Quem me deu o tema é protagonista
no enredo central de minha vida. O registro do dia em que voltamos a fazer
contato, depois de mais de uma década distantes. Era o movimento de retorno aos
quadros constitucionais vigentes, conforme cronicou Manuel Bandeira em sua
crônica justamente titulada O retorno. Voltei às quatro linhas da
constituição do meu mais remoto afeto, quando atrevidamente, no deslumbramento
dos vinte anos, ousei vivenciar a magia da benquerença, afinidade incessante,
afora algumas interrupções de rumo.
São vinte e sete anos, marca o
calendário. Encontros e desencontros experimentamos pela vida afora. Episódios
o mais das vezes deslembrados, escondidos em uma esquina qualquer da memória.
Mas, esse retorno não ficou adormecido. Os desencontros não ficaram na agenda.
O reencontro, esse sim, capaz de penetrar na profundidade da mística secreta do
aconchego e da inspiração, um evento aparentemente vulgar, propício a revelar
as verdades complexas das conexões humanas, merece a evocação.
Com a lembrança da data do
reencontro, vem o questionamento sutil sobre os descaminhos que inventamos e os
reencontros conquistados depois de uma sofrida mudança de rota. A pessoa recebe
a graça de descobrir aquele terceiro olho, o “satori” dos filósofos Zen, onde o
mundo já conhecido seja de novo conhecido como nunca o foi. Espiando pela brecha
desses vinte e sete anos, tenho o palpite de que não vivi à toa, urdindo a vida
com o mel da estima produzido por uma abelha jandaíra transmudada em tiúba, a
abelha uruçu que faz o mel mais doce e transparente do reino dos polinizadores,
fundamental para a humanidade e para este cronista, particularmente.
Não posso saber até quando estarei vivenciando
esse ciclo mágico na sucessão dos dias e noites. Na idade da caduquice, se me
for permitido chegar a esse estágio, vejo-me cascavilhando acontecimentos,
imagens e ideias armazenados no cérebro desgastado, repensando a vida. Uma data
inescurecível: o dia do reencontro com alguém com
quem compartilhei risadas e perrengues comuns do dia a dia, desafios, aflições
e prazeres na longa jornada, desde quando nossas vidas tomaram rumo comum. A
existência é um tecido intricado e às vezes enigmático, feito de experiências
pessoais e instantes que delineiam nossa trajetória. Entre esses momentos, o
retorno é ponto de partida para o segundo e mais decisivo tempo do meu jogo
vivencial. Fiz alguns gols contra, confesso. Andei pisando na bola e despencando
na área, fingindo falta e pedindo penalidade máxima, movimento próprio do
canalha comum. O importante foi reacender a chama das conexões profundamente enraizadas.
E segue o enredo. Feliz aniversário de retorno!
Nenhum comentário:
Postar um comentário