A quadrilha dos perigosos comunicadores populares: Luciano Joaquim, Ricardo Alves, Wagner Ribeiro, Edileide Xavier, Sueli Tereza. Maria Gonçalves e o chefão Fábio Mozart. (Foto: Zezinho do Evangelho) |
O sociólogo Michael Löwy definiu que “as fotografias têm uma carga utópica, um potencial subversivo”. Ele considera que quando as classes subalternas conseguem quebrar a opressão, os excluídos transformam-se em protagonistas de sua própria história. Löwy faz um registro dessas histórias de rebeldias numa coletânea de fotografias tiradas nesses momentos que, de alguma forma, mexeram com as estruturas que pareciam imunes a mudanças.
A foto acima está neste patamar. Essa era a equipe da Rádio Comunitária Araçá, de Mari, em 1999. Como a foto foi tirada no século passado, já é história. Vai para o conjunto dos documentos históricos da emissora, na galeria dos primeiros que abriram os caminhos difíceis, como todo pioneirismo, da comunicação radiofônica comunitária naquela cidade paraibana.
Na época, a rádio não tinha licença para operar. Vivíamos na espectativa de receber visita da Polícia Federal, como de fato nos fizeram a cortesia de invadir o estúdio, só não sequestrando os equipamentos porque dez minutos antes recebi telefonema da Rádio Comunitária Sapé avisando que eles estavam dando busca lá. De Sapé para Mari são apenas dez minutos de automóvel, mas deu tempo para tirar todos os equipamentos e esconder em sítio de um amigo. Quando os policiais chegaram, só encontraram fios pendentes e papéis no chão, entre eles um recibo de apoio cultural da rádio que levaram como prova do crime.
Apesar da ignorância e falta de respeito dos agentes governamentais, ninguém se intimidou. A rádio Araçá continuou viva, fortalecendo-se ainda mais e mantendo a comunicação livre e democrática, graças a esse povo que me acompanhava. Gente de coragem que tornou a Araçá uma referência da Paraíba na resistência contra o modelo de comunicação no Brasil. Dar voz ao povo era e é perigoso neste país tão desigual.
No nosso modelo de rádio comunitária, qualquer pessoa tinha seu espaço para expressar seu pensamento através de músicas, textos, falas, poesia, zumbidos, silêncio e o que aparecesse. Menos politicagem e picaretagem.
O grupo de jovens envolvidos no projeto da rádio comunitária carregava um sonho. Eu aprendi que, mais que fazer funcionar uma estação de rádio precária e sem quase nenhuma estrutura técnica, a aventura acenava com a conquista da liberdade. A rádio comunitária era, na verdade, o símbolo-síntese dos sonhos de se seguir a própria determinação, de superar a opressão e de se auto-afirmar. No cotidiano daquela moçada entraram os elementos da construção de uma verdadeira revolução. O avanço do projeto, apesar das enormes dificuldades, só foi possível por causa do compromisso e da cumplicidade dessa turma, desfazendo e superando tramas e armadilhas do sistema ao longo do proceso de instalação da rádio comunitária. Isso se chama ação transformadora. Valeu, minha gente!
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