Era o meu jeito. Não sabia
fazer amizades, sempre arisco. Com vinte anos, saí de minha cidadezinha para o
Norte do Brasil, atravessando o país a pé, de carona, caminhão, trem, ônibus,
navio. Vendia sapatos de couro cru e bolsas de agave. Um dos poucos amigos que
fiz na viagem, Napoleão, negro atarracado vindo do Maranhão para comprar uma
câmera fotográfica Polaroid na zona franca de Manaus. Sonhava ganhar a vida
difícil com a máquina de fotografia instantânea.
No porto de Santarém, Pará,
carregamos o porão de um navio gaiola com pesados fardos de peixe cru para
ganhar passagem de terceira classe para Manaus. No fim do dia, meu pescoço
parece que havia afundado, e o cheiro de peixe, um fedor de xexéu-do-mangue,
ficou entranhado na alma. Jurei que jamais comeria peixe. Napoleão não só comeu
um tambaqui assado como disse que voltaria a Santarém para visitar, desta vez
como turista, com a Polaroid a tiracolo.
Anos depois, voltei a comer
peixe. Napoleão deve ter retornado a Santarém. Eu, nunca mais...
Namorava com a mocinha e a irmã da mocinha. As duas de
rosto tranquilo, uma morena e outra loira, estudavam na mesma classe que eu. A
loira sabia do namoro duplo. Traía a irmã com a tranquilidade inocente e sem
culpa própria dos seus 16 anos.
Um dia, a morena nos pegou aos amassos. A macieza de
seda de sua pele ficou da cor do algodão, mais pálida do que de costume. Não
disse nada. Das brumas da memória, lembro que tentei discutir o assunto. “Não
vale a pela. Talvez um dia a gente se encontre de novo, mas agora não dá”,
disse a morena.
A loira, como era seu relativo direito, tentou se
apossar da parte que cabia à morena. Algum tempo depois, a morena se findava,
vítima de câncer no sangue. A loira continuou na escola, namorando os meninos e
esquecendo a irmã descorada e fraca. Eu, nunca mais...
A fome apertava comigo nas
ruas de Belém do Pará, em 1975. Sem vender as bolsas de agave, por um erro de
estratégia empresarial, não arrumava numerário para comer. Explico: pensava que
estaria trabalhando com um produto diferente, mas a região conhecia a juta,
mais barata e mais resistente do que o agave. Resultado: produto boiando e fome
apertando.
Foi quando encontrei a
praça/feira dos mochileiros. Deram-me sopa e cigarros. Uma bela mulata de
Pernambuco ensinou truques para sobreviver naquela cidade desconhecida. Contra
os meus hábitos, me socializei com todo mundo. Aprendi que viajar é evoluir. A mulata tornou-se basicamente uma mochileira
profissional. Eu, nunca mais...
No ano de 1988, fundei o Partido dos Trabalhadores na
cidade de Mari. Coube em sorte conhecer pessoas iluminadas, gente simples, mas
com um não sei quê de nobre e em alto grau de humanidade. Uma dessas pessoas
era dona Benedita Luiza, senhora de sessenta anos que dedicou sua vida a servir
aos mais necessitados. Morreu de câncer no seio.
Algumas dessas pessoas continuaram a fazer política,
umas tomando rumos partidários diversos, outras ingressando na luta dos
sem-terra. Depois da morte de dona Benedita, foi como uma senha para o partido
perder as qualidades primitivas de companheirismo, dedicação ao próximo e real
interesse em mudanças. Determinadas figuras ficaram na sigla por interesse
pessoal, outros, bem poucos, ainda com a fé comovente da velhinha de Taubaté. De
outros se diz que foram envolvidos em projetos político-partidários por ofício
e meio de vida. Eu, nunca mais...
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