quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Papa-cu, papa-figo e papangu


Um dia, em mesa da pensão de Nevinha Pobre, no cabaré de Itabaiana, estávamos tomando goró eu, Sanderli, Pedro Lourenço, Zenito Oliveira, Idalmo da Silva e Biu Penca Preta. O goró devidamente acompanhado por feijão verde com coentro e pedaços de carne de jabá. A conversa girava em torno de religião. Na época, todos éramos adeptos de um agnosticismo nebuloso. Hoje, meu compadre Sanderli professa a fé evangélica dos pentecostais.

O lero-lero nos levou às posições corajosas de D. José Maria Pires, arcebispo da Igreja Católica, na ocasião em plena guerra contra os meganhas da ditadura na frente de luta de Alagamar, conflito agrário ocorrido em Salgado de São Félix. Essa Igreja dos pobres e desvalidos tentando saldar a dívida social enorme, com sua opção preferencial pelos miseráveis e injustiçados do terceiro mundo, era nossa igreja. Mas a Igreja dos preconceitos e dogmas ultrapassados não merecia nosso respeito.
Lembro que Sanderli, estudioso de papas e suas safadezas, informou: “O Papa Estevam V afirmou com todas as letras que os papas, como Jesus, são concebidos por suas mães ao serem engravidadas pelo Espírito Santo. Todos os papas são uma espécie de homens deuses, com o propósito de serem mais capazes de servir de mediadores entre Deus e a humanidade. Todos os poderes do céu e da terra lhes serão concedidos”. Apesar de semideuses, os papas sempre gostaram de apoiar regimes como o nazismo e o fascismo.

A esperta Igreja ficou milionária, com a criação do IOR (Instituto per le Opere di Religione), o maior, mais fechado e mais secreto Banco do mundo, do qual o Papa é o único e exclusivo operador. Na verdade, um grande centro de “lavagem de dinheiro”. O Vaticano é o único estado do mundo que não tem cidadãos natos, desde que os sacerdotes e freiras são proibidos de procriar e jamais nasceu qualquer criança dentro daqueles 44 hectares. Estado teísta, machista e que, segundo os papas, pretende governar o mundo. Se Edir Macedo não chegar primeiro...

Sem muito interesse na conversa, Penca Preta encerrou o papo de papa:

--- Na minha família deu três papas: um papa-cu, um papa-figo e um papangu.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

O VELHO E OS DRAGÕES DA MALDADE


Era um velhinho desassombrado. Desde moço, comprava as brigas dos outros. Advogado, defendeu com coragem e altivez as vítimas dos regimes autoritários brasileiros. Brigou contra o regime fascista de Getúlio Vargas; defendeu Luiz Carlos Prestes após sua prisão quando tentaram um levante comunista em 1935; teceu armas em favor do escritor alagoano Graciliano Ramos; advogou para Carlos Lacerda e Miguel Arraes; delirou com a campanha das “Diretas Já”, enfim, esse velhinho que só trajava ternos pretos (dizem que um político campinense ainda hoje é fiel a esse estilo, em homenagem a ele), foi considerado o “brasileiro do século vinte”.

Aos 75 anos, ele teve que se levantar contra outro governo autoritário. Foi quando as Forças Armadas obrigaram o Presidente Costa e Silva a assinar o Ato Institucional nº 5, fechando o Congresso e jogando o País em uma ditadura feroz. Os militares começaram prendendo todo mundo que pensava e tinha opinião: professor, jornalista, advogado, estudante, político, artista e até boêmio. Nem precisava ter culpa no cartório, bastava ter consciência das coisas e oferecer perigo ao regime de exceção que se instalava.

No seu livro “1968 – o ano que não terminou”, Zuenir Ventura conta que um major e seis soldados arrombaram o apartamento do advogado Sobral Pinto. O major foi logo gritando:

--- Eu trago uma ordem do presidente Costa e Silva para o senhor me acompanhar.

Sentado estava, sentado Sobral ficou.

--- Meu amigo, o marechal Costa e Silva pode dar ordens ao senhor. Ele é marechal, o senhor é major. Mas eu sou paisano, sou civil. Se esta é a ordem , então o senhor pode se retirar porqueu não vou.

--- O senhor está preso! – gritou o major.

--- Preso coisa nenhuma!

Os seis homens arrastaram o velho e o levaram para um quartel, onde um coronel perguntou:

--- O senhor é patriota?

Sobral foi duro mais uma vez:

--- O senhor engula o que está dizendo! Eu sou patriota, o senhor não. O senhor vive às custas do Estado e está ajudando a estuprar a democracia do meu País!

--- Retirem esse homem e o ponham na prisão – ordenou o coronel.

Foi nessa pisada que Sobral Pinto enfrentou a ditadura militar que se instaurou a partir de 1968.

Quando esse grande brasileiro completou 85 anos de idade, meu pai Arnaud Costa (que ontem comemorou 80 anos) instalou um escritório de advocacia em Itabaiana e botou o nome dele como homenagem ao notável advogado. Heráclito Sobral Pinto enviou a seguinte carta, agradecendo a deferência:

“ Rio, 23 de janeiro de 1978
Drs. Arnaud Costa, Josué Dias de Oliveira e Juraci Marques Ferreira:
Envio-lhes, como de obrigação, o meu abraço cordial, desejando-lhes, ao mesmo tempo, um ano de 1978 repleto de venturas e triunfo.

Recebi, envaidecido, o convite para as solenidades de inauguração das instalações do escritório a que deram o meu modesto nome.

Confio em que compreenderam a impossibilidade em que estive, de atender ao honroso convite. A enorme distância que me separa de Itabaiana, Paraíba, o custo alto das passagens e minhas atividades profissionais impediram-me de assistir, como gostaria, às mencionadas solenidades.

Nutro a convicção de que adotando o meu nome para distinguir o seu escritório de advocacia é porque têm o propósito de adotar, na vida profissional, os princípios, as normas e as praxes que sempre orientaram a minha atividade de professor, de advogado e de homem público.

Meu interesse é que no interior do Nordeste atue um centro de atividade jurídica e cívica que se empenhe, permanentemente, em defender os preceitos da justiça e dos ditames do Direito. Que esse escritório sirva de garantia a todas as pessoas que trabalham pela manutenção, na região de Itabaiana, de um clima de dignidade pessoal e de respeito, tanto à liberdade individual quanto às liberdades públicas.

O grande problema do Brasil na atualidade é a formação pacífica de uma opinião pública esclarecida e voluntariosa, que se disponha a lutar, em todos os quadrantes do País, dentro do direito irresistível, por um governo do povo.

Cordialmente, seu colega agradecido,

a) H. Sobral Pinto”.

Rádio comunitária e participação popular



Jovens da comunidade São Rafael dirigem a Rádio Comunitária Voz Popular

Rosângela Santos batalha na Rádio Comunitária Voz Popular, da comunidade São Rafael, em João Pessoa, assumindo ainda a coordenação de formação da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária no Estado da Paraíba – Abraço. Recentemente, ela defendeu dissertação na Universidade Federal da Paraíba, no Programa de Pós-graduação em Educação, com o título de “Rádio Comunitária – um canal de expressão e participação popular”.

O trabalho resume a história dessas rádios de baixa potência e controle popular, sublinhando sua importância nas pequenas e humildes comunidades não contempladas pelas mídias convencionais. O estudo ainda faz levantamento bibliográfico sobre as rádios comunitárias, observando sua origem, trajetória, papel sócio-educativo e importância como espaço de atuação e participação popular. Um dos livros referenciais é o nosso “Democracia no Ar”, onde faço um histórico de algumas experiências com rádios comunitárias em Mari, Mogeiro, João Pessoa e Itabaiana.

Rosângela também aborda algumas práticas de rádios em várias regiões brasileiras, especialmente sua experiência pessoal com a Rádio Comunitária Voz Popular, atualmente calada pela Anatel. A Voz Popular funciona em um posto médico da comunidade. Nessa rádio, os jovens foram protagonistas de um projeto chamado “Fala Garotada”, em parceria com uma ONG local. O projeto contribuiu muito para o desenvolvimento humano e inclusão social de adolescentes e jovens da comunidade São Rafael.

Finalmente, o trabalho aponta a contribuição que as rádios comunitárias podem dar à questão ambiental. Resumindo, a dissertação de Rosângela apresenta uma discussão teórico-conceitual sobre a potencialidade das rádios comunitárias incentivarem processos educativos e de promoção da cidadania através do fazer-comunicação. Tudo isso é possível se essas mídias populares forem geridas de forma democrática.

Acesso ao trabalho da companheira Rosângela Santos:

www.ce.ufpb.br/ppge/index.php?option=com_content&task=view&id=224&Itemid=52

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

BAÚ DE PUTARIA


Um sujeito desocupado por nome Rui Vieira, aposentado do Banco do Brasil, escreveu um livro chamado “Baú de Putaria”, contando “causos” do imaginário popular, piadas, lorotas e mentiras, chacotas e muita safadeza. Rui aconselha ler o livro em fila de banco, em viagem ou na mesa do bar. Li a citada obra no “trono”, obrando naturalmente...

Segundo o piadista, o santo frade Frei Damião foi fazer uma missão na cidade de Mari-PB. Pediu ao padre que arranjasse quatro virgens para carregar o andor, que terminou sendo levado de jipe. Não havia tantas virgens na cidade.

Tem até piada com um tal de Biu Penca Preta. Ele tava bêbado em João Pessoa, sem saber onde tava. Perguntou ao guarda:

--- Onde é o outro lado da rua?

--- Lógico que é ali, do outro lado.

--- Mas eu já perguntei lá, disseram que era aqui.

De cantador de viola safado, o livro ta cheio de versinhos. Diz que o cantador João Furiba saiu-se com essa sextilha num “pé-de-parede” com Manoel Xudu:

Já fiz muita presepada
No meu tempo de menino
Roubei bacia de cego
Cortei a corda de sino
Só nunca dei o furico
Mesmo assim tirei um fino.

Nessa cantoria, João Furiba terminou um verso assim:

Um cabra de tua marca
Apanha de dez a zero.

Foi quando Manoel Xudu acochou:

Eu até lhe considero
Por isso estou cantando
Você é um cabra bom
Mas vive se pabulando
Você pode dar o zero
Mas o dez fica faltando.

