quinta-feira, 16 de julho de 2009

Flatulências poéticas

Um cara por nome Luiz Berto, de Limoeiro, está escrevendo o livro “100 Obras-Primas da Poesia Ruim”. Ele não conhece certamente, mas deveria sorver a obra do “poeta” João Teotônio de Souza, de João Pessoa, na Paraíba. O escritor inglês Oscar Wilde disse que “toda poesia ruim brota de sentimentos genuínos”. Já o grande poeta lírico Mário Quintana afirmava: “Eu acho que todos deveriam fazer versos. Ainda que saiam maus. É preferível para a alma humana fazer maus versos a não fazer nenhum. O exercício da arte poética é sempre um esforço de auto-superação. Qualquer poema é uma aventura, boa ou má”.

A poesia é amiga do ócio, de todas as formas de preguiça, do trabalho por esporte e do meio-expediente. Certamente por não ter o que fazer, o senhor João Teotônio de Souza juntou tantos versinhos babacas que deu para publicar quatro alentados volumes com cerca de 400 páginas cada. As obras atendem pelos singelos nomes de “Inspirância Poética”, “Borbulhar Poético”, “Evaporância Poética” e “Fluência Poética”. Aguarda-se o lançamento de “Flatulências Poéticas”.

Algumas estrofes dessas obras:

O amor
Nós que amamos
Temos que respeitá-lo,
Por que é a fonte que temos
Para fazermos brotá-lo.

Canário
O canário é cantador
Nas árvores do Sertão,
Empolga todo trabalhador
Que cultivam aquela plantação.

A mulher
A mulher é o animal escondedor
Dos anos que podem levá-la a velhice,
É sigilosa igual a um vampiro enganador
Assegurando o homem através da tolice.

Sonhei contigo
Sonhei contigo mulher amada
A noite sem contentar
Porque tua ausência amarga
Eu não posso suportar.

Sou leitor de poesia, cometo algumas também ruins que eu classifico como sofríveis, leio e escrevo na língua inglesa, sabendo pedir cigarro, perguntar as horas, dar muito obrigado e dizer até logo, portanto sou um “intelectual” que pode criticar as jeguices alheias. Mas não vem ao caso aqui a falta total de qualidade dos versinhos do senhor João Teotônio de Souza. O que chama a atenção é a editora que trouxe ao mundo essa produção. Trata-se da Editora A União, pertencente ao Governo do Estado da Paraíba. Porque eu não serei contra jamais o sujeito tirar do próprio bolso a grana para mandar publicar versos infames e distribuir com os amigos. Essa jeguice eu próprio já cometi, porque é bom para o ego. Mas utilizar uma editora do governo, portanto dinheiro público, para publicar obras sem qualquer valor literário, como se chama? Essa falta absoluta de critérios da editora A União nos leva a crer em compadrio, amizade, aquela velha mania do brasileiro de cumprimentar com o chapéu alheio, no caso o nosso surrado chapéu das verbas públicas.

O meu confrade Roberto Palhano mete sua colher na conversa para assegurar que é melhor escrever poesia ruim do que fuleragens nefastas que escandalizam a sociedade, feito uns poemas perigosos que foram proibidos pela Secretaria de Educação de São Paulo. Poeta ruim nunca será uma ameaça à República e aos bons costumes, haja vista os singelos e infantis versinhos do senhor João Teotônio de Souza.

Erotismo, incitação à violência e pornografia são algumas das justificativas que o governo paulista deu para o recolhimento dos livros que continham um poema de Joca Reiners Terron. Se os maiores motivos são esses, deveriam recolher 98% da literatura ocidental dos últimos séculos, começando pela Bíblia, com aquele amontoado de traições, infidelidades, estupros, fratricídios, entre outros maus exemplos para a juventude.

Leia o poema proibido:

Manual de auto-ajuda para supervilões

Ao nascer, aproveite seu próprio umbigo e estrangule toda a equipe médica.
É melhor não deixar testemunhas.
Não vá se entusiasmar e matar sua mãe.
Até mesmo supervilões precisam ter mães.
Se recuse a mamar no peito. Isso amolece qualquer um.
Não tenha pai. Um supervilão nunca tem pai.
Afogue repetidas vezes seu patinho de borracha na banheira,
assim sua técnica evoluirá.
Não se preocupe. Patos abundam por aí.
Escolha bem seu nome. Maurício, por exemplo.
Ou Malcolm.
Evite desde o início os bem intencionados. Eles são super-chatos.
Deixe os idiotas uivarem. Eles sempre uivam, mesmo quando não
podem mais abrir a boca.
Odeie. Assim, por esporte.
E torça por time nenhum.
Aprenda a cantar samba, rap e jogar dama. Pode ser muito útil na cadeia.
Principalmente brincar de dama.
Ginga e lábia, com ardor. Estômago em lugar de coração,
pedra no rim em vez de alma.
Tome drogas. É sempre aconselhável ver o panorama do alto.
Fale cuspindo. Super-heróis odeiam isso.
Pactos existem para serem quebrados. Mesmo que sejam com o diabo.
Nunca ame ninguém. Estupre.
Execre o amável. Zele pelo abominável.
Seja um pouco efeminado.
Isto sempre funciona com estilistas.

Joca Reiners Terron[ in, "Poesia do Dia - Poetas de Hoje para Leitores de Agora", org. Leandro Sarmatz, Ática, SP, 2008

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