quinta-feira, 18 de julho de 2024

Crônica do retorno

 


Quem me deu o tema é protagonista no enredo central de minha vida. O registro do dia em que voltamos a fazer contato, depois de mais de uma década distantes. Era o movimento de retorno aos quadros constitucionais vigentes, conforme cronicou Manuel Bandeira em sua crônica justamente titulada O retorno. Voltei às quatro linhas da constituição do meu mais remoto afeto, quando atrevidamente, no deslumbramento dos vinte anos, ousei vivenciar a magia da benquerença, afinidade incessante, afora algumas interrupções de rumo.


São vinte e sete anos, marca o calendário. Encontros e desencontros experimentamos pela vida afora. Episódios o mais das vezes deslembrados, escondidos em uma esquina qualquer da memória. Mas, esse retorno não ficou adormecido. Os desencontros não ficaram na agenda. O reencontro, esse sim, capaz de penetrar na profundidade da mística secreta do aconchego e da inspiração, um evento aparentemente vulgar, propício a revelar as verdades complexas das conexões humanas, merece a evocação.


Com a lembrança da data do reencontro, vem o questionamento sutil sobre os descaminhos que inventamos e os reencontros conquistados depois de uma sofrida mudança de rota. A pessoa recebe a graça de descobrir aquele terceiro olho, o “satori” dos filósofos Zen, onde o mundo já conhecido seja de novo conhecido como nunca o foi. Espiando pela brecha desses vinte e sete anos, tenho o palpite de que não vivi à toa, urdindo a vida com o mel da estima produzido por uma abelha jandaíra transmudada em tiúba, a abelha uruçu que faz o mel mais doce e transparente do reino dos polinizadores, fundamental para a humanidade e para este cronista, particularmente.


Não posso saber até quando estarei vivenciando esse ciclo mágico na sucessão dos dias e noites. Na idade da caduquice, se me for permitido chegar a esse estágio, vejo-me cascavilhando acontecimentos, imagens e ideias armazenados no cérebro desgastado, repensando a vida. Uma data inescurecível: o dia do reencontro com alguém com quem compartilhei risadas e perrengues comuns do dia a dia, desafios, aflições e prazeres na longa jornada, desde quando nossas vidas tomaram rumo comum. A existência é um tecido intricado e às vezes enigmático, feito de experiências pessoais e instantes que delineiam nossa trajetória. Entre esses momentos, o retorno é ponto de partida para o segundo e mais decisivo tempo do meu jogo vivencial. Fiz alguns gols contra, confesso. Andei pisando na bola e despencando na área, fingindo falta e pedindo penalidade máxima, movimento próprio do canalha comum. O importante foi reacender a chama das conexões profundamente enraizadas. E segue o enredo. Feliz aniversário de retorno!  

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