Desconfio que a interlocução de diversas vozes que estão interferindo, de formas diversas, no processo de averiguação dos fatos relacionados com Leonilla Almeida, terminará na produção final de um livro, como pede nosso ilustre Maciel Caju, um dos que acham que o tema merece ser estudado com rigor em sua amplitude histórica. Várias sugestões de redirecionamentos da pesquisa de Arlen Cezar Tavares de Oliveira já apareceram, ele que é sobrinho-neto da heroína de Campo Grande (Itabaiana-PB), essa mulher de imensa coragem pessoal e firmes convicções ideológicas que esteve presa na Ilha Grande, juntamente com Graciliano Ramos e Olga Benário Prestes.
Assinalo neste artigo a última correspondência que recebi de Arlen Cezar que, com sua curiosidade intelectual e o desejo de desvendar as origens de sua família, traz a lume novas e oportunas informações. Fala, sobretudo, da existência de um filho de Leonilla Almeida, que viveria na cidade de Caxias, por nome Epiphanio, o qual foi nascido na prisão da Ilha Grande. Outra informação diz respeito à fuga de Leonilla de Campo Grande, na década de 20, com a ajuda de sua irmã Amélia, que vem a ser avó do nosso estimado amigo Fred Borges, colunista social do TRIBUNA DO VALE. Quando seu pai Antonio Félix Cardoso estava prestes a morrer, em 1942, Leonilla voltou a Campo Grande para pedir perdão, negado pelo patriarca que nunca entenderia os diferentes caminhos e o estilo de vida, bem como a visão de mundo daquela mulher avançada para sua época.
Arlen destaca também as citações do grande Graciliano Ramos com referência a Leonilla Almeida e seu esposo, na obra “Memórias do Cárcere”. É assim que, na página 127 deste livro, Graciliano descreve nossa Leonilla: “A certeza de que estavam ali os revoltosos de Natal acirrou-me a curiosidade, embora não me arriscasse a pedir informações ao desconhecido cauteloso. Duas mulheres achegaram-se, uma branca, nova, bonita, uma pequena cafuza de olhos espertos. Fiquei sabendo que a primeira se chamava Leonilla e era casada com Epifânio Guilhermino”.
Quanto ao esposo de Leonilla, o escritor alagoano assim o expõe: “Epifânio Guilhermino, terrivelmente sério, falava baixo e rápido, sublinhando com movimentos de cabeça afirmações categóricas, sem pestanejar. Ferido em combate, ficara meses entre a vida e a morte; uma bala o atravessara, deixando-lhe duas cicatrizes medonhas, uma na barriga, outra nas costas. Livrara-se por isso do espancamento. E restabelecido, até gordo, ali se achava, em companhia da mulher, apanhada a mexer num fuzil-metralhadora”. Trata-se de um olhar específico de uma pessoa que se destacou no mundo literário brasileiro como dono de um estilo seco e direto. Graciliano diria, em carta à irmã Marília Ramos: “Só conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida. Arte é sangue, é carne. Além disso não há nada. As nossas personagens são pedaços de nós mesmos, só podemos expor o que somos”.
Outros olhares podem ver como eram tratados os homens e mulheres partidários de renovações políticas e sociais, que ousavam desafiar o sistema. A tortura era lugar comum. Na obra de Graciliano identificamos a coragem de heróis do porte de Epifânio e Leonilla, que deixaram sua marca no trabalho literário do escritor alagoano, cujo enfoque está direcionado para a natureza humana dos que conviveram com ele na Ilha Grande, durante o terror do Estado Novo de Getúlio Vargas.
Em outro trecho de “Memórias do Cárcere”, o escritor menciona a “Sala 4”, local de prisão de Leonilla e outra figura feminina notável, Olga Benário Prestes, mulher do comandante revolucionário Luiz Carlos Prestes, entre outras como Eneida, Elisa Berger, Cármen Ghioldi, Maria Werneck, Maria Joana e Rosa Meireles, descritas assim por Graciliano: “Leonilla e Maria Joana foram recolhidas à sala 4. Do terraço, no banho de sol, vi-as lá embaixo, num pátio, em companhia das outras mulheres. Eram dez ou doze, formavam círculo e faziam exercício atirando uma à outra, a desenferrujar os braços, uma bola de borracha”. Assim segue o mestre de Alagoas, contando os detalhes daquela experiência traumatizante nos porões da ditadura, que reuniu elementos tão díspares no aspecto social, e tão parecidos no compromisso moral e político de sofrer as dores do mundo.
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