segunda-feira, 26 de outubro de 2009

CABEÇA DE MULHER NA PIA



A POESIA DE FÁBIO MOZART

Poeta e humanista confundem-se em um universo poético anacrônico? Nem tanto. Antes de tudo, Fábio Mozart é poeta num país em crise crônica, por isto uma poética adstringente e amarga. Mas o lirismo, o mais das vezes, desarma a selvageria da “dor de estar no mundo” com a exaltação sutil e bela dos sentimentos pessoais.

Esse universo diversificado e competente reativa formas clássicas com firmeza e delicados toques de linguagem, sem se filiar a qualquer proposta ou estilo. Poesia fácil de ser compreendida, ainda assim, o trabalho de Fábio Mozart não se enquadra no simplismo sem essência. O mais das vezes a sua poética quer “perceber” a parte interior e profunda das coisas, como no poema CABEÇA DE MULHER NA PIA. Segundo a reflexão de Heidegger, na sua “Introdução à Metafísica”, no “poetar" do poeta, como no pensar do filósofo, de tal sorte se instaura um mundo, que qualquer coisa, seja uma árvore, uma montanha, uma casa, perde toda a vulgaridade”.

Maciel Caju
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CABEÇA DE MULHER NA PIA

Fábio Mozart

Natureza morta, urbana, de aparência tal
que a história natural das coisas faz sombria,
debulho terno a ti, cabeça úmida e fria,
e entrego aos teus cuidados o canto invernal

Que o mal em si não é mal, é a forma que escolhemos
para escorrer as dores em lenta sangria.
Estranho a tudo, em meio a esta fotografia,
percebo, morna e calma, a vida que não temos.

E enfim será por certo a pátria tão sonhada
de quem vislumbra em ti mistério e fantasia.
Delírio vergastando o rosto, e essa elegia
com amargo gosto e sonho a ti vai dedicada.

Se alguém te viu assim e cuidou que sentia
o horror da carne em violenta vertigem,
imobilizas, pois, tão reticente e virgem,
e apanhas em "close" essa visão vazia.

Numa tristonha manhã de setembro, em meio
a indistintos sons de coisas que estão mortas,
e abre na pele a textura dessas portas
que, investindo, para inquietar-nos, veio.
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