Um dia Carlos Drumond de Andrade, numa carta pessoal, disse de certos bolinhos de polvilho que ele nunca comeria, que seu gosto ia ficar para sempre em sua boca, “com o gosto das coisas não vividas, mas imaginadas.” Foi a sensação que experimentei ao ler num só fôlego, como se diz, o livro de Edna Paiva, ITABAIANA DOS MEUS TEMPOS. Em 1970, eu tinha 15 anos e morava na Rua Meira de Vasconcelos, mais conhecida como Rua da Merda, onde anos depois fundei o único teatro que Itabaiana jamais conheceu, o Teatro Nautília Mendonça, junto com o amigo Marcos Veloso. Conheci muitas das figuras que desfilam pelo livro de Edna, elas como que tecendo um pouco da história social e política da terra de Sivuca. Para quem viveu aqueles tempos, a leitura das reminiscências de Edna é como uma viagem sem movimento por um momento em que o tempo ficou em suspenso.
O poeta russo Ievtchenko disse certa vez que o que interessa num artista não é sua vida, e sim sua obra. No caso de Edna, sua vida é sua obra; seu livro é um abecedário de como, onde e com quem sua vida aconteceu em Itabaiana, onde ela foi feliz, certamente. Sua nominata de personagens é um verdadeiro tesouro que nos ajuda a delinear um perfil, para uma compreensão mais aberta do que foi, principalmente, nossa high society dos tempos idos e vividos.
É um livro que todo itabaianense de minha geração terá prazer em devorar. E Edna nem precisou caprichar no estilo, porque, só citando os nomes dos nossos conterrâneos, ela deixa que Itabaiana nos fale, nos passe sua mensagem enquanto espaço, sons, movimento... Sua fala é sutil. Capaz de gerar sentidos, porque fala à nossa percepção, sensação e saudade até do que não se viveu.
A cidade é considerada pela Semiótica como lugar de manifestação do sensível. O livro de Edna funciona como uma chave para se “ler” a cidade, na apreensão codificadora do sensível. ITABAIANA DOS MEUS TEMPOS está insuflada de vida, essência de jogos entre o tempo preciso dos relógios e o tempo relativo da memória e do esquecimento. Invisível como um deus aos olhos dos mortais, o tempo concede aos memorialistas a graça de recriá-lo de acordo com o seu olhar sobre o seu mundo. Mestres ou amadores, os que escrevem sobre o passado comungam do momento mágico quando lançam seu olhar particularíssimo sobre o pretérito, detendo de certa forma a inexorável dissolução do universo.
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