“Em que o poeta pode ser últil a tão distintas patentes?”, perguntava cordial Manoel Xudu ao nos ver chegar na barraca da beira da linha em Itabaiana. A gente mandava logo botar uma garrafa de jurubeba Leão do Norte ou outro vinho adocicado qualquer, predileção de Xudu. Era o começo da cantoria. Xudu e o parceiro desfiavam suas verves a noite inteira, até o sol lamber as mangas, bananas, laranjas, melancias e jacas da feira que começava na hora de acabar o baião de viola.
O homem era de ferro. Deitava a cabeça sobre os braços por uns trinta minutos, já acordava novinho em folha, apenas com a voz pastosa do cigarro e da birita. “Vamos comer aquela mão-de-vaca na casa de compadre Biu Rolinha?”. E lá iam eles, a dupla de violeiros, cuidar de animar mais uma festa, tradutores geniais dos prazeres da comida, da bebida, do amor, da religião, da fome, do jogo, do universo telúrico popular. O povo chamava baião de viola, samba de matuto, pé-de-parede.
Se vivo fosse, Manoel Xudu completaria 80 anos hoje, 15 de março, nascido que foi nesta data em São José do Pilar, hoje São José dos Ramos. Cantou com mais de cem, só perdeu para a jurubeba que o levou ao túmulo. Virou repentista imortal, o maior de todos depois de Pinto do Monteiro, nesta arte extraordinária que é a poesia do repente.
Deusdedit Ribeiro conta que Manoel Xudu foi cantar um pé-de-parede na casa do padre Matuzalém, também violeiro, onde produziu essa estrofe:
Eu acho muito engraçado
O padre Matuzalém
Quando distribui a hóstia
É pra dez, cinquenta ou cem
Mas bebe o vinho sozinho
Não dá um gole a ninguém!
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