terça-feira, 30 de junho de 2009

A paixão segundo Biu Penca Preta

Nos meus tempos de teatrista amador, nunca gostei de encenar a paixão de Cristo e teatro infantil. O primeiro porque lembro do ridículo das encenações nos circos mambembes de minha época em Timbaúba e Itabaiana. Paixão de Cristo, para mim, tem que ser uma super produção. Na versão amadora, vira inevitavelmente comédia. E teatro infantil sempre achei chato. Um bando de marmanjos com cara de imbecis, querendo que a platéia seja um magote de pequenos débeis mentais. Criança é inteligente mais do que se imagina, e texto infantil de qualidade é coisa rara.

Tentei dirigir duas versões da paixão, uma em Itabaiana e outra experiência frustrante em Mari. Na velha Itabaiana, final dos anos 70, escrevi um roteiro chamado “Auto da Paixão” para ser encenado na rua, durante a Via Crucis, no tablado de um velho caminhão. Para começar, perdemos o apoio da própria Igreja, porque o padre achou um sacrilégio o costume dos atores enfiarem piolas de cigarro nas bocas dos santos da Igreja Matriz, onde começamos os ensaios.

Os atores não colaboravam. Um tal Enoque, sujeito meio burro que fazia o papel de Judas, sempre beijava o homem errado na cena do beijo traiçoeiro. Além de problemas ligados ao consumo de álcool e outras substâncias químicas por parte do elenco, a encenação funcionou mal por causa de Biu Penca Preta, escalado para ser um soldado romano. Incorporado no personagem, Biu baixou a lenha com gosto no lombo de Jesus, que vinha a ser o vigilante Rossi. Esse mártir levou tantas chibatadas que não aguentou:

--- Biu, bate devagar que ta doendo!

E Biu, sem querer acordo:

--- Comigo é pra se lascar!

Depois fomos apresentar o “drama” no palco do Cine Ideal. Na penúltima cena, da crucificação, fecham-se as cortinas para se arrumar a cena seguinte. Jesus crucificado implorou por um trago de cigarro que lhe foi posto na boca. O cigarro ateou fogo na barba postiça. Quando abriram as cortinas, a platéia não entendeu a cena insólita de soldados e apóstolos tentando apagar o incêndio na barba do suplicante com a água da bacia de Pilatos. Sem falar no pano que cobria as “partes pudendas” do crucificado ameaçando cair a qualquer instante, com Nossa Senhora tendo que segurar as ceroulas do Homem o tempo todo.

Em Mari, a encenação também foi na rua. O espetáculo muito organizado, mas teve uma cena que nos fugiu ao controle por causa do jumentinho que trazia Jesus, incorporado pelo meu amigo professor Marsílvio. De repente, o burrinho cismou com a multidão e saiu em marcha de perseguir fêmea no cio, dispersando os espectadores e mudando os rumos da História sagrada, já que Jesus foi derrubado do seu lombo, causando grande atribulação para a troupe e gargalhada geral na platéia.

Após muitos afagos e mimos de capim, o jumento voltou ao seu papel na cena, mas nada correu como se planejou, porque a turma do “quanto pior melhor” ficou torcendo para que o burrinho saísse de novo em disparada e Jesus, pálido em cima do pouco devoto animal, rezando para não ser novamente desfeitado. Por essas e outras deixei de levar a paixão de Cristo com grupos amadores.

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