Itabaiana é uma cidade complicada, sem muito futuro na área cultural. Os nossos grandes ícones artísticos desistiram de tentar furar essa lógica perversa da politicalha estéril. Muitas das nossas estrelas, e são muitas mesmo, pensaram em contribuir para nosso progresso social e cultural, portanto moral e filosófico, até mesmo desenvolvimento espiritual através do campo artístico. Foram derrotados pela ignorância e alienação de um grupo que está sempre no poder. O último que tentou foi o pintor Otto Cavalcanti. Ele queria montar uma fundação com seu nome para incentivar o estudo das artes plásticas na cidade. Foi ignorado, até menosprezado pelos atuais ocupantes dos cargos públicos administrativos.
É voz corrente por aqui a mentira de que Sivuca não fez nada por sua terra. Até falava mal de Itabaiana por onde andava. Uma grossa inverdade. Sivuca jamais deu entrevista onde não rememorasse com carinho e afeição os tempos de sua mocidade na terra que o viu nascer. Foi o artista que mais divulgou Itabaiana para o mundo. Agora, o fato de que ele nunca trouxe fábrica para Itabaiana, é verdade. Mesmo porque Sivuca era músico, não industrial ou político. Abelardo Jurema, esse sim, poderia ter feito alguma coisa, no campo material, pela sua pátria itabaianense. Mas não fez quando estava no ápice das esferas de decisão.
Leiamos trecho de entrevista de Sivuca no site www.gafieiras.com.br
Tacioli - Sivuca, como é sua relação com Itabaiana? Você visita a cidade?
Sivuca - Volta e meia eu ia lá. Aliás, o afinador da minha sanfona era de Itabaiana. Era um senhor, tinha uns 60 anos, muito inteligente. Era ele quem fazia as geladeiras elétricas que chegavam lá, adaptava tudo pra querosene, consertava o harmônio da igreja, fazia tudo. Então, quando eu chegava na Rádio Clube, eu sempre deixava uma sanfona pra ele afinar. Ele dizia: “Olha, vamos fazer o seguinte: quando você chegar na Rádio Clube e tiver tocando, a nota que tiver mais ou menos desafinada, você tocando, você dá um jeito de tocar ela mais tempo, me mostrar porque eu estou ouvindo.” [ risos ] Que eu acho que foi o primeiro afinador por controle remoto que se tem notícia. [ risos ]
Almeida - E dava certo, Sivuca?
Almeida - E dava certo, Sivuca?
Sivuca - Ele pegava a minha sanfona, eu tocava a nota, ele experimentava, ia lá e consertava. E depois quando eu chegava em Itabaiana, “Ah, eu vi, você me deu a nota, já consertei”.
Tacioli - Itabaiana tinha outras grandes figuras, Sivuca? De quem mais você se lembra?
Sivuca – Tinha. Toda a cidade do interior tem um filósofo, um boêmio e um artesão. Lá, o filósofo era um senhor chamado Evaldo Bandeira. Ele conhecia a história dos grandes músicos todos, e me ensinou muita coisa a esse respeito, o Evaldo. E o boêmio era um cara que cantava imitando Vicente Celestino que eu me assustava toda vez quando ele mandava a primeira nota. Aquela voz de tenor lá do interior sem nenhuma disciplina. Era um negócio terrível! Mas era uma figura maravilhosa. [ risos ]
Tacioli - E o artesão?
Sivuca - O artesão era o afinador, Seu Zé Cabral, grande figura!
Seabra - Não havia o louco da cidade?
Sivuca – Havia dois. [ risos ] E os dois eram meus primos. [ risos ] Era uma tia, que ela endoidou infelizmente. Era uma pessoa inteligente, mas tinha um parafuso a menos. E um primo que enveredou pelo caminho do álcool e perdeu a cabeça também. Ele andava pela rua cantando. Virou um tipo popular, e pronto. Eram esses dois que eu conheci, afora os outros, né? Mas eu tenho muita saudade daquela Itabaiana que eu vivi. Eu fazia muita serenata com a sanfona. Fui estudar música na União de Artistas e Operários e o mestre da banda me deu uma requinta [n.e. Tipo de clarinete usado em bandas de coreto] pra eu estudar. Eu levei a requinta pra casa. Aprendi a primeira escala e decorei algumas músicas românticas pra fazer serenata pela rua. Ele soube que eu andava fazendo serenata com a requinta e a tomou. [ risos ] ”Na minha banda eu não quero nenhum boêmio. Você não vai tocar mais requinta aqui, não!”
Almeida - Você roubou alguma namorada dele?
Sivuca - Não, ele era um senhor já idoso. Mas duas semanas depois eu fui pra Recife. Aí começou tudo.
Tacioli - Sivuca, tem mais alguma história interessante que você lembra com carinho de Itabaiana?
Sivuca – Olha, a histórias mais interessante que eu me lembro é que a minha escola ficava do outro lado do rio. Eu tinha que atravessá-lo. No período de seca eu atravessava a pé. Quando o rio enchia, eu atravessava a nado, com a roupa da escola na cabeça e os livros também. Atravessava, trocava de roupa na casa de uma prima, ia pra escola, depois voltava, trocava de roupa, pegava um negócio chamado cavalete, que era um tipo de aparelho de surfar, mas feito canoa, me deitava e saía nadando. Atravessava o rio pra lá e pra cá pra estudar nessa escola. Era muito bom, muito interessante. E pronto, essa era uma dessas histórias. E os bailes que eu fazia, às vezes, com o meu irmão... Ele ia de bicicleta, botava a sanfona no bagageiro e eu ia no quadro da bicicleta. Chegávamos lá e fazíamos o baile. Ele tocava um pouco também. Depois pegávamos a bicicleta e voltávamos pra casa. São lembranças e pronto. Realmente eu vim me desenvolver como músico em Recife. Foram dez anos de aprendizado em Recife.
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