No fim da cantoria, todo mundo bêbado, Furiba saiu-se com esses versos:

O tratamento daqui
É corno vai corno vem
O dono da casa é corno
O cantador é também
Se mandar prender os cornos
Aqui não fica ninguém.

O sujeito foi se consultar com o médico:

--- O senhor fuma?

--- Só uma carteira por dia.

--- Bebe?

--- Dois litros de vinho por dia.

--- E sexo?

--- Uma vez por mês.

--- O sexo o senhor está fazendo pouco...

--- Sabe o que é, doutor? É que minha paróquia é muito pequena. Quando for transferido para uma maior, faço mais – disse o padre com tranqüilidade.

Quem quiser comprar o livrinho de Rui, seu endereço eletrônico é: ruivieiracg@uol.com.br

sábado, 26 de setembro de 2009

JÁ chega de desrespeito, diz a mulherada


Vênus, a deusa do amor, cobrindo o sexo na pintura de Ticiano (1538). Na época, o feminismo ainda estava engatinhando.

Um grupo de mulheres lideradas por Betânia e Mabel, do Coletivo Insubmissão, de João Pessoa, foi reclamar ao jornalista Walter Galvão, editor do tablóide sensacionalista JÁ, da forma “desrespeitosa” com que é tratada a figura da mulher no citado jornaleco. Todo dia sai um mulherão na capa, servindo de atração para os manés, leitores das classes C e D, conforme os padrões estatísticos orientadores da mídia. Para esses altos estudos do comportamento da população, pobre gosta mesmo de fofoca, mulher nua, futebol e violência, matérias abundantemente oferecidas no pasquim do senador Roberto Cavalcante.

Para as meninas, João Pessoa já está no mapa do turismo sexual e tráfico de menores para prostituição na Europa e em outros recantos do mundo, sendo esse tipo de publicação, além de achicalhe com a mulher, uma forma de promover esse tipo de comércio do sexo. Walter Galvão é um cara sério, jornalista de muito conceito no Estado, intelectual de formação humanista. Mas precisa ganhar a merreca de comprar o pão de cada dia. Seu patrão manda que ele comande um jornal onde a mulher é mostrada apenas como objeto de prazer, ferramenta para aumentar as vendas desse produto de comunicação, enfim, uma opção editorial mercantilista como outra qualquer, sem envolvimento com questões éticas. Na faculdade onde obteve seu diploma, o jornalista Walter Galvão talvez tenha abordado essa faceta do jornalismo, onde o veículo divulga e explora em tom espalhafatoso matérias capazes de emocionar ou escandalizar o leitor. O professor deve ter condenado esse tipo de jornal, mas na vida real os valores são relativos.

O jornal citado é a principal fonte de informação do povão de João Pessoa, onde circula. O assunto é polêmico para mais da conta. Achando pouco, meu compadre Maciel Caju bota lenha na fogueira do debate, mandando as mulheres ofendidas reclamar do redator de um livro muito popular também nas classes sociais por onde circula o JÁ, ou seja, a Bíblia. Misturar um jornaleco sensacionalista com o livro sagrado dos cristãos é provocação ou não é? Para começar o blá blá blá ético-religioso-jornalístico-feminista, ele debulha trechos da Bíblia onde a mulher é tratada como o cocô do cavalo do bandido:

Deus disse à mulher: "Multiplicarei grandemente os teus sofrimentos e a tua gravidez; darás à luz teus filhos entre dores; contudo, sentir-te-ás atraída para o teu marido, e ele te dominará".
-Gênesis 3:16


Se uma mulher der à luz um menino ela ficará impura por sete dias. Mas se nascer uma menina, então ficará impura por duas semanas.
- Levítico 12:2-8



"Mulheres, sede submissas aos vossos maridos, como convém ao Senhor"
- Colossenses 3:18


As mulheres devem ficar caladas nas assembléias de todas as igrejas dos santos, pois devem estar submissas, como diz a lei.
- I Coríntios 14:34


Se a mulher trair o seu marido, ela será feita em objeto de maldição pelo Senhor, sua coxa irá descair e seu ventre inchará.
- Números 5:20-27


Se uma jovem é dada por esposa a um homem e este descobre que ela não é virgem, então será levada para a entrada da casa de seu pai e a apedrejarão até a morte.
- Deuteronômio 22:20-21


"É melhor alojar-se num canto do terraço, do que com mulher rixenta em casa espaçosa".
- Provérbios 25:24


"Aquela que é verdadeiramente viúva e desamparada, põe em Deus a sua esperança e persevera, noite e dia, nas súplicas e nas orações. Aquela, porém, que se entrega aos prazeres, mesmo vivendo, está morta. "
- I Timóteo 5:5-6


Que a mulher aprenda em silêncio, com total submissão. A mulher não poderá ensinar nem dominar o homem.
- I Timóteo 2:11-12

Zé da Luz na academia e na internet



Na próxima semana, o itabaianense Geraldo Xavier de Oliveira apresentará monografia intitulada “Zé da Luz, memória e identidade de Itabaiana”. Será na Universidade Federal em Vitória da Conquista, Bahia. Às vésperas de completar 58 anos, Geraldo Xavier não perde a vitalidade e vontade de divulgar a cultura de sua terra natal. Inteligência forjada no trabalho como tipógrafo, mas também herdada dos seus familiares, Geraldo foi aprendiz de gráfico n’A Folha, jornal oficial de Itabaiana, sob as ordens de Nabor Nunes, Arnaud Costa e Djalma Aguiar, seu tio.

Com sutileza e habilidade, Geraldo traça um perfil do poeta matuto e sua ligação umbilical com Itabaiana, naqueles anos românticos que antecederam a Revolução de 1930, e depois, até o final dos anos 50, quando Itabaiana era um centro irradiador de cultura. Naquele cenário, aparecia a figura de Zé da Luz, um dos três severinos lendários, junto com Severino Sivuca e Severino Ratinho. Severino de Andrade, o Zé da Luz, personificou o lirismo, o cheiro e o sabor do Nordeste. Sua poesia está na boca do povo, imortalizada.

Deste espaço cibernético, peço ao meu amigo vereador Ubiratan ou qualquer outro parlamentar da cidade que encaminhe votos de aplausos ao nosso conterrâneo, pela demonstração de carinho intelectual e afinidade com a mais original cultura itabaianense.

Por falar em espaço cibernético, o grupo de músicos pernambucanos Cordel do Fogo Encantado, da cidade de Arcoverde, tem se destacado pela mistura de rock rural e poesia sertaneja. A revista eletrônica de literatura pop TXT Magazine publicou o poema “Ai, se sêsse...”, de Zé da Luz, trabalho que já foi musicado no CD do Cordel, em gravação ao vivo, na voz do cantor Lirinha, em show no Opinião, de Porto Alegre.
Comentário da revista: “A fronteira entre a cultura dita popular, o chamado pop e os meios de comunicação eletrônicos de alta tecnologia vem sendo diluída, sem anular nenhum desses módulos culturais. Ler os versos de um matuto na animação em Flash da página de abertura de uma revista de ficção urbana não é surpresa. O folclore, a cultura popular e o pop têm mais raízes em comum do que o superacionismo cultural nos permite enxergar”. Outro bom sítio de cultura popular, onde Zé da Luz está presente com destaque, é o De Repente (www.derepente.f2s.com), um passeio pelo universo das cantorias, sintetizando a vocação multimídia da cultura sertaneja.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

RÁDIO: ARMA APONTADA CONTRA O OUVINTE


Esse é o título de crônica assinada pelo radialista Petrônio Souto, em seu blog www.cemreis.com.br. Petrônio já atuou em quase todos os jornais, revistas e emissoras de rádio da capital paraibana. É um cara que entende do assunto. Para ele, o rádio na Paraíba parou no tempo. Eu diria que o rádio regrediu. Ele recorda de Otinaldo Lourenço, “o grande reformador do rádio paraibano, que formou uma excelente equipe, oferecendo aos ouvintes um cardápio bastante simples: música, esporte e notícia. Tudo inspirado, como ele próprio afirma, na Rádio Jornal do Brasil e na BBC de Londres”. Isso foi nos anos 60/70. De lá para cá, apesar do avanço tecnológico, a qualidade do nosso rádio só fez desabar. Ele se queixa da forma como são concedidas as outorgas das rádios, que servem de moeda de troca no jogo político. Por isso, qualquer um abocanha um canal de rádio, sempre políticos ou seus “laranjas”. Os verdadeiros homens de rádio, os que têm no sangue a vocação, esses ficam de fora. Por isso o rádio hoje é essa coisa que dá asco.

Concordo com Petrônio Souto quando diz que o rádio atual só divulga apenas a alienação e a violência, “com honrosas e raríssimas exceções”. Para ele, o rádio de hoje “é uma arma apontada contra o ouvinte”.

Em 1998, apareceu no cenário radiofônio a figura da rádio comunitária, que seria, em tese, uma emissora de gestão pública e democrática determinada a tornar realidade o sonho de Petrônio Souto e todos os verdadeiros radialistas de boa vontade, uma emissora que contemple a “promoção humana e social das massas, com a elevação do espírito crítico do ouvinte”. Seria afinal uma mídia radiofônica mais democrática e plural. O que ocorre é que o controle social praticamente não existe, as rádios ditas comunitárias são dominadas por aproveitadores que utilizam os mesmos meios condenáveis da rádio comercial para ganhar dinheiro, sem nenhuma preocupação com a qualidade do rádio. A sociedade tem o direito de participar da formulação, acompanhamento e avaliação da programação dessas rádios através dos conselhos comunitários, o que não ocorre na maioria das situações.

Em João Pessoa, estou escrevendo uma peça de teatro com meu amigo poeta Zanony Ibervile, um militante engajado na construção de uma cidade mais solidária e socialista. A peça é sobre rádio comunitária, sobre a criminalização desse serviço e as falsas radcom. É que achamos que nove décimos das rádios ditas comunitárias em ação na Paraíba é entulho bloqueando o caminho da verdadeira democracia no ar. Nosso intuito é detonar o ruim para abrir caminho para o bom.

A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – Abraço – está acompanhando as rádios que receberam outorga e pretende denunciar as que não são realmente comunitárias, para que a concessão seja entregue às pessoas e entidades idôneas, realmente comprometidas com a filosofia de uma verdadeira radcom

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Religião de resultado


Na foto, eu de óculos escuros junto com uma galera de virtuosos cachacistas de Mari, no bar de Zezin Calai.

