Meu ex-vizinho Nivaldo é filho
de Itabaiana. Há muitos anos, porém, como ocorre com muitos que moram no
brejo ou sertão pegou a viola, meteu dentro do saco e veio em busca de
“civilização”. Ah, triste Ledo Ivo engano!
E assim sem saco (eco ou
aliteração ?) para aguentar a sede de beber na cidade grande,
Nivaldo veio para a Província das Acácias, casou, plantou uma árvore bem
em frente da minha casa e só não escreveu um livro contando essa aventura
porque nunca se considerou um aventureiro.
Para este escriba Nivaldo
sempre foi associado a sua cidade. Por quê ? Ora, porque naquela cidade
nasceu um artista que se para Nivaldo ela – a cidade – sempre vai ficar para
trás, esquecida, pois como me dissera outro dia nada existe nela que
sinta lhe pertencer, para esse artista sempre foi a sua referência, sua Rimini,
seu ponto de partida. Pois é, Itabaiana era para Sivuca tatuagem no peito que
para onde ia levava consigo!
A primeira vez que ouvi falar
de Sivuca, Severino Dias de Oliveira, nome próprio que o apelido famoso
engoliria logo nos primeiros anos de vida artística, foi nas vozes
desencontradas – propositadamente – e sonoras dos Mutantes sustentadas por
fortes acordes dissonantes. Era a famosa “Adeus, Maria Fulô”, uma parceria sua – dele
– com o Humberto Teixeira, abrindo as portas do Tropicalismo.
Mas assim como acontece com
todos aqueles artistas quase geniais – gênio para mim só o Aladim – que
trocam de roupa, pagam a conta no bar, pega o chapéu e vão morar noutra
cidade, Sivuca será canonizado um dia. Assim da mesma forma que um dia o
Pixinguinha canonizado em vida fora pelo Vinícius de Moraes: Santo Pixinguinha.
O filho de Itabaiana, porém,
sua – da cidade – maior referência, somente receberá o Santo antes do apelido
depois de morto. Entretanto, apesar de todas as homenagens merecidas, discordo
do Santo aí. Prefiro ficar com esse extraordinário músico que passeava
por todos os gêneros – frevo, forró, baião, choro etc. – com a dignidade de um
mestre-sala.
Mas sem esquecer que até agora
ninguém me perguntou, se tivesse que escolher uma composição letrada (são
poucas, sim) do Mestre Sivuca, embora respeitando a sua famosa “Adeus, Maria Fulô”, escolheria a sua nostálgica e
sofrida até mesmo no titulo “Reunião de Tristeza”. Aqui merece um registro: a
primeira gravação de Reunião de Tristeza foi feita nos Estados Unidos
pela cantora sul-africana Letta Mbulu, que, sincero como sempre fui, confesso
não conhecer nem nunca haver escutado essa obra-prima em sua voz.
Segundo o Sivuca – no caso
deveria ser “primeiro Sivuca” – que a interpreta com o seu fiozinho de voz
característico, bem interpretada, ressalte-se para que depois não me venham
dizer que ele cantava muito bem, numa nostalgia de doer na alma, isto se a alma
dor sentir, ele estava cantando mesmo era a dor pela perda da irmã. Vale
transcrever o seu depoimento:
“Ela faleceu em 1935, aos nove
anos de idade. Aquele momento de tristeza ficou no meu coração por anos a fio,
até que um dia, em Ottawa, no Canadá, mais de trinta anos depois, a dor se
transmutou em música”.
Aos meus dois leitores, depois
de toda homenagem que esse itabaianense há de sempre merecer, deixo a letra de Reunião de Tristeza, a minha preferida entre as
preferidas do Sivuca:
E a lua estava presente à
reunião de tristeza
era noite, mãe velha cantava canção de embalar
tinha um rio mas água por ele esqueceu de passar
e mãe triste esperava seu filho voltar
era noite, mãe velha cantava canção de embalar
tinha um rio mas água por ele esqueceu de passar
e mãe triste esperava seu filho voltar
E a lua estava presente à
reunião de tristeza
em um galho sem folhas um pássaro cantava sozinho
e um homem cansado da terra o horizonte olhava
de uma casa pequena saiam crianças cantando
alegrando a tristeza que a vida nos dá
em um galho sem folhas um pássaro cantava sozinho
e um homem cansado da terra o horizonte olhava
de uma casa pequena saiam crianças cantando
alegrando a tristeza que a vida nos dá
E a lua continua presente
à reunião de tristeza…
à reunião de tristeza…
Humberto de Almeida
Ouça aqui a
canção de Sivuca, acompanhando-se ao violão: