Pesquisador
de Campina Grande me pede para citar uma lenda urbana de minha cidade. Como
diria aquele locutor de parque, “a vida é uma sucessão de sucessos que se
sucedem sucessivamente sem cessar”. Dita essa imensa e divertida besteira,
passemos aos fatos. “Alegria” era um mágico de rua que atuava em Timbaúba e
Itabaiana, cidades próximas, nos idos de 40/50/60. Virou lenda. Eu garoto,
ouvia falar das façanhas de “Alegria” viajando pela rota dos sonhos. Dizem que
o bicho causava o maior reboliço com seu truque de fazer cair dinheiro das
galhas das árvores. Era o ídolo de todas as bases e classes sociais.
Trabalhava
nas feiras, alegrando a meninada com seus artifícios fantásticos. Pesquisando
no Google, vejo notícias de “Alegria” atuando em cidades do brejo da Paraíba
naqueles tempos. O circo de seu “Alegria” era famoso, conforme atesta Raul
Ferreira, da cidade de Esperança. O mágico era um preto sorridente, artista que
deve ter influenciado o também lendário palhaço, ilusionista, pintor,
malabarista e cantor Pingolença, de Itabaiana, criador do famoso Gran Circo
Central que nunca saiu da cidade por absoluta falta de recursos, e meu tio Luiz
Marinho de Mello, o Mister Kautos, mágico, mímico, bonequeiro e dono de parque
de diversões que rodou as américas. Sobre o truque do dinheiro que dava em “pé
de pau”, Raul conta que havia um pé de oitizeiro na frente da casa de um
sujeito por nome Aristeu Ferreira. No “pé de figo”, o mestre “Alegria”
balançava o tronco e a gurizada endoidecia atrás das notas de mil réis.
Geralmente,
as lendas urbanas são baseadas em fatos reais, distorcidas ao longo dos tempos.
Essa do mágico “Alegria” eu ouvi do meu pai e agora leio o testemunho do
esperancense: “Seu ‘Alegria encantava a todos, fazendo desaparecer e reaparecer
os objetos das pessoas. Às vezes, transformava o relógio de uma pessoa num pé
de galinha já seco. Eu não vi a cena, mas dizem que o preto velho aproximou-se
daquele pé de figo, balançou um dos seus galhos, num gesto mágico, e realizou a
ilusão de transformar as folhas em cédulas. O povo encheu os bolsos para
verificar logo depois, desiludido, que o dinheiro voltava a se transformar em
folhas. Que decepção!” Tenho pra mim que “Alegria” foi o primeiro ser humano a
materializar a inflação.
Mas aí não
é mais caracterizado como lenda urbana, porque tem testemunho, se bem que Rau
Ferreira confessa que não viu o fenômeno, mas dele tomou conhecimento em tempo
real. E aí? Temos uma lenda urbana? Andando pelos caminhos possíveis, pelos
mormaços secos do cariri, nos cabeçotes de serra do brejo, nas estradas
empoeiradas do agreste da Paraíba, esse artista do povo virou mito. Numa breve
eleição aqui, deu-se a vitória da tese da lenda urbana do mágico “Alegria”, com
o voto do poeta Sander Lee, outro conhecedor dessas histórias itabaianenses e
timbaubenses. A mágica em seu estado puro deixando lembranças indeléveis nas
gerações seguintes de matutos emprenhados de pura alegria e fascínio diante das
maravilhas de um mestre manipulador.
Eu mesmo
jamais esqueci essas histórias do mágico “Alegria”, uma coisa assim que
atravessa as fronteiras da poesia e acaba por me comover, igual a tudo nesse
mundo secreto, o milagroso e fascinante universo da cultura popular. As lendas
urbanas, ou quase rurais, como a do circo de “Alegria”, seguem como nômades
pelos caminhos que elas mesmas inventam. Abastecem nosso humanismo com manjar
gostoso e fabuloso, desmobilizando um pouco que seja o nível de consciência do
homem ocidental. Porque somos todos mágicos. O que nos falta é coragem para
navegar para longe das ilhas de segurança e inventar o improvável.