Acabo de ler o grande livro “O processo civilizatório”, de Darcy Ribeiro, uma obra monumental sobre a evolução da humanidade nos últimos dez mil anos. Em um dos capítulos, o mestre conta como o homem aprendeu a ser religioso e a se resignar com a pobreza, enquanto outros usavam a religião para dominar. Quando as cidades começaram a se formar, viu-se que era imprescindível unificar o povo em torno de idéias comuns. Foi aí que os caras que trabalhavam com o sobrenatural passaram a ter grande ascendência sobre a galera, como porta-vozes dos deuses com todos os poderes emanados dessa posição. A antiga religiosidade comunitária foi substituída por igrejas burocráticas e controladoras.

Daí para as religiões e seitas “pegue-pague” foi um passo de alguns milhares de anos até chegarmos ao império da Igreja Católica. Na nossa época, os neopentecostais já passam a dominar a fé do povo simples, com a proliferação de seitas que prometem o céu na terra. No mundo em que vivemos, a idéia de Deus não se desprega do fascínio do ouro, do Poder e dos prazeres.

Na cidade de Mari, um rapaz pobre vendia galinha na feira e nada de prosperar. Foi quando teve a idéia de fundar uma igreja, com olho grande na riqueza das universais e mundiais que rolam no pedaço. Alugou uma garagem, arrumou cadeiras e botou placa na porta: “Igreja Transnacional das Sete Mil Virgens”. Apesar da fartura de virgens, a igreja do rapaz não progrediu. Não passava de três ou quatro velhinhas aposentadas de salário mínimo. O dízimo mal chegava para o aluguel da garagem.

A despeito de tudo, porém, o “pastor” caprichava na encenação de curas e milagres os mais diversificados. Em Mari, todavia, nem a Igreja Universal do Reino de Deus, catedrática na matéria de converter o povão, conseguiu se estabelecer. Mas o que eu quero dizer é que, um dia, vinha do bar de Manoel do Bar e passei na “igreja” do moço. Bêbado e cachorro entram em todo lugar. Entrei, sentei na última cadeira para descansar da viagem. O pastor aproveitou minha presença para começar uma pregação a respeito do diabo, “porque o diabo está em todo lugar, cuidado com o tinhoso, ele entra até na igreja, ele é barbudo e gosta de tomar cachaça”. Notei que a descrição correspondia a mim mesmo, que naquela época usava barba. Aliás, eu era o único presente, além de duas velhinhas e um garoto.

Cheio de “topázio diluído”, achei que merecia melhor tratamento, se bem que não tenho nada contra o capeta e seus assemelhados. A propósito de fazer seu proselitismo idiota ou sem propósito algum, o “pastor” me vem com essa galhofa. Levantei e disse em alta voz:

− Mané, deixa de besteira e vai pagar a conta que tu deve no cabaré de Maria Pintada!

Ex-inveterado consumidor de cana e raparigueiro, o “pastor” fechou o livro e encerrou os trabalhos.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Poesia de carregação


Eu de preto, tendo ao lado o radialista Jota Alves, o cantor “Apaga Luz” e o geógrafo Marcone Figueiredo, buscando inspiração no cabaré de Maria Pintada. (Mari, em uma sexta-feira santa qualquer).


Há uma conspiração universal contra minha carreira de poeta. Já tentei escrever uns versinhos, mas recebo sempre injeções maciças de desestímulo, até mesmo de um sujeito que é um modelo de gentileza, meu compadre Maciel Caju. Imaginem que comecei a esboçar um soneto e afetuosamente levei ao compadre Maciel para sua apreciação, ele que é um poeta dos melhores. Após ler o esboço, foi categórico:

− O outro é melhor.

− Que outro?

− O que você ainda vai escrever.

Acabou com meu deslumbramento apenas com essa piada infame. Com um sorriso maquinal, tentei defender minha poesia, reduzida a nada pelo meu compadre. Sua erudição é o que me encabula! Pois me fez ver que um crítico disse a mesma coisa do grande escritor inglês Oscar Wilde: “a sua maior e mais bela obra é aquela que ele não escreveu”.

Mesmo assim insisto em abrir uma pequena clareira jubilosa na floresta dos inimigos de minha poesia, esses sorumbáticos que não reconhecem uma obra prima. Eis o poema, que passei uma semana burilando:

POEMA DA CRIAÇÃO
O rio não quer ir à parte alguma,
Ele apenas quer ser livre, não cativo
De um destino inexorável e incisivo
Que ao final se desvanece qual espuma.

Rio bravo que extrapola do seu leito
Em momento de extrema liberdade,
Na caótica desordem que invade
Os limites do certo e do direito.

É assim o artista na porfia
Do momento supremo e criador
Quando brinca de Deus e traça o mundo
De acordo com estranha geografia.

Na verdade, isso nem chega a ser um soneto, que o formato é outro. Outra verdade: meu talento como poeta é feito aquela linha imaginária do horizonte que vai recuando, sempre distante dos que caminham em sua direção. Reconhecendo minha limitada inspiração, admito ainda que “caótica desordem” é um pleonasmo de lascar, redundância que deixo na conta da “liberdade poética”.

Mas voltemos ao Maciel Caju, este sim, um poeta genuíno. Na apresentação de um livrinho que lancei em 1998, ele escreveu: “Fábio Mozart é poeta num país em crise crônica, por isso faz uma poética adstringente e amarga. Poesia fácil de ser compreendida, ainda assim o trabalho de Fábio Mozart não se enquadra no simplismo sem essência. O poeta desenvolve sua arte numa perspectiva sociológica. Sua poesia faz com que o leitor saia do seu egocentrismo para refletir sobre a nossa realidade.”

Resumindo: ele achava que eu faço poesia de protesto. Confesso que cansei de protestar e de fazer poesia. Esse quase soneto foi uma tentativa de retorno à companhia das musas, delito do qual já me arrependo. Mas fiquei ressentido com o menosprezo de Maciel. Ninguém gosta que maltratem seu filho, por mais feio que seja.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

RELÍQUIA DA CULTURA POPULAR


Poeta Manoel Xudu


Meu cunhado Joaquim Lopes, o conhecido Neguinho do Sítio Sabiá, repassou-me uma fita cassete cujo conteúdo é muito precioso. Trata-se de gravação de uma cantoria de “pé-de-parede” com Manoel Xudu e Ivanildo Vila Nova, dois ícones do repente nordestino. Sabe-se que Manoel Xudu faleceu e deixou pouquíssimos registros sonoros. O material para mim tem alto valor, porque sou admirador desse gênio da poesia popular, tendo lançado um livro – “Manoel Xudu, o príncipe dos poetas repentistas” – em sua terra natal, São José dos Ramos, cuja edição está esgotada.

Vou mandar remasterizar o material fonográfico e procurar o poeta Ivanildo Vila Nova para negociar os direitos autorais, juntamente com os familiares do grande Xudu. É que pretendo lançar uma segunda edição do livro, encartando CD dessa cantoria histórica. Imagina se vai agregar valor à obra! Tem um disco de vinil que dizem ser o mais valioso da história da música brasileira, o “Paêbirú”, de Zé Ramalho e Lula Cortês, que no seu formato original está valendo cerca de R$ 4 mil reais. Pois a fita de Xudu vale muito mais pela sua natureza histórica e porque o artista já faz parte do mundo dos espíritos.

Nos lábios de Manoel Xudu morava o milagre da palavra que era sempre nova, mágica, imprevista e alucinante. Xudu é um gênio do improviso, que é um fenômeno curioso da mecânica mental. No improviso não há raciocínio, há inteligência em estado bruto. Para o escritor cearense Renato Sóldon, “o improviso é uma idéia instintiva que não sofre o processo lógico das idéias acionadas pela reflexão”. Citando Freud e Ralph, ele acrescenta que o improviso é a subversão cerebral do pensamento pela explosão revolucionária do subconsciente.

Penso em disponibilizar para os amigos admiradores da poesia popular esse CD com o livro, apenas para assinantes, numa edição mais do que especial. Sou um apaixonado pela arte da gente simples do Nordeste, adotando mesmo o espírito dos brincantes. Não trabalho nisso para ganhar dinheiro, assim como o mestre de boi de reis nada quer para si além de alguns trocados para a cachaça dos brincantes e despesas da brincadeira. Mas a coisa é séria, e exige um profissional no circuito. Para isso, já entrei em contato com o livreiro Heriberto Coelho, do Sebo Cultural, que se mostrou interessado em fazer parceria para a edição da obra.

Na fita, a dupla de violeiros produz a síntese mais acabada dessa arte de cantar repente, manifestação ao vivo da genialidade em sextilhas de singeleza admirável. O talento invejável desses dois artistas produziu um monumento de arte a exprimir um mundo de emoções e expressões poéticas. Já ouvi mais de dez vezes o material, transcrevendo as estrofes. A qualidade sonora é péssima, vai exigir muito recurso da técnica no processo de remasterização. Ao final, teremos uma cantoria entre dois gigantes do repente que “simboliza a vitória do simples sobre o complexo”, na expressão do folclorista piauiense Pedro Ribeiro.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Foi por uma boa causa...


Companheiro Jairo Humberto, tragicamente desaparecido em 1989, um dos fundadores do PT em Itabaiana.

Esse episódio se passou na cidade de Itabaiana, começo dos anos 80. Foi um ligeiro deslize, mas já está prescrito, conforme entendimento do bacharel e delegado de polícia Joacir Avelino, um dos envolvidos no fato delituoso. Deu-se que um grupo de moços sonhadores e chegados a uma farrinha resolveram organizar o Partido dos Trabalhadores na terra de Sivuca. Naquele tempo, o país saía de uma ditadura feroz, de direita. As pessoas ainda guardavam o medo das prisões e perseguições do regime militar. "A ditadura é um estado em que todos têm medo de um e um tem medo de todos", conforme escreveu o escritor italiano Alberto Moravia.

