Coração de naus lusobrasileiras
Adeildo Vieira
É
verdade que o mundo dá voltas. E no ano de 2006, numa dessas voltas, estava eu
em Portugal, mundo afora desbravando meu coração sem porto. O pretexto era
lançar o meu primeiro CD “Diário de Bordo”
em terras lusitanas. O destino era a casa do meu amigo goianense (de Goiana/PE)
Rosildo Oliveira, um compositor que adotou a Paraíba, mas que naquele momento se
aventurava, com toda família, em terras cabralinas para fincar a bandeira do
Brasil nos terreiros portugueses. Rosildo é negro alimentado pela força dos
caranguejos do Buraco da Gia, tradicional restaurante de sua cidade natal. E
quem sorve as proteínas do mangue tem fome de mundo.
Nas
malas, além do óbvio, eu levava CDs de artistas paraibanos, meu violão, um
quilo de carne de sol, outro de queijo de manteiga e saudades prévias de João
Pessoa grampeadas numa passagem de volta. No coração carregava uma bússola
quebrada, equipamento inevitável pros errantes que apostam no amanhã e
acreditam que o acaso é providência para os desbravadores. Chegando na pequena
cidade de Almeirim, onde morava o amigo, jantamos a Mata do Buraquinho com
carne de sol e bebemos o Rio Sanhauá no sabor de um bom vinho português. As iguarias
foram preparadas com sorriso e saudade pelas mãos de Vera, minha amiga querida,
esposa de Rosildo.
Logo
no dia seguinte, bem cedinho, já fomos para a Rádio Bonfim, onde Rosildo
apresentava o programa matutino “Manhã
Tropical” com incríveis quatro horas de duração. De microfone em punho, o
“Negão”, como ele mesmo se apresentava, abordava corações e mentes portugueses
com conversas extasiantes feito agricultor da Zona da Mata de Pernambuco que
chama vizinho pra almoçar. E dessa forma
se tornara até confidente de alguns ouvintes, como se fosse possível manter discrição
em conversa difundida pelas ondas do rádio.
Mas
a minha emoção maior foi ouvir timbres familiares dentro daquele programa. A
vinheta “Canta Paraíba” anunciava,
várias vezes numa mesma manhã, que mais uma voz de um intérprete paraibano
atravessava o Oceano Atlântico e se espalhava feito chuva sonora nos rincões da
região do Ribatejo, onde nasceu José Saramago. Aos poucos eu ouvia meus
companheiros paraibanos com direito a voz em rádios distantes, um direito fortemente
negado aqui em nossa terra mãe, com a honrosa exceção da querida Rádio
Tabajara.
E
assim, graças a meu amigo lusobrasileiro, por trinta dias vi uma emissora de
rádio portuguesa tocar mais música de paraibanos do que a grande maioria das
rádios paraibanas juntas. E nessa minha primeira manhã portuguesa, Dona Noélia,
amiga de Rosildo, ligou pra Rádio Bonfim e recitou por inteiro a letra de
“Amorério”, lendo o encarte de um CD que eu acabava de lhe presentear. A minha
canção mais querida ganhava naquele momento um sotaque que denunciava que
aquela viagem era um grande acerto em minhas errâncias. Aí eu chorei no ar.
Fazer o que, né?
Aproveito
pra apresentar a voz de Rosildo Oliveira através da canção “Oração dos
Matagais”, composição de Altay Veloso:
http://palcoprincipal.sapo.pt/rosildooliveira/musica/passaro_fugitivo/oracao_dos_matagais
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