O filósofo pernambucano Pessoa de Morais afirma que “o brasileiro tem uma tendência para construir mitos, para a exaltação de certas pessoas”, inclinação explicada historicamente pela assimilação do caráter da cultura muçulmana deixada na Península Ibérica, de onde vieram nossos colonizadores. Na verdade, a nossa própria realidade tacanha e sem grandeza nos leva a buscar no passado nomes extraordinários por seus feitos nas artes, na política ou em qualquer área, que nos orgulhe, que nos ofereça dignidade pessoal em meio às insignificâncias do nosso dia-a-dia medíocre. Esses valores culturais, a necessidade de preservar o que temos de excelente, tudo isso é o que impele aos que fazem a Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba à exaltação do nome do poeta Zé da Luz, agora que comemoramos o centenário do seu nascimento.
Descendo às raízes mais recônditas de nossa cultura e história, para examinarmos em profundidade os condicionamentos históricos e sociais, teremos muitas surpresas, que, de certa forma, nos fazem elevar nosso conceito sobre nós próprios, ao vincularmos o hoje e o ontem, entre a História como depositária da tradição, e a sua seqüência inevitável no tempo. Se tivemos gênios literários da estirpe de Zé da Luz, certamente esses valores ainda sobrevivem em nossa geração, em algum lugar. Se tivemos homens dignos como o prefeito Alceu Almeida, procurando, encontraremos pessoas com autoridade moral e honestidade própria de estadistas.
No passado, Itabaiana foi berço de heróis, de revolucionários. Eu encontro alguma coisa de dramática paixão em descortinar véus, numa ânsia de descobrir fatos, valores, idéias ou acontecimentos do passado, num certo afã de quebrar as amarras de nossa tendência em termos em menos conta ou em pouco apreço tudo o que se refere a nós próprios. O retorno às origens, não como um saudosismo estéril, mas como afirmação de nosso caráter enquanto povo.
Tudo isso para informar sobre carta que recebi de Arlen Cezar Tavares de Oliveira, itabaianense residente em Juiz de Fora, Minas Gerais, que esteve recentemente em Itabaiana, leu o TRIBUNA DO VALE e nos confiou o resultado de pesquisa genealógica, feita para traçar perfis dos seus antepassados oriundos do distrito de Campo Grande, em Itabaiana. Arlen diz que naquele recanto itabaianense viveu uma “jovem sonhadora” chamada Leonilla Félix de Almeida, filha do seu bisavô, Antonio Félix Cardoso. Leonilla apaixonou-se por um “homem de cor”, e por isso foi desprezada pela família, em um tempo preconceituoso e discriminatório, já que recém saíamos do regime escravocrata. Abandonada pela família, Leonilla viajou ao sabor da aventura, indo encontrar seu destino na cidade de Natal, onde impregnou-se pelas convicções comunistas, dizem que por influência do marido, um idealista. Quando estourou a “intentona comunista”, Leonilla foi presa com um fuzil na mão, encarnando o ideal libertário de um movimento social combativo, sufocado pela fúria da contra-revolução.
Nessa “leva”, foi também preso o escritor alagoano Graciliano Ramos, viajando de navio com Leonilla e seu esposo para a prisão no Rio de Janeiro, permanecendo encarcerados por dois anos na Ilha Grande. Na cadeia, Graciliano Ramos escreveu o livro “Memórias do Cárcere”, onde faz menção dela e seu marido por quatro vezes, durante o relato de seu suplício na prisão. Leonilla esteve presa na mesma cela com Olga Benário, a mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes, personagem de recente filme baseado na obra de Fernando Morais.
Leonilla é da família Félix Cardoso de Almeida, de Campo Grande. Arlen deseja que Itabaiana resgate a história dessa heroína do povo, preservando a nossa memória. “Leonilla saiu de Campo Grande para se tornar um personagem da literatura universal, com sua luta plena de entusiasmo pelos melhores ideais de justiça e igualdade”. É para nós, portanto, verdadeiro paradigma de heroína. Sua memória merece continuar permanentemente viva, para orgulho dos seus conterrâneos, exaltando a “solidariedade que faz da dor de um a dor de todos, e da alegria de todos a alegria de cada um”, como disse Antonio Mariz, outro herói no panteão dos homens e mulheres de boa vontade.
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