Sendo assim, ninguém queria se filiar ao novo partido que estava surgindo, liderado por um sindicalista barbudo, mal encarado, nordestino e chegado a uma biritazinha. Só por gostar de cana, Lula já recebia nosso integral apoio. Mas falando sério, o grupo de rapazes começou a enfrentar os tais “trâmites burocráticos” para registrar o partido no Município. Precisava de 70 filiações, no mínimo. Começamos pelas famílias. Cada um procurou converter o pai, a mãe, os irmãos, as namoradas e amigos em militantes petistas. Depois partimos para o campo de guerra, as mesas de bares e pensões. Assim, assinaram ficha desde o bebinho do boteco até a rapariga semi-analfabeta, depois de umas três ou quatro meiotas.

No dia da convenção do partido lá estavam eu, Roberto Palhano, Jairo Humberto Feitosa, Joacir Avelino e mais meia dúzia de três ou quatro gatos pingados e desconfiados. A Justiça Eleitoral escalou o fiscal Ananias para observar a convenção. Ananias ficou meio cabreiro, porque deu meio-dia e não apareceu quase ninguém para votar, ameaçando o quorum. A Comissão convidou então o fiscal para tomar a caninha do almoço na venda do Berto. Foi nossa chance para enviar delegações às casas dos convencionais para colher as assinaturas no livro de ata. Quando o fiscal voltou, já um tanto alegre e expansivo, admirou-se do número de votantes que constava no livro.

--- Foi um caminhão de militantes que veio dos sítios, o pessoal votou e foi embora – explicamos.

Ananias deu o aval, legalizando a Convenção. Depois de uns tragos, nosso fiscal esqueceu o preconceito contra o novo partido, ajudando a legalizar o PT, mesmo desconfiando de que foi personagem de uma farsa.

Percival Maricato, no prefácio do livro “Hic!stórias – Os maiores porres da história da humanidade”, de Ulisses Tavares, cita alguns benefícios da bebida: “Bilhões de vezes, nos últimos milhares de anos, houve declarações de amor e consequente continuidade da espécie com porres homéricos”. Eu acrescentaria que um dos benefícios da bebida também é gostarmos mais da humanidade, até tolerar quem a gente não gosta, e, conforme o episódio aqui narrado, ajudar na organização política dos chamados menos favorecidos na escala social.

domingo, 20 de setembro de 2009

Fábio Mozart e o cordel das Ligas Camponesas


A poesia popular nordestina, publicada em folhetos e chamada de literatura de cordel é uma das manifestações mais autênticas e pujantes da nossa cultura popular. Conta histórias, relata costumes e práticas, informa eventos e acontecidos, faz rir e gargalhar, mas também faz pensar e refletir por emanar diretamente da alma do povo, sendo para esse mesmo povo construída e pensada.
É nessa última acepção que se enquadra o folheto de Fábio Mozart "Biu de Pacatuba - Um herói do nosso tempo", que recupera para o conhecimento do público a biografia de Severino Alves Barbosa, o Biu de Pacatuba, um dos fundadores das Ligas Camponesas na Paraíba.

Em sextilhas habilmente construídas, com métrica e rima apuradas, Fábio Mozart nos conta a história de Biu de Pacatuba, herói popular, agricultor que briga com os poderosos donos de latifúndios na região de Sapé-PB; seu trabalho ombro a ombro com o também herói João Pedro Teixeira, seu companheiro de lutas, e o papel que representou na conscientização daquela população submetida a tantos anos seguidos de exploração.

Ao longo das estrofes, o leitor vai conhecendo a saga de Biu de Pacatuba: a prisão, os sofrimentos e humilhações, a perda dos bens, a pobreza, a impossibilidade de se reerguer economicamente pela pecha de "comunista", que dele afastava os financiamentos e ajudas oficiais. O autor nos faz acompanhar a história desse homem e a sua inquebrantável coragem: vendo que não podia voltar a trabalhar na agricultura, como gostava, investiu o resto dos seus bens na educação dos filhos, provando mais uma vez que tinha visão de futuro e sabia o que era mais certo.
Ao mesmo tempo em que narra a história, o autor esclarece: “O sistema só tolera/ Dois tipos de componentes:/ Os tiranos que exploram/ E os subservientes./ Os que lutam por justiça/ Serão sempre dissidentes.”

Biu de Pacatuba faleceu em 1975 e em boa hora Fábio Mozart faz esse registro biográfico para que a saga de nossos heróis não caia no esquecimento, alimentando com sua poesia, no peito dos verdadeiros brasileiros, a chama da Liberdade.

Clotilde Tavares

sábado, 19 de setembro de 2009

“Chá da meia-noite” e outros horrores


Capa do Pasquim com matéria sobre a “máfia de branco”.

Conheço uma jovem que estudou ciências médicas durante quatro anos na Argentina. Dela me veio o relato de um professor que se recusou a aprová-la em exame oral por causa do seu sotaque brasileiro. Essa mesma moça veio para o Brasil e está praticando sua profissão em alguns hospitais públicos na Paraíba. As notícias agora são de preconceito social, racial, ganância e corrupção entre os profissionais que antigamente eram chamados de “anjos de branco”.

Um desses pequenos contos de horrores: paciente baleado chega a um grande hospital em João Pessoa. A equipe médica não faz os procedimentos de rotina nesses casos. O rapaz é um doente preferencial para morrer, como de fato veio a finar-se. A jovem médica, indagando dos colegas quais os motivos do descaso, soube que a vítima era o que eles chamam de AS, ou “alma sebosa”. Os classificados nessa categoria são pretos, jovens, tatuados, mal vestidos e usando uma sunga. Por que a sunga é sinal de “alma sebosa”? Porque eles, os pretensos marginais, só saem de casa com essa indumentária, que é para não ficarem nus quando forem presos.

A expressão “máfia de branco” foi originalmente criada pelo jornal carioca “O Pasquim”, na década de 70. Nessa época, o jornal publicou uma série de reportagens sobre “as safadezas dos médicos”. No interior, são comuns os casos de assassinatos de velhos e doentes terminais nos hospitais sucateados. Chamam de “chá da meia-noite”. Pode ser o cloreto de sódio dissolvido no soro, ou outro método de homicídio. Sem falar nos enganos fatais, que “erro médico a terra cobre”.

Médico é uma classe igual a todas as outras, com seus bons e maus elementos. Tem seu código de ética e seu órgão disciplinador. Eles se protegem escandalosamente, essa é a controvérsia. Corporativismo que tem botado debaixo do tapete muita nódoa e incorreção envolvendo vidas humanas. Seria o caso da sociedade controlar também a profissão de médico? O Conselho de Medicina só suspende o médico quando a imprensa faz o escândalo. Geralmente são absolvidos. Saúde e sociedade precisam ter um encontro marcado, excluindo-se os conselhos de saúde viciados e incompetentes que proliferam pelo interior.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

EU TAMBÉM QUERO ANISTIA


A Comissão de Anistia do Governo Federal mandou indenizar um grupo de aeroviários que foram demitidos depois de uma greve em 88, com base em um decreto da ditadura. Os cartunistas Zirando e Jaguar foram presos durante alguns dias, ficaram tomando uísque e tocando violão para os militares abestalhados, e também receberam uma fortuna a título de indenização.

Se a lógica for essa, eu também quero ser indenizado e receber compensação, não por ter sido prejudicado na ditadura dos milicos, mas por ter sido humilhado, preso e perturbado na atual ditadura econômica e social, também com base em um decreto do outro governo autoritário do tempo dos generais. Sim, porque todo governo é dominador e impositivo.

Dois dias depois do Lula ser empossado pela primeira vez como chefão desse país, a Polícia Federal me prendeu em Itabaiana, pelo crime de estar testando equipamentos de radiodifusão. Fui o primeiro preso político da era Lula, porque o decreto que validou minha prisão é do tempo do marechal Castelo Branco, o primeiro milico chefão da “redentora”, como era chamada pelos babões a quartelada de 64. Preso pelo crime de opinião, já que o propósito deste decreto é calar os oposicionistas. Esta resolução fascista nunca foi abolida, porque o sistema precisa de respaldo “legal” para calar os recalcitrantes, os que resistem obstinadamente em avalizar a opressão do Estado sobre o cidadão.

Como novo membro dessa ditadura disfarçada, o então deputado estadual Ricardo Coutinho mandou-me uma carta onde lamentava o ocorrido, mas negando que a Polícia Federal, instrumento da repressão, tivesse alguma coisa a ver com o recém instalado governo Lula, garantindo que as coisas iriam mudar no “governo popular e democrático do Partido dos Trabalhadores”. Mudou: na era Lula, se fechou mais rádios comunitárias do que na gestão do Fernando Henrique.

A Justiça, que na ditadura meteu a boca no saco, legitima o decreto de Castelo Branco que fere o direito inalienável do homem à comunicação. A Justiça do sistema faz vistas grossas até à Constituição e manda prender, multar e humilhar cidadãos humildes que ousam desafiar a lógica da ditadura silenciosa e invisível do poder econômico, onde as grandes corporações de comunicação mandam e desmandam.

Vou fazer uma consulta ao aguerrido advogado Américo para saber se alguém pode ser preso com base em um decreto da ditadura militar. Isso que chamam de entulho autoritário ainda vale para reprimir o povo. O que temos hoje está longe de ser uma sociedade livre. Atualmente, nossa liberdade é quase tão tolhida quanto no período militar, embora sejam outros os algozes.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Mais notícias do surrealismo paraibano



- Igreja de Juripiranga, onde ninguém vem ao mundo

Escrevi uma nota sobre cidade da zona da mata paraibana onde não se pode nascer por falta de uma maternidade. Recebi mensagens de perplexidade de muita gente por esse Brasil afora. Uma delas vem de Juripiranga, cidadezinha na fronteira de Pernambuco com a Paraíba. Joanes Leonel informa que lá, também, o cidadão não conta com esse serviço de saúde pública. Portanto, igualmente ninguém nasce em Juripiranga, com cerca de dez mil habitantes. Desses moradores, mais de noventa por cento não vieram ao mundo na sua cidade. As mulheres têm bebês em Pedras de Fogo, João Pessoa ou Itambé em Pernambuco.

A cidade jamais teve maternidade. Segundo Joanes, antigo prefeito tentou construir uma, mas ficou no alicerce e algumas paredes. Esse esboço de prédio hoje serve para abrigar 20 famílias carentes sem teto. Aproveitando o cenário, o vereador Jota Júnior se acorrentou na localidade tentando sensibilizar o prefeito para que fossem construídas as casas das famílias desabrigadas. Em 2004, o atual prefeito prometeu retirar as famílias do local, mas elas continuam morando no esqueleto daquilo que seria a maternidade.

