quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O dia em que o Papa deu as costas ao povo de Itabaiana (2)


Faz 32 anos hoje que o tenente não matou Dom Helder Câmara

Hoje, vou ceder a palavra ao meu compadre e confrade Sanderli José da Silva, poeta e ator, personagem da luta de Alagamar:
“Daquela luta, colhi muitas lições, uma delas foi a opção pela não violência. Os trabalhadores sofriam todo tipo de ameaças, mas não revidavam. O comportamento dos trabalhadores era voltado para o bem comum. Havia um compartilhamento das ações, das tarefas, das responsabilidades, dos víveres. A conscientização política foi outra coisa que me chamou a atenção. A pertinácia do dever era acentuada.

Para se ter uma ideia, no dia 04 de janeiro de 1980, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itabaiana necessitava avisar aos trabalhadores de Alagamar que o Bispo D. Pelé iria, no dia seguinte, visitar a área. O acesso a Alagamar era controlado por policiais militares comandados pelo Tenente Dirson Clementino, de forma que o Sindicato orientou a mim e a Izidro que fôssemos para Alagamar pela fazenda Caldeirão, quer dizer, entraríamos por trás da comunidade, sem causar suspeita aos policiais. Pegamos o taxi de Zé de Tota e fomos até o pé da serra. De lá puxamos a pé. Biu Izidro, acostumado, subia a serra tranquilamente, enquanto que eu, não obstante meus 19 anos, cheguei cansado em Alagamar, no finalzinho da tarde. Reunimos imediatamente as lideranças e passamos o recado. Durante a noite, mensageiros percorreram toda a localidade, avisando sobre a visita de D. José Maria Pires e outros bispos.

No dia 05/01/1980, saímos (eu dormira na casa de Severino Izidro) todos, cantando o hino de Alagamar, composto por Severino Izidro, numa convergência para as imediações de Maria de Melo, onde o gado dos proprietários estava devorando a lavoura comunitária. Quando Dom José Maria Pires chegou, acompanhado de Dom Hélder Câmara, Dom Marcelo Carvalheira e outros, por volta das 8 horas, todas as famílias estavam ali representadas. Eu achei aquilo maravilhoso!

Dom Pelé reuniu os trabalhadores e disse: “Mostraremos que os trabalhadores unidos poderão retirar o gado de suas lavouras”. Em seguida, quebrou um galho de maniva, no que foi imitado pelos trabalhadores e pelos demais bispos. Começou a tanger, sem violência, o gado, para fora da roça. Toda essa ação era registrada por televisões e jornais da Paraíba e alguns outros do Brasil. Eu, que usava o teatro para politizar a sociedade, fiquei encantado com aquela forma concreta de conscientização e, leitor que era de Dom Hélder Câmara, embora agnóstico na época, quedei-me perto dele, observando aquele homem tão pequeno no tamanho, vestido de batina creme, e tão grande na personalidade. O Tenente Dirson acompanhava tudo a certa distância, mas quando D. Hélder Câmara chegou nas imediações da casa de Expedito, cuja residência já fora vitimada anteriormente por uma bomba de gás lacrimogêneo, o tenente falou: “D. Hélder, eu lhe respeito muito, mas o senhor não passa daqui. Se o senhor passar, eu atiro” E ordenou ao subordinado que preparasse a máquina emissora da bomba. Eu, que estava ao lado de D. Hélder, parei abruptamente e fiquei estarrecido, observando o bispo, o tenente e o soldado preparando o disparo... Ato contínuo, o Bispo D. Hélder olhou nos olhos do tenente e disse: “Filho, você é pequeno também! Eu vou passar!” E passou! Eu, embevecido com aquela cena, passei também é claro! E o tenente não atirou...

Depois da expulsão do gado, eu precisava voltar para Itabaiana e naturalmente não pretendia voltar a pé, embora não pudesse passar pelo cerco policial. Para resolver esse impasse, peguei carona no fusquinha de Dom José Maria Pires. A estrada vicinal era cheia de porteiras e eu pedi a Dom Hélder que ficasse no banco traseiro para eu ir abrindo as porteiras. Quando chegamos na rodovia estadual, em Salgado, eu falei: “Dom Hélder, agora o senhor pode passar para a frente, pois acabaram-se as porteiras.” E ele, gentilmente: “Pode ficar na frente, com Dom José, filho, pois eu sou sertanejo também.” Em Itabaiana, deixei-os na residência do meu amigo, Pe. Antonio Kemps e dirigi-me ao sindicato”. 

(Entrevista concedida à jornalista Lidiane Maria da Silva)

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