Millôr Fernandes revisitado
Terça-feira, dia 27 de março, morreu o humorista, chargista, poeta e escritor Millôr Fernandes. De uma penada só, a morte nos deixa sem dois gênios do humor: Millôr e Chico. Quando soube da notícia, fui literalmente correndo na minha bike ao Sebo Cultural comprar todos os livros do Millôr. Em toda minha vida de leitor, só li apenas “Liberdade, Liberdade” e “Um elefante no caos”, textos teatrais e geniais do cara que eu admirava desde a época do jornal de humor carioca “O Pasquim”.
Chegando em casa, acomodado na minha rede velha, li em 20 minutos o livro “Hai-Kais”, de 120 páginas, com um micro-poema de três versos em cada página. No prefácio, Millôr Fernandes esclarece que esses poemas de origem japonesa são grafados no Brasil como Hai-Kai, mas na verdade deveria ser “Hai-Ku”. Filólogos nacionalistas tiraram o K, e ficou Hai-Cai por dois motivos: primeiro porque eles, os filólogos nacionalistas, não gostam da letra K, ao contrário de uma amiga minha que tem seis filhos, todos eles com nomes iniciados com o K. Millôr acha que a letra K, com seu jeito “agressivamente alemão, andando em passo de ganso como os soldados germânicos”, tornou-a antipática. O outro motivo é que os dicionaristas teimam em cismar com essa palavrinha “designativa de certa parte do corpo humano de múltipla importância fisiológica”.
Millôr prefere o Hai-Kai, dando mostras bem humoradas e cheias de lirismo dessa forma “frágil, quase volátil” de poesia. Na mesma hora, resolvi reunir meus Hai-Kais e publica-los com o título de “Hai-Cu”.
Como se trata de um escritor recém falecido, achei de selecionar uns Hai-Kais do mestre Millôr que falam da morte, da sua e dos outros. Vai aí de graça pra vocês:
É meu conforto:
Da vida só me tiram
Morto.
Eis o meu mal:
A vida para mim
Já não é vital.
Probleminhas terrenos:
Quem vive mais
Morre menos?
E eu também, consorte,
Não estou condenado
À pena de morte?
Há colcha mais dura
Que a lousa
Da sepultura?
Os grandes mortos
Se encontram antes
Nos aeroportos.
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