Tom Maroja, o prefeito, disse na rádio comunitária local que já estava tudo pronto para concluir a maternidade, os recursos garantidos e já devidamente empenhados, mas com a saída do governador Cássio Cunha Lima a verba também foi embora, matando a esperança de se construir a maternidade.

Esses momentos surreais de (baixa) política é que fazem alguns moradores de Juripiranga terem vergonha de seus representantes e de não poderem ostentar em suas certidões de nascimento o nome de sua cidade. Cidadãos natos não há em Juripiranga, e isso também pertence ao domínio do absurdo.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

UM INTELECTUAL DE TIMBAÚBA


José Cassiano de Souza foi muito amigo do meu pai, jornalista Arnaud Costa, na cidade de Timbaúba, onde ambos exerciam a atividade de redatores do famoso “Timbaúba Jornal”. Foi músico clarinetista da Banda Euterpina, fundou o Centro Dramático Valdemar de Oliveira, professor, dono de livraria, espírita e poliglota. Faleceu em 1981, com 73 anos de idade.

Duas facetas se sobressaem no timbaubense Cassiano de Souza: seu espírito libertário e seu talento como poeta. Esse meu conterrâneo era dono de uma inteligência privilegiada. Começou a trabalhar cedo no comércio, com 14 anos. Foi trabalhar como balconista, abandonando a escola para ajudar em casa. Aos 48 anos de idade entrou no Ginásio, concluindo o curso de Técnico de Contabilidade na Escola Técnica de Comércio Timbaubense. Sua madrinha de formatura foi sua filha Jandira.

Seu filho Moacir cultua a memória do pai em um site na internet. Nesse espaço cibernético ele informa que “José Cassiano de Souza escreveu muitos artigos, poemas e prosas sobre temas religiosos, filosóficos e políticos, além de assuntos relacionados à sua terra natal, Timbaúba, seus amigos e seus amores. Na década de 40, por ser uma pessoa bastante culta e preparada, passou a lecionar particular à noite em sua residência para atender às solicitações de amigos e ajudar no orçamento familiar, embora tenha ensinado gratuitamente às pessoas carentes que demonstravam interesse em estudar. Espiritualista, acreditava na reencarnação. Era um dos seguidores da doutrina de Alan Kardec, segundo a qual fora da caridade não há salvação. Seu primeiro soneto, escrito aos 14 anos, intitulava-se A Caridade, donde se conclui que com esta idade já era um adepto do espiritismo. Escreveu também vários poemas e sonetos com outros temas religiosos e filosóficos. A simplicidade, a sinceridade, a honestidade e a humildade eram suas principais virtudes, porém jamais se curvou aos poderosos”.

“O Francês era sua língua preferida, tendo feito até poesia neste idioma, além de apreciar o inglês e o latim. Também foi um estudioso do Esperanto, língua internacional, inventada pelo médico polaco Zamenhof, muito estudada pelos espíritas e que no entanto não foi difundida por ser uma língua artificial.
Castro Alves foi o seu poeta preferido. Lia e interpretava as poesias do mesmo para os seus filhos, principalmente O Navio Negreiro da qual ele muito gostava. Era admirador de Victor Hugo, Dante, Guerra Junqueiro, Camões, Bocage, Cassimiro de Abreu, Augusto dos Anjos, José Lins do Rêgo, Manoel Bandeira, Shakespeare, Homero, etc.

De denotada cultura e de grande fluência verbal, a eloquência era um dos dons que o destacava, sendo por isto muitas vezes convidado como orador em várias solenidades oficiais.

Era um grande defensor do Direito e da Justiça, além da moralidade e dos bons costumes, tendo por algum tempo exercido as funções de adjunto de Promotor.
Apesar de ser uma pessoa extremamente politizada, jamais se candidatou a algum cargo político nem subia em palanque para defender partido político ou fazer apologia de qualquer candidato. Os seus ideais e suas ideologias políticas ele defendia em suas poesias, crônicas e artigos escritos em jornais. Era simplesmente um idealista, ou seja, não tinha ambições”.


A FÉ

Para Olímpio Santos

Estranho estado d'alma! Abstração
na qual o humano ser, rompendo os laços
que ao mundo o prendem, ergue aos céus os braços
no anseio de empolgar à perfeição.

Ebúrnea torre mística onde vão
pousar, longe dos térreos embaraços,
transpondo o infindo abismo dos espaços,
as pombas brancas da imaginação.

Escada de Jacob que leva aos céus
o justo que, em demanda da verdade
a idéia busca assimilar de um Deus.

Porta de luz onde a humanidade
da dúvida transpondo os densos véus
penetra nos umbrais da eternidade.

Cassiano de Souza
Timbaúba, set/1942

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Ninguém nasce em Mari


O músico Maximilien Robespierre, mariense que nasceu em Sapé

Quando habitava em Mari, minha mulher inventou de gestar um bruguelo, achando pouco os quatro que eu já dava de comer. De certa forma fiquei satisfeito, sendo meu desejo deixar um herdeiro nascido naquela terra que tão bem me acolheu. Mas ninguém nasce em Mari que lá não tem maternidade. Nasce em Sapé, cidade que fica a 8 quilômetros de distância. Então meu bruguelo nasceu em Sapé, no ano do bicentenário da Revolução Francesa, por isso recebendo o nome de Maximilien Robespierre.

Quase vinte anos depois, a situação continua a mesma. Mari não tem estrutura para receber seus filhos que vêm ao mundo. Como não existe mais a figura da parteira, não há nenhuma chance de se nascer naquele lugar de clima tão aprazível. O hospitalzinho de lá já foi até interditado pela Vigilância Sanitária, de tão acanhado e sem estrutura. Santa Cecília, sua padroeira (do hospital), morre de vergonha da situação. Dizem que o custo de manutenção de uma maternidade não compensa e a entidade não tenta se adequar, vivendo em crise crônica. Desse jeito, só os bebês muito apressadinhos que não esperam chegar a Sapé nascem de todo jeito a caminho da cidade vizinha, cuja maternidade também não é lá essas coisas.

Veja que coisa esquisita: toda uma geração de uma comunidade não nasceu em sua terra, por falta de estrutura hospitalar. Sem poder nascer e sem hospitais, o povo morre à míngua. O dono do hospital é um homem muito rico. Por causa do seu profundo amor ao povo mariense, mantém ainda a casa de saúde, só Deus sabe como, embora muita gente do contra assegure que, no caso, trata-se de “pilantropia”, uma mistura de filantropia com malandragem, que esse povo não dá ponto sem nó.

O prefeito do lugar é um camarada que gosta do seu torrão, sendo ainda um cara confiante e dotado de sentimentos nobres. O sujeito é tão generoso e otimista que nem joga na Mega Sena, porque tem certeza que vai ganhar e quer dar uma chance à galera. Antonio Gomes, o “Juruna”, anda preocupado com a saúde dos seus munícipes. Espera-se que, ao final do seu mandato, o mariense já possa nascer, porque pra morrer qualquer lugar serve.

domingo, 13 de setembro de 2009

Dr. Dedé e o soneto encantado


Poeta Raul de Leoni

O jornal “Itabaiana Hoje”, do meu confrade Geraldo Almeida de Aguiar, publicou uma carta aberta de José Barbosa de Lucena, o conhecidíssimo doutor Dedé, dirigida ao meu pai Arnaud Costa. Na epístola, Dedé pede ao culto Arnaud Costa que o ajude a encontrar um poema perdido na memória, quando ele estudava na escola da também famosíssima professora dona Marieta Medeiros. Um livro didático adotado na época apresentava um soneto com o qual Dedé se identificou de imediato. Decorou a composição poética e vivia declamando para si mesmo. “Era como se existisse um tropismo ancestral para gostar daquela poesia, como se uma força superior, semelhante à que guia as tartarugas para desovar sempre nas praias onde nasceram, me fizesse sempre lembrar da poesia”, escreveu Dedé.

Meninote com seus oito ou nove anos quando tomou conhecimento do poema, Dedé passou a infância e adolescência recitando-o ou fazendo uma leitura mental antes de dormir. Mas o tempo encarregou-se de limpar da sua memória o soneto tão amado. Ficaram apenas três estrofes:

E a Vida passa... efêmera e vazia:
Um adiamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia.

O nosso estimado médico passou mais de 30 anos procurando em vão os versos que faltam para recompor a “poesia símbolo” de sua infância. Lembrar do soneto na íntegra passou a ser uma obsessão. Andou por muitos sebos, consultou literatos, e nada! A poesia simplesmente desapareceu, deixando seu mais fervoroso leitor na dúvida: será que essa poesia nunca existiu, foi apenas fruto da imaginação de criança?

A esperança é o melhor dos médicos, já dizia o provérbio. Ao médico Dr. Dedé, tenho o prazer de anunciar que descobri o texto completo do seu amado poema, escrito por Raul de Leoni, poeta que morreu há mais de oitenta anos e ainda hoje é venerado por seus inúmeros leitores, a exemplo do nosso esculápio. Nasceu em Petrópolis em 1895 e faleceu em 1926. Foi diplomata e deputado. Morreu de tuberculose, uma doença comum aos poetas da época.

Ao insigne editor Geraldo Aguiar, peço encarecidamente que leve ao conhecimento do nosso Dr. Dedé o teor do seu querido soneto.

LEGENDA DOS DIAS

O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas... e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada...
As horas morrem sobre as horas... Nada!

E ao Poente, o Homem, com a sombra recolhida,
Volta, pensando: «Se o Ideal da Vida
Não veio hoje, virá na outra jornada...

Ontem, hoje, amanhã, depois e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera;

E a Vida passa... efémera e vazia:
Um adiamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia.


Raul de Leoni

sábado, 12 de setembro de 2009

NÃO ME RENDO AO INIMIGO


No livro “A Rosa do Povo”, Carlos Drummond de Andrade dá o conselho: “Não grites, não suspires, não te mates: escreve. Escreve romances, relatórios, cartas de suicídio, exposições de motivos, mas escreve. Não te rendas ao inimigo”.

