É a magia do rádio: o que não se vê se imagina. Só que, no meu canto de observação, fico espiando a postura, a expressão facial, o cenho cerrado, a mão fechada ou o sorriso maroto do interlocutor visível e escutado. É que estou sentado num banco de parque público, de olho nas pessoas que falam no celular. No correr de alguns minutos, dá para escutar muitas brigas, cobranças, mentiras, frases doidas, murmúrios amorosos e até confissões escabrosas. A criatura com o celular se descuida e não nota as pessoas em volta. Dana-se a conversar desabafando, mentindo, revelando sigilos.
Pego meu bloquinho e vou anotando:
“Alô! Deixa de merda e chama Mário aí!”
“Minha filha, eu posso explicar?”
“Maria Celestina, queres que eu morra? És uma ingrata!”
“Eu não conto prá ninguém, só prá tu: a velha tá saindo com o pastor gordinho, eu vi!
“Meu amigo, na hora da onça beber água, eu falhei!”, comenta o cidadão com cara de atormentado. “Caí no conto do pastor, que agora não tem mais conto do vigário”, diz o outro, dedurador do pastor gordinho.
Aparento estar ocupado mexendo no meu celular, mas com o ouvido ligado na conversa da madame que passa: “Pois eu tava querendo mesmo falar com esse filho da puta, ele não sabe com quem tá brincando. Eu não sou nenhuma desvalida não, tenho quem brigue por mim”.
Uma pausa que refresca: estava eu em uma reunião virtual com agentes de cultura do Estado da Paraíba ontem à noite, tramando a realização do encontro de pontos de cultura e colhi esta pérola de um companheiro: “Precisamos semcibilizar as altoridades. Corregindo: sencibilizar as alturidades”.
Voltando ao mau costume de ouvir conversa alheia: “Você sabe onde fica Nauru? É uma ilha perdida no oceano Pacífico, eles vendem a terra deles, fertilizada pelo cocô dos passarinhos, por preço superior ao que você tá pedindo pelo meu rico material. Pra você, meu produto vale menos do que merda!”.
A mocinha meio feiosinha: “Nossa! Ontem, Maurício chegou pra mim e disse: Eu te amo. Auhuahua... que cara mané e ultrapassado...”
Fiada, mole, prá boi dormir, pra matar o tempo aproveitando os créditos, oficial e oficiosa, tem conversa de todo tipo que vai e vem, na tarde caliente. “É verdade que passagem de ônibus no Recife é um real?”, pergunta o cara baixinho, com jeito de vendedor de retrato para necrotério, segurando uma pasta 007, mais surrada do que seus sapatos de lona e as calças claras, cinzentas de grude. “Relaxe e esqueça”, sugere a mulher magra, sem bunda. “Ando numa crise de honestidade, acho que vou devolver a bosta da chuteira”, diz o indivíduo negro vestido com a camisa do Barcelona.
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