem milhões.

Nem só de mãe, entretanto, vive a poesia sem valor. Lenival Nunes de Andrade agradece à sua professora Irene Gomes, que lhe deu a ideia de escrever:

Eu tive amores com facilidade
Mas eu perdi na mesma velocidade
Me bate uma saudade
Por onde ando na cidade

Já não tenho mais idade
Mais tenho capacidade
Perdi minha mocidade
Implicando nessa vaidade

Pagarei minha anuidade
Ó Deus de bondade
Me faça essa caridade
A minha nacionalidade
Tenho necessidade
Senhor tende piedade
Pois tive amores com facilidade
Mas os perdi na mesma velocidade.

É muito bom um amor
Quando se é correspondido
Se você não é comprometido
Quanto é bom um amor.
Senhor, tende piedade!

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