De fato, não tem porque render-se. O inimigo está à espreita e tem muitos nomes: apatia, desânimo, depressão, aposentadoria, doenças físicas, crise econômica, baixa autoestima, diminuição da libido e outros demônios interiores.

Nos antigamentes, eu fazia uma poesia de barricada. Escrevia poemas como disse o poeta pernambucano Marcos Accyoly: “Faço versos como quem mata. A poesia é minha legítima ofensa. Eu escrevo para não morrer”. Meu dileto amigo professor Edmilson Trindade, de Mari, afirmou que minha poesia estava cheia de pessimismo e desolação, mas com rasgos de vida e esperança.

Hoje só faço poesia de cordel e escrevo essas croniquetas aqui na Toca do Leão. Meu compadre e confrade Dalmo Oliveira disse que eu escrevo muito. No sentido de quantidade, não de qualidade. Mas nem é tanto assim. Acordo às 4 da matina, redijo alguma coisa e só. No resto do dia, só leio. Não vejo nada de degradante o sujeito escrever suas besteiras, que ninguém é obrigado a ler. Antes que eu me transforme em uma melancólica sombra de mim mesmo, vou escrever sobre meu povo, sua cultura, sua história e seus heróis, coisas que despertam meu interesse, até fatos desinteressantes como uma conversa fiada na mesa do bar de Zé, que blog é pra isso mesmo, jogar conversa fora. Falar até das coisas desimportantes, “crônica das coisas mínimas e desnecessárias”, como afirma o cearense/pernambucano Samarone Lima.

Mas o que importa é escrever. No momento, dedico-me à redação de um cordel sobre Biu de Pacatuba, um pequeno proprietário rural de Sapé que foi o primeiro presidente das Ligas Camponesas. Junto com Nego Fuba, João Pedro Teixeira e Pedro Fazendeiro, enfrentou o latifúndio, combatendo suas atrocidades e o aparelho repressivo do Estado. É um herói do povo de quem poucos já ouviram falar.

Breve história: quando fundei o sindicato dos ferroviários da Paraíba, a empresa me jogou em um sítio isolado perto de Sapé chamado Entroncamento, para enfraquecer o movimento de organização dessa classe de trabalhadores. Naqueles ermos, pensei que iria escrever bastante. Tempo livre e tranquilidade não faltavam. Só que lá encontrei uma patota de caneiros e quase virei alcoólatra. Na foto, eu à direita com a rapaziada do bar de Garcia “Sapo Bêbado”.

Mestre Zé Duda do Zumbi


Coco de roda em Itabaiana, 1938. (Foto: Luiz Saia)

Quem me dá notícias desse poeta popular é o itabaianense Geraldo Xavier de Oliveira, atualmente radicado em Feira de Santana, Bahia. Pois diz que Mestre Zé Duda do Zumbi guardava na alma as coisas sublimes do universo e cantava essas coisas com a simplicidade do sabiá. Foi um gênio da poesia popular, infelizmente esquecido.

Mestre Zé Duda do Zumbi nasceu no povoado de Salgado de São Félix, em 1866, e faleceu em 1931, no bairro do Zumbi, em Recife. Naquela remota época, Salgado pertencia ao município de Itabaiana/PB.

Dizem que era um homem simples, como simples foi também o poeta Patativa do Assaré, o próprio Zé da Luz e tantos outros cuja grandeza nem sempre é reconhecida pela cultura oficial. O grande pensador católico Tristão de Ataíde expressa o entendimento de Jesus Cristo para conceituar esses poetas do povo: “Graças a Ti dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e doutores e as revelastes aos pequeninos”. (Mateus, 11, 12 e Lucas, 10, 21).

O que nos resta é guardar o nome do nosso poeta no panteão dos artistas imortais da terra de Sivuca. Nada de sua produção ficou registrado, pelo que sei. No entanto, se um homem analfabeto e pobre nasceu no século 19 e morreu no começo do século 20, cujo nome ainda hoje é citado em monografias acadêmicas, é porque o valor de sua arte ultrapassou as fronteiras do tempo, assumindo uma dimensão de lenda.

O nome dele é José Galdino da Silva Duda, que passa a fazer parte do rol dos artistas populares imortais de nossa terra. No dizer de Geraldo Xavier, “Itabaiana sempre foi um pólo aglutinador da cultura regional. Suas escolas, de tradição quase secular, têm servido à comunidade, educando diversas gerações de jovens, inclusive de cidades próximas como Pilar, Caldas Brandão, Ingá, Umbuzeiro, Natuba, São José dos Ramos, Juripiranga, Salgado de São Félix e Mogeiro, estes dois últimos, antigos distritos do município.” Além da escola tradicional, a feira de Itabaiana era a universidade do povo, onde os artistas se exibiam e despertavam as vocações de outros. O mestre Sivuca soube que nasceu para a música quando ouviu um rabequeiro cego na feira de Itabaiana. Zé da Luz provavelmente se encantou com um vendedor de folhetos de cordel cantando seu produto no meio da feira para os matutos extasiados.

Aliás, a feira de Itabaiana é o tema principal da monografia de Geraldo Xavier. “A feira de Itabaiana e o cordel”, título do trabalho, teve orientação do professor Humberto José Fonseca, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, para a graduação em História. Ele ressalta a importância da feira para a divulgação da literatura de cordel, citando a tipografia “A Folha”, sob a responsabilidade do gráfico Nabor Nunes, onde eram confeccionados os folhetos. O chefe de oficina era Djalma Pereira de Aguiar, tio do autor. Meu pai Arnaud Costa também trabalhou nesta tipografia na mesma época. Geraldo cita ainda duas outras tipografias existentes em Itabaiana, “uma próxima da Rua do Rio, e outra destinada exclusivamente à produção de folhetos, que era de propriedade do cordelista Caetano Cosme da Silva, situada no alto da Rua Treze de Maio, a popular Rua do Carretel.”

www.fabiomozart.blogspot.com
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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

PC do Boi


Sentença de Maninho no bar de Zé: “há coisas que só se vê em Jaguaribe”. Tenho que concordar com meu compadre, sobretudo depois de ter lido “Bandeiras vermelhas – A presença dos comunistas na Paraíba”, de autoria de Waldir Porfírio. Por esta obra, fiquei sabendo que, nos primeiros anos da década de 30, o Partido Comunista do Brasil instalou uma célula, que era a forma de organização de base, no bucólico bairro de Jaguaribe. Desta célula comunista participavam João Ricardo como Secretário Político, Neves como Secretário Sindical e Severino Diogo no cargo de Secretário de Organização, uma espécie de tesoureiro, cobrador da contribuição dos “sócios”. Pois a base comunista de Jaguaribe chamava-se “Célula São José”, talvez a única célula deste partido no mundo com nome de santo. Como se sabe, a filosofia comunista não revela muita deferência com crenças religiosas.

O grande comunista do bairro atendia por João Batista Barbosa, um militante vermelho de atuação destacada nos primeiros anos de formação do partido em João Pessoa. Com sacrifício próprio de um tempo onde o preconceito e a desinformação eram muitíssimo maiores, o pequeno grupo de comunistas de Jaguaribe se reunia a partir das 10 horas da noite, “adentrando na madrugada”. Faziam pichações em muros, contatavam lideranças sindicais do bairro, colocavam bandeiras do PCB nos postes de iluminação e fugiam da polícia.

O Partido Comunista do Brasil, nos seus primórdios, atraiu a elite jovem e pensante na capital paraibana. Destacando o cineasta Wladimir Carvalho, o teatrólogo Paulo Pontes, Breno Mattos, Durval Leal, Bento da Gama, João Manoel de Carvalho e Severino dos Ramos Soares, o Prezado, além do teatrólogo Raimundo Nonato Batista, que criou o Teatro Popular de Arte em agosto de 1957, levando peças teatrais de conteúdo político para a juventude.

Atualmente, o Partido Comunista do Brasil ainda tem sede em Jaguaribe. Atendendo ao centralismo etílico, a sede fica vizinha ao bar de dona Chiquitita, na Rua Alberto de Brito. Lá militam com galhardia e fé meu compadre Mandela, o poeta Ybervile e tantos outros vermelhos modernos. Já não apanham da polícia nem saem de madrugada pichando muros. O Secretário Geral é um delegado de polícia aposentado. A única tarefa de massa no partido, segundo me confidenciou Silvio Lixo, um militante para assuntos carnavalescos, é a saída da troça “Boi Vermelho”, reunindo os combatentes comunistas e outros galhofeiros da vizinhança durante as prévias do carnaval. Sílvio só tem uma ressalva quanto à alegoria: o boi vermelho parece uma centopéia, tem mais de 10 metros de comprimento e debaixo do touro esquerdista brincam muitas pessoas. “Descaracteriza a brincadeira popular”, reclama Sílvio.

O Partido Comunista do Brasil hoje é a favor. Acomodaram-se à ordem capitalista. “Os comunistas locais não passam de retardados vendidos”, ataca um comunista de carteirinha, desiludido. Eu não diria tanto. Mas acho que o boi vermelho, além de muito longo, ficou pesadão, ganhou peso e se acomodou.
Só pra lembrar, sem muito a ver: ano passado tomei uma garrafa de Marimbondo para comemorar os 100 anos de Cartola. Ele foi uma prova viva de que a classe trabalhadora pode superar o embrutecimento e a alienação que a burguesia tenta nos impor. Com arte e sensibilidade.

"... Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó..."

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

NOSSO EMBAIXADOR EM CAMPO GRANDE



Em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, um homem acorda todo dia cinco e meia da manhã, liga o computador e recomeça seu depoimento sobre uma cidade longínqua, lá pras bandas do Nordeste, interior da Paraíba. Editou algumas obras sobre esse assunto e outros, chegando a ter o reconhecimento dos que privam de sua presença enriquecedora naquele recanto do Brasil. Por isso foi eleito para a Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. Já escreveu poesias, crônicas, biografias e romances. Seu grande tema é Itabaiana, cidade onde nasceu e passou sua infância.

O nome dele é Reginaldo Alves de Araújo, um homem simples como simples são seus escritos. Reginaldo é nosso embaixador no Mato Grosso do Sul. Lidera um processo de integração cultural com a perspectiva de valorizar sua terra, de mostrar aos seus atuais conterrâneos o valor de sua aldeia e dos artistas itabaianenses. Já veio aqui várias vezes, lançou livros, trouxe amigos de lá, apoiou eventos culturais e artísticos, enfim, consegue imprimir uma matriz de opinião segundo a qual somos um povo inteligente, altivo e dedicado às artes. Itabaiana tem uma ótima fama em Mato Grosso do Sul graças ao empenho de Reginaldo na transmissão de mensagens positivas a respeito da terrinha.

