sábado, 10 de setembro de 2011

Um ambientalista uiva para a lua no subúrbio distante



Cleiton não tem culpa de nada. É apenas um cumpridor de ordens.

--- Vamos acabar com essa festa que a rua é residencial e vocês não têm permissão para fazer barulho.

Cleiton é um imbecil que pensa que tem alguma autoridade. Não houve resistência. Todo mundo saiu do clubezinho de subúrbio, foi zonar por aí, outros foram para casa, meio fulos da vida. O dono da festa e responsável pela rádio comunitária ainda tentou argumentar que a festinha era para arrecadar dinheiro para pagar a multa que a Anatel aplicou na emissora da comunidade.

Cleiton não tem condições mentais de entender a importância daquela estação de rádio para o povo da localidade. Nem imagina como aquele projeto de rádio estimulava a rapaziada a ser alguém, a vencer a pobreza, a esquecer o apelo da droga e gostar de si. Cleiton, na sua imensa debilidade mental, nem desconfiava da transcendência daquele projeto de comunicação popular.

Com o boleto da multa da Anatel na mão, o rapaz da rádio ficou no meio da rua, pensando numa maneira de reagir. Quando o carro da Secretaria do Meio Ambiente dobrou a esquina, ele reuniu os amigos e desceu a rua convidando todo mundo a voltar para a festa, onde os músicos já encaixavam os instrumentos.

--- Vamos continuar a festa que eles já foram embora.

--- Para prevenir, fica alguém na torre da antena da rádio. Se eles voltarem, a gente dá o sinal – disse um dos rapazes.

Partiram para a ação. Enquanto dois cabras subiram na antena, para vigiar a Secretaria do Meio Ambiente na pessoa do famoso Cleiton, os demais botaram som na caixa e o forró voltou a soar na rua suburbana. Os frequentadores da festa surpreendem pela  persistência. Todos voltaram ao clube, menos um. Totinha deu a volta no quarteirão e foi encontrar Cleiton lanchando na barraca.

--- Eles estão fazendo o baile de novo – delatou.

Cleiton é um pusilânime que gosta de mostrar força diante do mais fraco. Parou uma patrulha da polícia que passava, falou com o sargento e seguiram para a rua da rádio comunitária. O sargento, da mais alta sabedoria bélica, já desceu da viatura gritando e mandando cercar o clubezinho, com sua pistola na mão. Uma roda de amigos conversava no fim da rua. No clube, apenas os músicos guardando os instrumentos e o menino da rádio com o papelote da multa na mão. Foram avisados pelos cabras da torre.

Cleiton, com a dignidade de quem exerce a plenitude do poder, trata mal o rapaz da rádio e ameaça:

--- Se voltar a fazer festa eu mando prender todo mundo, e o senhor é o primeiro!

O menino da rádio, apesar dos pesares, tinha alguma deferência ao Cleiton. Achava que a sua alma jamais seria corrompida por uma oferta de propina. Com seus impostos para o crescimento da nação, o empresário dono da rádio comercial que opera ilegalmente não demonstrava nenhum respeito com Cleiton, nem com a Semam e muito menos com a Anatel. Comprava todos no varejo e no atacado. Mas o garoto radialista sabia qual é o seu lugar. Como convém à sensatez das elites, é preciso que muitos cleitons sirvam de cão de guarda nos arrabaldes e cercanias miseráveis no meio da noite suburbana e sem som.

Nenhuma voz na rua. Os meninos se juntaram na sede da rádio para uma pequena vingança: passaram a noite telefonando para a Secretaria do Meio Ambiente, denunciando falsos casos de abusos com poluição sonora em bairros nobres. Apenas um desses telefonemas trotistas foi atendido por uma voz sonolenta. Não era o Cleiton.  

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