quinta-feira, 9 de junho de 2011

Professora Dirinha Arruda, madrinha (ou madrasta) de uma geração


A primeira pessoa que me procurou em 1988, quando fui morar em Mari, assumindo o cargo de chefe da estação ferroviária, foi a professora Dirinha Arruda. Veio dar as boas vindas da cidade, como mulher respeitável pela idade e posição social. Depois que dona Dirinha veio a saber que o novo chefe da estação era “comunista, maconheiro e metido a artista de teatro”, afastou-se como o diabo se dana com medo da cruz. Foi uma atitude própria dessa mulher conservadora, por causa de três indícios: fundei o Partido dos Trabalhadores na cidade, usava barba longa, fumava cachimbo com um fumo cheiroso e criei o Coletivo Dramático de Mari.

Nos doze anos em que vivi na cidade, ela sempre teve de mim a pior imagem possível. Acumpliciado com outros rapazes da terra, eu editava o “Jornal Alvorada”, que de vez em quando zombava da forma de fazer política da vereadora Dirinha, recebendo dela as mais veementes censuras e condenações. Como católica praticante, Dirinha fez campanha com o padre do lugar para excomungar o barbudo comunista, tarefa tecnicamente impossível porque eu nunca fui batizado nem na igreja do calango verde.

O certo é que Dirinha mandou soltar uns foguetões quando saí de Mari definitivamente, vindo morar em João Pessoa. Perdi a grande matéria prima de nossas fofocas, mas não levei mágoas da professora que um dia quis se vingar de mim humilhando meu filho menor na escola. Ano passado, esse “jornalista virulento, crítico mordaz, desrespeitador das tradições, iconoclasta beirando o anarquismo” escreveu um livrinho em versos sobre Mari e sua gente. A convite do prefeito Antonio Gomes, fui lançar o livro “Mari, Araçá e outras árvores do paraíso” na cidade. Dona Dirinha estava na primeira fila de cadeiras. Veio me dar um abraço, com um jeito profundamente terno e carinhoso que é somente seu, quando quer agradar.

Dona Dirinha encara o mundo tomando como ponto de referência sua própria pessoa, personalismo que fez desabar sua aversão profunda a este “jornalistazinho de meia tigela” quando leu no meu livro:

A professora Dirinha,
Destacada militante
Da política local
Levou seu projeto avante
De se dedicar à terra
Onde seu pai foi infante

Na guerra dos pioneiros,
O velho Pedro Tomé,
Da família dos Arruda,
Que é um povo de fé,
Conhecido na ribeira,
De Mari até Sapé.

Onde andará hoje dona Dirinha, a filha do pioneiro Pedro Tomé de Arruda? Para o bem ou para o mal, ela foi a referência maior de uma geração na terra de Assis Firmino. A mais fiel tradução do conservadorismo petulante tem seu lugar na história da cidade. Não esqueço seu semblante, seu gestual, a maneira de andar, vaidosa, sempre bem vestida. Sua figura magrinha andava pelas ruas expressando nos maneirismos o charme, o ódio, a chacota, o muxoxo e aquele jeito orgulhoso de rainha decaída, mas jamais vencida. Nos discursos inflamados, alternava esse estado de espírito com críticas mordazes aos inimigos políticos, terminando por cantar desafinando a canção “Bandeira branca”, de Dalva de Oliveira, para aplausos e vaias do populacho, que ela reunia igual número de admiradores e depreciadores.

Meus compadres marienses, dêem-me notícias da professora Dirinha! Houve uma época em que dona Dirinha era tão forte que numa reação de defesa coletiva, as pessoas a tomavam por madrinha. Mané Batista é um dos seus afilhados. Não fui protegido dela, muito pelo contrário, mas posso afirmar que agora eu diria: “benção madrinha Dirinha!”

2 comentários:

  1. Bem colocado o jeito dela como sendo o de rainha decaída, mas jamais vencida. É realmente assim que ela é. Parabéns pelo texto. Não podemos chamar Dona Dirinha nem de boa nem de má, pois ela faz e prega aquilo que ela acredita, aquilo que a ensinaram. Para ela, ela faz o bem. Para as pessoas que pensam diferente dela, ela faz o mal. E para as pessoas que respeitam a cultura na qual cada um foi criado, ela é a apenas uma mulher que segue no que acredita.

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  2. Incrível, despertou ainda mais minha curiosidade para conhecer tal figura...

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