Na foto que ilustra a matéria do nosso blog, Reginaldo Araújo aparece ao lado da artista plástica Janete Ribeiro, de Mato Grosso do Sul. O nosso escritor foi prestigiar as obras da artista no espaço Saneartes. É assim sua vida, sempre disposto a dar sustentáculo aos criadores, aos que têm sentimento e gosto pela arte. A pessoa simples e desafetada que é já deveria estar coberta pelos louros da glória do reconhecimento em sua terra natal, pela estima e importância que dá às coisas itabaianenes em terras do Mato Grosso do Sul e em outras instâncias onde atua.

Interessante e peculiar o material que Reginaldo vem enviando para este humilde escriba, que fará parte de futuro livro de crônicas, mais uma vez sobre sua querida Itabaiana. O tema também invade um livreto que estou escrevendo, sempre remetendo a fatos e dados históricos da terra de Sivuca. Quem sabe, em 2010 estaremos juntos lançando os dois livros.

Aqui, dois cidadãos têm a honra de ser ponta-de-lança de Reginaldo, legítimos prepostos e mandatários do nosso embaixador em Mato Grosso do Sul. Um deles é o jornalista Geraldo Aguiar, editor do literário “Itabaiana Hoje”, o outro é Beto de Zé de Paulo. No que dependa dessas duas figuras ilustres, a criatividade e inteligência de Reginaldo, e seu amor pela terra natal, serão perenizados. De minha parte, já sou fã do seu texto. Estarei na retaguarda, ativo e solidário com meu confrade Reginaldo Araújo, aguardando o privilégio de conhece-lo pessoalmente.

Atentado em Itabaiana




Assis Lemos, em capa de revista.

No romance “O Tempo e o Vento”, Érico Veríssimo criou o personagem Tio Bicho, um incrédulo quanto à bondade humana. “Não levo a sério essas panacéias sociais, tipo socialismo, comunismo e outros. Não creio na bondade inata do homem. Ele está mais perto do animal do que ele próprio imagina. Tem ainda a marca da jungle. Essa história de amor cristão, altruísmo etc., não passa de conversa fiada. O homem hipocritamente se atribui sentimentos e qualidades que na realidade não possui. É um carreirista safado no plano moral. Todos nós somos safados, e assim a comédia humana continua”, sentenciava Tio Bicho.

Na verdade, desde os primórdios da humanidade que o bicho homem é o mesmo: vilão e generoso, odiento e amoroso, bruto e afetuoso, traidor e fiel, corajoso e pusilânime, egoísta e abnegado, generoso e mesquinho. É assim a natureza humana. A ambição, a luta pelo poder e pela riqueza mudam de cenário, mas se repetem pela história da humanidade, com os que se notabilizam pela magnanimidade ou pela torpeza.

Na Paraíba temos os nossos heróis, os que se dedicaram a ajudar os outros com sacrifício da própria vida. Um deles chama-se Francisco de Assis Lemos de Souza, ele que foi um ativo participante das Ligas Camponesas no Estado, pagando preço muito elevado por estar ao lado dos trabalhadores do campo. Quando veio o golpe militar, ele perdeu o mandato de deputado estadual, teve seus direitos políticos cassados, saiu da Universidade onde era professor e foi preso na Ilha de Fernando de Noronha.

No livro “Nordeste, o Vietnã que não houve”, Assis Lemos conta o episódio de um atentado que sofreu em Itabaiana. Em 11 de setembro de 1962, ele e o líder camponês Pedro Fazendeiro foram para uma reunião com a diretoria da Liga Camponesa local, para escolher os servidores que iriam trabalhar no Posto Médico, como de fato foram indicados os médicos Everaldo Pimentel e Lindonor Pires, entre outros funcionários. Após a reunião, entrou no recinto um grupo de dez pessoas liderado por Manfredo Veloso Borges, todos armados de revólver, para matar o deputado. Ao tentar fugir, Assis Lemos foi atingido por “violenta joelhada nos órgãos genitais”. Era dia de feira. A vítima saiu pelo meio da multidão para procurar a Polícia. “Encontrei o delegado que seguiu comigo de volta à sede da Liga. Lá encontramos Pedro Fazendeiro caído no chão, ensanguentado. Os criminosos haviam desaparecido”, conta Assis Lemos no seu livro.

O atentado às lideranças camponesas repercutiu em todo o País. Devido à pancada, Assis Lemos teve que ser operado. No Hospital, recebeu a visita do Almirante Cândido Aragão, Comandante dos Fuzileiros Navais. “Perguntou que tipo de arma possuía para minha defesa, eu respondi, ‘nenhuma’, que andava desarmado, sem guarda-costas”. Recebeu um revólver Colt 45, com o devido porte de armas. Na noite de 31 de março de 1964, véspera da quartelada, Lemos fugiu para o Recife, entregando a arma ao então deputado José Maranhão.

Assis Lemos hoje vive em Londrina, no Paraná. Ficou conhecido pela sua coragem pessoal, capacidade de liderança e coerência ideológica. Pode-se discordar de suas idéias políticas, mas nunca de sua integridade moral e idealismo em favor dos injustiçados. Agrônomo, vivenciou de perto as condições sub-humanas em que viviam os camponeses paraibanos, e por eles decidiu lutar, pondo em risco a própria sobrevivência e da família. Foi vítima das mais cruéis perseguições, como esse atentado em Itabaiana. Continua o mesmo homem, o mesmo militante pelas causas sociais.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

PARADA MILITAR


Não fui assistir ao desfile militar do Sete de Setembro, por mais que reconheça os méritos das Forças Armadas na preservação de minha liberdade. Sou livre, e deveria festejar isso aplaudindo os soldados que exibiram suas armas, seus tanques e uniformes garbosos na avenida. No entanto, sou um caso raro de patriota que desconfia dessas patriotadas e pavonices marciais. Fui estudante na época em que os militares mandavam em tudo no Brasil, e morria de medo dos meganhas em guerra suja contra jovens desarmados, agricultores famintos e jornalistas afoitos.

Outro dia, no bar do Zé, achei de discutir estratégia militar com um reformado da aeronáutica. Disse que achava uma estupidez a existência de tantos quartéis em João Pessoa, uma cidade que não faz fronteira com nenhum país, amigo ou inimigo, e, portanto, está longe de precisar arregimentar soldados para uma guerra, única finalidade dos exércitos. Melhor seria aproveitar os rapazes nas extensas fronteiras do Norte, rompidas diuturnamente por narcotraficantes e guerrilheiros estrangeiros. O sargento aviador concordou comigo.

Melhor fez José Figuerez - Don “Pepe” Figuerez - Presidente da Costa Rica que em 1948 tomou o poder, derrubando o ditador Rafael Calderón Garcia, instalando a democracia no país. Até hoje é considerado o “Pai da Pátria” por ter a coragem de extinguir pura e simplesmente o Exército do seu país através de um simples decreto. Terminado seu mandato, Figuerez foi para casa, sem medo de quarteladas e golpes militares. Atualmente, Costa Rica é uma democracia estável, próspera e feliz, sem Exército.

Nos anos de chumbo, eu editava em Itabaiana um jornal por nome Alvorada, junto com outros dois malucos: Arnaldo Barbalho e Agnaldo Barbosa. Por ter publicado um artigo falando mal do chefete político local, fomos intimados a prestar declarações no quartel do 15º Regimento de Infantaria, em João Pessoa. Após “chá de cadeira” de mais de quatro horas, o oficial nos chamou ao seu gabinete. Quando nos sentamos, o homem deu um grito, mandando todo mundo ficar de pé. Depois, amável, disse que havia um mal entendido, que aquilo era “coisa de estudante e que o Exército não iria perder tempo com denúncias vazias de políticos do interior”. Mais calmos, fomos enfim convidados a sentar e tomar um cafezinho. Eu recusei, por não tomar café. Os meninos pegaram as xícaras e pires com as mãos trêmulas, devido à tortura psicológica. O militar deu outro grito, chamando-os de comunistas.

--- Estão tremendo porque têm culpa no cartório, comunistas de merda!

Ficou nisso um bom tempo. O cara amaciava e depois nos assustava aos berros e ameaças. Devia ser técnica de tortura psicológica que ele aprendeu com os milicos americanos. Mas a grande gafe foi de minha autoria. Em determinado momento, eu, que nunca servi ao Exército e desconheço essas coisas de patente e hierarquia militar, chamei o homem de sargento. Na qualidade de Capitão, ele quase me bate. A mancada me valeu o apelido: passei a ser chamado de “Sargento” pelos dois colegas sacanas por um bom tempo.

Sim, ainda hoje lembro o título da crônica que causou aquele reboliço todo: “O homem do chapéu grande”. Era um tempo em que os aprendizes de ditadores preferiam quepe a chapéu.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Antonio Santiago versus José Silveira


Marechal Henrique Teixeira Lott ganhou com a UDN em Itabaiana

A escritora paraibana Maria José Limeira escreveu uma biografia do político itabaianense Antonio Batista Santiago, que foi prefeito e deputado estadual. Em um dos capítulos da obra, ela se refere às eleições majoritárias de 1955 para a escolha do Presidente da República, governadores dos estados e prefeitos. Foi nessa eleição que surgiu o líder populista José Silveira, um proprietário rural que se candidatou pelo Partido Social Democrata – PSD – contra a União Democrática Nacional – UDN – capitaneada em Itabaiana pelo médico Antonio Batista Santiago, apoiado pelos fazendeiros. Zé Silveira “entendia a linguagem das massas”, andava de alpercatas, sua marca pessoal. Ele se fazia presente nas vilas, nos subúrbios, mobilizando o povo, prestando pequenos favores, enfim desempenhando o papel de um autêntico populista e inflamando a opinião pública, principalmente nos segmentos mais pobres. Virou o “pai da pobreza”.

