terça-feira, 16 de junho de 2009

AO MESTRE COM CARINHO

O incomparável Graciliano Ramos costumava dizer que ninguém nasce com adjetivos. Eles nos são aplicados quando crescemos, por amigos e por inimigos, muitas das vezes sem um juízo de valor.

Eu particularmente sou avesso a essas colocações, em relação à determinada pessoa, porque em certas situações torna-se até piegas e desajeitado. Deixo de lado as divagações e volto ao começo.

Quando garoto, no desabrochar da adolescência, em meados da década de setenta, fui trabalhar na Delegacia de Serviço Militar de Itabaiana. Uma das primeiras pessoas que lá encontrei foi ARNAUD COSTA, também funcionário daquele órgão. O caráter de um homem é muito subjetivo alguém definir. Mas, em contraposição aos brutamontes oficiais do Exército que comandaram aquela unidade, lá estava ARNAUD, distribuindo bondade e muita paciência aos civis que ali trabalhavam, desacostumados com os excessivos rigores da vida militar.

Vendo-o acessível, desenrolado e inteligente, acompanhei-o em outras atividades que ele exercia, dentre elas a jurídica, mais precisamente na área penal.. Generoso como ele, prestou relevantes serviços á sociedade itabaianense, principalmente no tribunal do júri, onde defendeu inúmeros réus,em sua maiorias pessoas desprovidas de recursos para cobrir as despesas no curso do processo.

Orador versátil, empolgava nas sessões do tribunal do júri, sob os olhares das multidões que invadiam os auditórios para assistir os debates orais com os representantes do Ministério Público e assistentes de acusação. Equipara-se a outros artistas da arte retórica e eloqüente das lides forenses paraibanas, tais como Osmar de Aquino, Joacil de Brito Pereira, Raimundo Asfora, Pedro Gondim e tantos outros.

Os juristas não cansam de afirmar que a grande arma do advogado é a palavra – falada ou escrita. ARNAUD não se destacou somente na arte da retórica. Sua verve no campo da escrita sempre foi inconfundível, com um poder de persuasão perante as autoridades judiciárias. Sua prosa sempre foi pautada na coerência, e quando necessário perlustrava entre o popular e o erudito - de Zé da Luz a Brecht.

Apesar da sua vasta cultura – autodidata -, diga-se de passagem, ele não possuía nenhuma graduação, mas mesmo assim empolgava juízes, promotores, defensores públicos, advogados militantes e serventuários da justiça, pela maestria com que abraçava as causas criminais, em sua maioria, coroadas de êxito.

Alguns, principalmente aqueles mal resolvidos na profissão de advogados, verdadeiros chicaneiros, chamavam-no de rábula, mas de uma forma rancorosa e preconceituosa. Assim se expressavam porque ele incomodava. Outros profissionais, como os Cabos, Sargentos e leigos, que atuavam como Delegados de Polícia, não sofriam qualquer patrulhamento. Os rábulas, verdadeiros heróis do seu tempo, mereceram uma homenagem do grande Ronaldo Cunha Lima, nos seguintes versos:

Sem anéis de titulados
mas na vida acostumados
aos seus enredos e fábulas,
muitos devem a liberdade
a esses doutos da verdade
os meus amigos, os rábulas.

Acompanhei bem de perto o trabalho advocatício de ARNAUD COSTA, em algumas cidades, onde o meu pai foi Delegado de Polícia. Daqueles tempos é que me despertou, como também em outros profissionais, o interesse pelo direito, especialmente a área criminal, onde atuo até hoje. Vi-o na militância, sem rodeios. Tanto fazia atender um cliente num palacete, como em um casebre, lá nos cafundós da Paraíba, em que a mobília se restringia a dois tamboretes e uma esteira. Eu, na condição de Escrivão “ad hoc”, com uma máquina de escrever nas costas, tinha que me virar para que os depoimentos saíssem a contento.

Na acepção da palavra, o advogado criminal atual perdeu um pouco esse contato com a realidade. Principalmente porque, se é incontestável que o universo criminal tem na sua origem apurar o fato delituoso e a sua autoria, também é verdadeiro que o profissional da área penal deve acompanhar a transformação de um boletim de ocorrência em inquérito, o inquérito em denúncia ou pronúncia, estas em processo, os processos em decisões condenatórias, as decisões condenatórias em internações compulsórias nos estabelecimentos prisionais, estes por sua vez abrigam profissionais da medicina, psicologia, serviço social e outros. Logo, impossível qualificar o trabalho desenvolvido por ARNAUD COSTA, de forma limitada e preconceituosa. Porque a sua atividade sempre exigiu uma gama de outros conhecimentos, senão jamais teria entrado numa sala de audiência, lado a lado com os operadores do direito. A atividade por ele exercida foi sempre mais além – é o que os pedagogos chamam de interdisciplinariedade. A soma de tudo isso faz com que eu o trate não como um simples rábula, mas sobretudo, um conhecedor de gente, dos seus problemas sociais e de como resolvê-los.


JOACIR AVELINO SILVA
Delegado de Polícia Federal
no Estado de Alagoas. Email:joacirpb@uol.com.br

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