sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A arte de tirar leite de pedra


O menino Douglas Moreno, Jacinto Moreno e Fábio Mozart fazendo teatro de rua em Juripiranga (PB)

Um cara franzino, de fala mansa, origens humildes, autodidata que aprendeu a gostar de cinema participando como figurante ou ator coadjuvante em algumas produções paraibanas. Antes fazia teatro, mas de uns tempos para cá meteu a cara, desandou a fazer filmes de curta metragem com uma câmera tecnicamente deficitária.

O nome da fera é Jacinto Moreno, que na vida civil é vigilante na Prefeitura de Santa Rita, na grande João Pessoa. Ele realiza filmes de concepção simples, mas que mostram, na sua singeleza, como um permanente desafio pode dar sentido à vida de um homem. Sua atriz perpétua é Adriana Felizardo, ela que trabalha pelo velho e bom sistema do 0800, ou seja, de graça. Jacinto completa a trupe com seus próprios filhos ou vizinhos, às vezes uma pessoa qualquer que esteja passando no momento da filmagem, aceitando o convite já passa a fazer parte do elenco.

Jacinto realizou o curta “Táxi”, com apoio e participação do ator Fernando Mercês. Custo da obra: 90 reais pelo aluguel do táxi. Liberto de amarras ideológicas, Moreno também não se importa com traquejos modernosos na arte de fazer filme. Tem uma história que ele cria ou adapta, escreve breves falas, e o roteiro está pronto. Depois mostra o filme aos amigos e manda para todo festival de cinema, até no estrangeiro. Tem fé de, um dia, ganhar um prêmio qualquer. Acredita no valor de seu trabalho.

Nosso cineasta tem curso de contabilidade e uma extrema simplicidade de vida. Trajes simples, barba por fazer, ele perambula pelos gabinetes de produtores e instituições para divulgar seus filmes. São obras mal acabadas, de um amadorismo comovente. Nada disto diminui o valor simbólico do trabalho de Jacinto Moreno. É pedagógico lembrar que um cara que faz uma arte tão dispendiosa sem gastar um tostão tem alguma coisa de fantástico e fascinante.

Uma anedota: assistindo ao filme “O Anjo e a Serpente”, fiz ver ao amigo Jacinto que uma tomada de cena estava no mínimo equivocada, porque ele filmou o diálogo entre duas personagens tendo em primeiro plano uma mula. Praticamente não se via as personagens, encobertas pelo animal que pastava tranquilamente. Reação do diretor:

--- Se fosse um filme de Glauber Rocha, você achava genial. Como é meu, já vem botando defeito!

Depois ele explicou que viu um filme de Glauber, “o primeiro e o último, que não tinha saco pra ver aquelas fuleiragens”, onde o famoso diretor fazia uma cena em plano americano cortando as cabeças das personagens.

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