Assis Lemos |
No romance “O Tempo e o Vento”, Érico Veríssimo criou o personagem Tio Bicho, um incrédulo quanto à bondade humana. “Não levo a sério essas panacéias sociais, tipo socialismo, comunismo e outros. Não creio na bondade inata do homem. Ele está mais perto do animal do que ele próprio imagina. Tem ainda a marca da jungle. Essa história de amor cristão, altruísmo etc., não passa de conversa fiada. O homem hipocritamente se atribui sentimentos e qualidades que na realidade não possui. É um carreirista safado no plano moral. Todos nós somos safados, e assim a comédia humana continua”, sentenciava Tio Bicho.
Na verdade, desde os primórdios da humanidade que o bicho homem é o mesmo: vilão e generoso, odiento e amoroso, bruto e afetuoso, traidor e fiel, corajoso e pusilânime, egoísta e abnegado, generoso e mesquinho. É assim a natureza humana. A ambição, a luta pelo poder e pela riqueza mudam de cenário, mas se repetem pela história da humanidade, com os que se notabilizam pela magnanimidade ou pela torpeza.
Na Paraíba temos os nossos heróis, os que se dedicaram a ajudar os outros com sacrifício da própria vida. Um deles chama-se Francisco de Assis Lemos de Souza, ele que foi um ativo participante das Ligas Camponesas no Estado, pagando preço muito elevado por estar ao lado dos trabalhadores do campo. Quando veio o golpe militar, ele perdeu o mandato de deputado estadual, teve seus direitos políticos cassados, saiu da Universidade onde era professor e foi preso na Ilha de Fernando de Noronha.
No livro “Nordeste, o Vietnã que não houve”, Assis Lemos conta o episódio de um atentado que sofreu em Itabaiana. Em 11 de setembro de 1962, ele e o líder camponês Pedro Fazendeiro foram para uma reunião com a diretoria da Liga Camponesa local, para escolher os servidores que iriam trabalhar no Posto Médico, como de fato foram indicados os médicos Everaldo Pimentel e Lindonor Pires, entre outros funcionários. Após a reunião, entrou no recinto um grupo de dez pessoas liderado por Manfredo Veloso Borges, armados de revólver, para matar o deputado. Ao tentar fugir, Assis Lemos foi atingido por “violenta joelhada nos órgãos genitais”. Era dia de feira. A vítima saiu pelo meio da multidão para procurar a Polícia. “Encontrei o delegado que seguiu comigo de volta à sede da Liga. Lá encontramos Pedro Fazendeiro caído no chão, ensanguentado. Os criminosos haviam desaparecido”, conta Assis Lemos no seu livro.
O atentado às lideranças camponesas repercutiu em todo o País. Devido à pancada, Assis Lemos teve que ser operado. No Hospital, recebeu a visita do Almirante Cândido Aragão, Comandante dos Fuzileiros Navais. “Perguntou que tipo de arma possuía para minha defesa, eu respondi, ‘nenhuma’, que andava desarmado, sem guarda-costas”. Recebeu um revólver Colt 45, com o devido porte de armas. Na noite de 31 de março de 1964, véspera da quartelada, Lemos fugiu para o Recife, entregando a arma ao então deputado José Maranhão.
Assis Lemos hoje vive em Londrina, no Paraná. Ficou conhecido pela sua coragem pessoal, capacidade de liderança e coerência ideológica. Pode-se discordar de suas idéias políticas, mas nunca de sua integridade moral e idealismo em favor dos injustiçados. Agrônomo, vivenciou de perto as condições sub-humanas em que viviam os camponeses paraibanos, e por eles decidiu lutar, pondo em risco a própria sobrevivência e a da família. Foi vítima das mais cruéis perseguições, como esse atentado em Itabaiana. Continua o mesmo homem, o mesmo militante pelas causas sociais.
(Do livro A VOZ DE ITABAIANA E OUTRAS VOZES)
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