terça-feira, 13 de março de 2012

Pedalando na contramão

O velho Fábio Mozart em sua magricela a caminho do roçado

Venho de uma cidade plana onde quase todo mundo se desloca de bicicleta. Pedalam nas ruas de minha cidadezinha o padre, o trabalhador, o juiz, o delegado, o soldado, o bebinho e a piranha. Lá, eu bebia no bar de Nelson, esquecia a minha bicicleta na calçada, no outro dia encontrava a magrela no mesmo lugar. Hoje, parece que a cidade adotou costumes violentos. E tome morte de drogados, roubo de motos e bicicletas.

Aqui na capital da Parahyba do Norte, pareceu-me de início impossível transitar de bicicleta. Adquiri aos poucos minha capacidade de pedalar com segurança no trânsito pesado, e digo com certeza: bicicleta é um transporte que não oferece quase nenhum perigo. Isso para quem tem cuidado, não desrespeita regras simples de trânsito que é previsível, tem lógica, responde à física. Há uma parte psicológica, mas esta também é previsível. Todo acidente é causado por um erro, uma falha. Se não houver erro ou falhas, não haverá acidente. Parece bobagem essa afirmação, mas é a tal da lógica.

Como ciclista, observo três tipos de colegas na capital da Parahyba: o trabalhador que se desloca de bairros da periferia para seus locais de trampo, o ciclista esportista e o ciclista “exótico”. Este último é o cara que anda com sua bicicleta toda enfeitada de fitas, espelhos, buzinas, faroletes e o diabo a quatro, chamando a atenção. O trabalhador tem a cultura de andar na faixa dos automóveis, disputando espaço com nosso inimigo nº 1. Mesmo quando a Prefeitura oferece raras ciclovias, o ciclista trabalhador prefere andar na pista. É cultural.

Os atletas ciclistas geralmente andam em grupos, equipados e montados em bicicletas caríssimas. Ninguém que eu conheça, da classe média, vai ao trabalho de bicicleta, mesmo que a distância da casa ao local do serviço não chegue a cinco quilômetros. Aqui, quem não tem carro anda de ônibus coletivo ou a pé. Bicicleta parece que é sinônimo de status inferior, coisa de pobretão.

Na nossa sociedade composta por funcionários públicos, o carro é o símbolo maior da condição social de cada um, mesmo enganoso. Muito cabra dirigindo seu reluzente carrão importado não pode chamar a sua própria mulher de “meu bem” porque a financeira pode sequestrar. Essa exibição de falsa riqueza faz com que o sujeito morra sem experimentar pedalar uma bicicleta com seu poder libertador, a autonomia que proporciona e o relaxamento. Pedais são só prazer e saúde.

Sobre nossa cultura exibicionista, ouvi uma moça de Brasília, recentemente transferida para a capital da Parahyba, queixar-se de que foi preterida em contrato de compra de um apartamento porque não possui carro. O corretor imobiliário desconfiou de sua capacidade de saldar a dívida. Ela é uma ciclista por opção, como eu. Estranhos no ninho. É como eu digo: trânsito tem lógica e é previsível. Preconceito, não.


Um comentário:

  1. UM FILME ENGENHOSO ' O CARTEIRO E O POETA "!... ESSA SUA FOTO LEMBRA A FOTOGRAFIA CATIVANTE DO FILME " O CARTEIRO E O POETA "!... FELIZ DIA DA POESIA PARA VC FABIO MOZART. SOU SEU FÃ.

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