Encontrei com um velho companheiro que há muito não via. Não cito seu nome por questões sanitárias.
Jeitosamente, foi logo anunciando:
--- Sabe quem morreu? A lista é grande. Vai anotando aí...
Uma desgraça irreparável a morte de fulano. Encaramos o lado prático: muita gente que devia dinheiro ao agiota morto teve seus probleminhas financeiros subitamente resolvidos. Sabe sicrano? Morreu de cirrose hepática. Nossa geração está virando um bando de fantasmas. Aquele da barba branca teve seus delírios aumentandos. Não segura a saúde mental. Outro aposentou-se e vive longe, em um sítio nos confins do Rio Grande. Dizem que mexe com drogas. Aquele antigo chefe virou alcoólatra.
Esse meu companheiro pertence à categoria dos cronistas da vida alheia. Depois de dar notícias de Deus e do mundo, e mais do diabo e seus asseclas, tomou um ar sério:
--- E o amigo, como vai passando?
--- Deus não me criou para as delícias da vida. Ando ruim das pernas, amigo velho!
O finório suspirou, fez uma cara de tristeza, esperando para ouvir minhas lamúrias.
--- Eu amo os choques da vida! São eles que nos ensinam.
Pensei nos desajustes para confessar ao safado. Anunciei:
--- Eu era poeta, acabei redator de anúncio em jornal vagabundo. Antigo anarquista, agora ganho a vida como assessor de político venal. Inimigo confesso do capitalismo, hoje me vejo confuso sobre como aplicar melhor meus dividendos. Carrasco da burguesia, tive que casar com a filha de pai reacionário, que deixou polpuda herança. Enfim, pertenço a essa sociedade sem glória dos burgueses de tripa farta.
Como tudo que é falso, minha confissão carecia de selo de autenticidade. Ele limpou a goela, limitou-se apenas a comentar:
--- Pois veja como gira o mundo da fofoca: o que eu sempre soube é que sua vida é como bilhetes de loteria que nunca deram em decotes de namoradas que também não.
Ri muito e brindei à nossa velha amizade. O cara tem espírito.
Desconfio que homem fofoca mais do que mulher. Entre aposentados, a maledicência é liberada e incentivada. Povinho venenoso!
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