As
pérolas nascem e crescem nas ostras. Para saber das pérolas é preciso saber do
coração das ostras. Mais sabedoria ainda é identificar o potencial de um grão
de areia, que no âmago da ostra se faz pérola. É com essa sabedoria que
precisamos olhar para alguém que ainda gesta os traços de uma expressão
artística e que sonha por um lugar ao sol, um foco de luz sobre si, um olhar
mais atento sem que as paredes do preconceito velem o pensamento e bloqueiem a
percepção de uma realidade crua e por muitas vezes fascinante.
É
muito fácil perceber as jóias incrustadas de pérolas que se atiram aos nossos
olhos nas vitrines de neon dos shoppings. Delas todos querem falar, querem
tocar e tê-las como adornos para o deleite de suas vaidades ostentadoras. Aí já
não há mais pérolas e sim um produto mercadológico que se apropriou da beleza e
raridade das belas pedras para a construção de um objeto capaz de satisfazer o
desejo de consumo. A poesia da pérola ficou lá na ostra. Na condição de jóia,
mais uma vez a pérola só será percebida como pérola por aqueles que sabem do
coração das ostras.
Faço
uso desta analogia para falar daqueles que só têm os olhos para o mercado e que
dele se fazem séquitos. No âmbito cultural, falo, sobretudo, das instâncias de
poder que tudo podem, inclusive identificar as belezas em seu nascedouro, mas
que, em via de regra, preferem valorizar o produto pronto pra consumo. E o
pior, muitas vezes jóias de pedra falsa.
Também
há mercado pra poesia, pras belezas inatas que abrem seu coração pra vida.
Então, por que fechar os olhos para uma possibilidade de mercado de um produto
que carrega o cheiro da terra? Por que se entregar aos ditames de uma cadeia
industrial que só reconhece o plástico descartável, as almas que se destinam exclusivamente
às prateleiras? Pois bem, chamo a responsabilidade das instituições de cultura
para cumprirem seu papel de trabalhar para a cultura e não apenas pra o
mercado, de direcionar focos de luz para a escuridão de quem vive à luz de
velas e não pra quem vive encandeado pelos holofotes da hipocrisia. Na verdade,
este é um convite para a democracia, para o respeito a todo e qualquer ser
humano que manifeste a sua arte. Não há
como negar o mercado, pois pra tudo há um espaço na prateleira, mas o que não
podemos é praticar ao pé da letra a cartilha do neoliberalismo, entregando ao
mercado o poder de gerir nossos destinos culturais.
Seguir
a lógica do mercado é se deixar levar por um juízo de valor onde só se valoriza
aquilo que aparece, só se reconhece o produto com o rótulo mais sedutor, que na
maioria das vezes exagera nas cores pra compensar a falta absoluta de conteúdo.
Em torno dessa estrutura surgem os pilares para a manutenção do próprio
mercado, sobretudo as empresas de comunicação e até mesmo os formadores de
opinião que, no pretexto de comentarem o universo artístico, se resumem a falar
do que já está pronto e sacramentado no mercado. As expressões emergentes são
vítimas de um silêncio ensurdecedor por parte dos críticos de arte, que também
não se pronunciam sobre o lixo cultural que tomam conta do mercado. Silenciam
para um, porque não acreditam em seu potencial e para o outro, porque não se
luta contra cachorro grande. Falta-lhes sensibilidade e coragem, dois atributos
indispensáveis pra quem quer fazer da vida uma aventura digna.
Posso
estar na contramão dessa lógica, mas acredito mesmo é no caçador de pérolas e
faço desta caça um assunto recorrente no meu cotidiano. Estou falando da nossa
cena cultural, sobretudo no campo da música, em cuja seara eu convivo. Esta coluna dará sua contribuição
para o fim do ostracismo, realidade crua dos nossos artistas.
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