27 de janeiro é o dia do orador. Por esta razão, republico esta crônica constante do meu livro “A Voz de Itabaiana e outras vozes”.
João Dantas, o tribuno do povo
A Geração itabaianense da década de 50 certamente conheceu o mestre Daciano Alves de Lima no apogeu de suas atividades artísticas, culturais e políticas. Foi um homem que, com esse passado e categoria, bem merece dar nome a uma rua importante da velha terra de Zé da Luz. Esclarecendo que Daciano foi amigo e cunhado de Zé da Luz e, por seu intermédio, a obra do grande vate matuto ganhou o mundo. Abrindo ainda outro parêntese para anunciar, com orgulho, que Zé da Luz está entre os 100 maiores poetas brasileiros do Século XX, na opinião dos mais renomados intelectuais do país.
Mas voltemos à Itabaiana da era de 50 a 60, com um grupo de intelectuais, artistas e operários fundando a União dos Artistas e Operários de Itabaiana, sob o comando de Daciano, Neco Frizo e outros baluartes, entre eles um alfaiate de nome João Dantas que, semi-analfabeto, era um tribuno inflamado, para deleite e atratividade de tudo quanto era inauguração, comício, reunião e velório. Sua voz de tonalidade arrebatada encantava os conterrâneos e empolgava a juventude itabaianense, segundo testemunho do professor Odésio Amorim, na época, telegrafista da velha Estação Ferroviária. Toda essa elite intelectual e política reunia-se na União de Artistas e Operários, um clube beneficente que, de certo, teve influência dos ideais maçônicos, posto que, no frontispício de sua sede, estava lá a simbologia do esquadro e compasso a marcar, na simplicidade de uma agremiação operária, o sonho de fraternidade dos fundadores da União.
Destacando-se dos líderes pela oratória, surgia sempre o João Dantas; quando a multidão enxameava os ambientes festivos, nas reuniões alegres ou de desagravo, quando a massa acorria aos comícios do velho PSD, liderado por José Silveira, lá estava João Dantas que só falava devidamente paramentado de gravata. Orador consciente dos seus dotes e carisma, não dispensava a vestidura tradicional, a guarnição de todo tribuno, que era o paletó de linho e a indefectível gravata. Sem gravata, não havia discurso de João Dantas. Tanto que, convidado de última hora para “dar uma palavrinha”, o virtuoso da palavra recusava a honra, mas sem gravata não lançaria a luz da sua oratória.
O oficial dos arreios e selas que foi Daciano Alves de Lima juntava seus amigos em sua oficina da Rua da Gameleira, e era João Dantas quem dava o tom que agitava o marasmo da Itabaiana de então, nas lutas políticas lideradas pelo populismo de centro-esquerda de um político de origem conservadora, mas que foi, no restrito espaço da província, um estadista. Este era José Silveira, para cuja vida política o tribuno popular João Dantas dedicou o melhor do seu talento, a viveza de sua imaginação, o requinte do discurso mais profundo e fervoroso. E foi em plena passeata de campanha de José Silveira, na subida do Alto dos Currais, que o coração de João Dantas parou e sua alma subiu a outro status, sempre de gravata, enfileirando-se na galeria dos grandes tribunos populares nascidos em Itabaiana. Era uma lenda viva, um singular líder do povo que, na sua humildade, sempre foi fiel aos ideais de fraternidade e união de classes.
Seu ídolo político, José Silveira, mandou construir uma casinha que ofertou à viúva, um reconhecimento do generoso político ao seu seguidor mais fiel, ao orador que traduzia os sentimentos do povo e transvertia toda emoção da palavra nas grandes manifestações de massa de Itabaiana de outrora, no tempo em que ainda havia mais vida inteligente neste planeta às margens do Paraíba.
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