Mas não foi fácil vencer Antonio Santiago naquela eleição. Depois de uma campanha inflamada, os dois políticos se transformaram em inimigos pessoais, ódio que fez história em Itabaiana por muitos anos. O PSD também fez o vice-prefeito, que naquela época era também votado, sendo eleito o jornalista José Cecílio Batista Filho contra José Rodrigues de Lima. Juscelino ganhou para Presidente da República e José Américo de Almeida para governador da Paraíba.

Em 1960, o candidato a presidente Marechal Lott obteve 2.936 votos; Jânio Quadros 1.855. Para governador, Janduhy Carneiro somou 3.290 votos contra 1.945 dados a Pedro Gondim. Jânio ganhou na Paraíba, mas em Itabaiana a UDN mostrou força naquela eleição.

Por trás de José Benedito da Silveira atuava seu irmão Mário Silveira, na condição de deputado, oferecendo-lhe sustentação política. Zé Silveira andava de alpercatas, bebendo com as pessoas simples pelos botecos, participando de vaquejadas e atendendo à população pobre, que o adorava. O seu adversário, Dr. Santiago, era exatamente o contrário: andava engravatado, terno escuro, cara fechada e nenhuma disposição para agradar ao populacho. Era um homem honesto, mas intransigente. Seu ódio pelos Silveira somente cessaria pela violência, com o assassinato de José em 1962, por um membro da família Veloso Borges, também arqui-rival de Zé e Mário Silveira. Santiago fechou sua vingança com a cassação do deputado Mário Silveira em 1969.

domingo, 6 de setembro de 2009

Perdendo o trem da História


Esta expressão me veio após leitura do livro “A agridoce vida”, do itabaianense Cláudio José Lopes Rodrigues. Na obra, ele discorre sobre a história de sua família, que teve origem em Itabaiana. Rodrigues, que é professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba, cita nomes de antigos moradores de Itabaiana, terra natal de sua mãe, Maria José Rodrigues Lopes, Zeínha. Pessoas que devem ser conhecidas do meu compadre Geraldo Aguiar e de outras pessoas mais próximas desses antepassados. Outro escritor itabaianense, Reginaldo Alves de Araújo, certamente conheceu muitas dessas figuras citadas na obra de Cláudio, ele que também é um memorialista de sua terra natal.

No capítulo em que narra o começo do romance do seu pai com Zeínha, Cláudio destaca a genealogia de sua genitora, que ficou órfã em 1924 com os irmãos Sebastiana (Niná), Francisco, Adauto, Natália e Liquinha. Moravam em Campo Grande, distrito de Itabaiana. Com a morte dos pais, Chico e Adauto assumiram a tarefa de manter a família, à frente de uma tropa de burros, botando água de aluguel. Como auxiliares, os dois irmãos contrataram Severino Fumaça e seu filho, Artur Fumaça, que depois veio a se revelar como o maior violonista da terra de Sivuca. Maria Fumaça, irmã de Artur, trabalhava como doméstica na casa dos órfãos. A receita da família era complementada por Niná, que trabalhava como costureira.

Niná era freqüentadora da Igreja, onde fez amizade com dona Vina, mulher de Luiz Ribeiro Coutinho, comerciante de algodão e pessoa influente na época. Por conta dessa amizade, três dos irmãos foram internados no Instituto São José, no Recife. Zeínha foi morar nesse educandário, onde ficou mais de um ano. Com saudades de Itabaiana, voltou e foi estudar no Colégio São José, da famosa professora Marieta Medeiros, que era sua madrinha de crisma. Moraram na Rua da Boca da Mata, próximo ao coreto, depois na rua Djalma Dutra, no Alto dos Currais. Depois, foram morar do outro lado da ponte, no “Alto de seu Elias”.

Natália casou-se com Jaime Quirino Costa, de uma família bem situada na cidade, mas adepto de uma farra, sujeito irresponsável que gostava de um carteado e de noitadas no cabaré. Diz o autor que ele era tão desregrado que a sua mãe, a viúva dona Josina, muitas vezes tinha que entrar nos cabarés para “arrancar o filho do meio das putas”. O casal teve duas filhas, Nailde e Natilde.

Outra figura que merece destaque entre os personagens itabaianenses do livro de Cláudio José Lopes, chamava-se Clecinha. Morava em Campo Grande, era solteirona, gostava de tocar bandolim, figura de destaque na sociedade de então.

Muitos anos depois, o autor do livro voltou a Itabaiana com sua mãe, para rever os cenários onde ela passou sua infância e mocidade. Era uma visita à sua remota juventude. Semelhante ao enredo de um conto magistral de Aníbal Machado, “Volta aos seios de Duília”, falando de um homem que resolveu retornar, depois de velho, à sua cidade natal para rever Duília, seu amor do passado, a desilusão e o desapontamento foram intensos. Nada mais havia que lembrasse a velha Itabaiana dos anos 40/50.

Encontraram um velho conhecido de Campo Grande. “Itabaiana melhorou?”, perguntaram. Que nada - disse o homem – ficou pior; até o trem de passageiros, que era a porta de entrada de Pernambuco na Paraíba, não existe mais.

(A Agridoce Vida – Cláudio José Lopes Rodrigues – João Pessoa – 2009 – Editora Idéia)

sábado, 5 de setembro de 2009

VAMOS AO PONTO



O Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, da Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba, irá funcionar em espaço localizado na Galeria Lins, em Itabaiana. A meta é iniciar os trabalhos em meados de outubro vindouro.

A equipe responsável: Edgles Gonçalves, Wagner Lins, Débora Lins, Marcos Veloso, Fábio Mozart e Clévia Paz. Objetivos principais:

01- Fazer conhecer e divulgar a cultura regional;

02- Contribuir para a valorização e o estudo da cultura itabaianense;

03- Incentivar os produtores culturais;

04- Criar meios para a produção nas áreas de audiovisuais, teatro, artes plásticas e música;

05- Instrumentalizar os grupos artísticos locais e dar visibilidade à sua produção;

06- Desenvolver e divulgar tecnologia livre no campo da informática;

07- Trabalhar práticas de rádio comunitária, conteúdo e gerenciamento, além de técnica de operação;

08- Fortalecer a economia local, estimulando a geração de emprego e renda em economia solidária;

09- Formar educadores/multiplicadores populares;

10- Incentivar o turismo cultural e ecológico na região.

Música, teatro, dança, canto, literatura…! Expressões artísticas de todas as vertentes. O Ponto de Cultura Cantiga de Ninar vai reunir o que há de mais vanguardista, promissor e moderno na cultura do interior, sem esquecer das raízes locais, que precisam ser preservadas. Tudo isso por uma cultura mais humana, igualitária e democrática.

Ponto de Cultura é o Brasil, é o seu povo, é a sua força e seu talento. Ponto de Cultura é mais que um agrupamento de gente fazendo arte, é uma rede de pessoas imbuídas com o melhor que há da cultura de um povo e que faz da arte sua mais perfeita forma de expressão. “Não se inaugura um Ponto de Cultura, pois o Ponto é algo que já existia”, declarou o historiador Célio Turino, secretário nacional da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura e idealizador dos Pontos de Cultura.

O Brasil hoje tem cerca de 2.000 Pontos espalhados por todo o País. Cada qual com sua arte, com sua forma de implementar a cultura, desde a erudita até a dos povos mais tradicionais do Alto Xingu. São milhões de brasileiros que foram “desescondidos” por meio desta política pública que começa a tomar a forma de um grande movimento social nacional. “Se este projeto vai se tornar perene, depende de cada um se levantar e declarar: EU SOU UM PONTO DE CULTURA!”, conclamou o secretário de Cidadania Cultural, na abertura da Teia Nacional 2008, em Brasília.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A heroína da Confederação do Equador


A cidade de Itabaiana viveu, em 1824, a maior batalha já travada em solo paraibano, de brasileiros separatistas e republicanos contra os prepostos de Portugal. Os historiadores contam que os rebeldes, liderados por Félix Antonio Ferreira de Albuquerque, contavam com mil e quinhentos soldados. O combate se deu no Riacho das Pedras, com muitas mortes depois de quatro horas de luta. Cada grupo recuou: os legalistas voltaram para Pilar, e os revolucionários foram para Juripiranga, de lá fugindo para o Ceará. Entre eles estava o famoso Frei Caneca, um religioso que deu sua vida pela liberdade do Brasil.

Maria Joaquina de Santana era mulher do Capitão Félix Antonio, ela uma paraibana de fibra, que lutou até o último momento pela liberdade e pela honra do seu marido e de sua pátria. Ela foi o símbolo da valentia da mulher paraibana na Confederação do Equador, tendo um papel de destaque nas lutas dos revolucionários separatistas, os primeiros choques entre brasileiros e portugueses pela independência do Brasil. Em Itabaiana, os revoltosos esperaram reforço prometido de Pernambuco, que nunca chegou.

Aquela batalha, a mais importante da Confederação do Equador, ficou marcada pela figura de uma mulher corajosa. Já dizia o filósofo francês André Comte Sponville, que “a coragem é a mais admirada das virtudes, desfrutando um prestígio que independe da época nem da sociedade. Em toda parte e em qualquer tempo, a covardia é desprezada e a coragem é estimada”. Foi essa a impressão que deixou na história essa mulher, Maria Joaquina de Santana, cuja bravura, ao lado do marido, nunca será apagada das nossas mentes. Conta-se que o Capitão Félix Antonio foi morto na Fazenda Oratório, em Pedras de Fogo, vítima de traição de um “amigo”. A intrépida Maria Joaquina matou pessoalmente o assassino do marido, com um tiro de bacamarte.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

QUORUM NA TOCA


Pelo menos dez pessoas já confirmaram que leem diariamente o meu blog Toca do Leão, de forma que já tenho o quorum mínimo. Algumas delas até enviam mensagens, comentando as croniquetas aqui publicadas. Eis algumas dessas opiniões dos meus compadres:
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Fábio:
Parabenizo a todos que se empenharam na construção-aquisição deste equipamento-centro cultural para nossa injustiçada Itabaiana. (Ponto de Cultura).
A infância, a juventude e o povo desta terra não merecem tanto desrespeito (e exploração) como são tratados há muito tempo.
Parabéns ao núcleo (idealista?) que também através da História tenta superar o estado vexatório ao qual foi constrangida a população pobre, (como se aí tivessem ricos...), de nossa amada Itabaiana.
Fábio, Adeildo Vieira, Marcos Veloso, Clévia Paz e outros que pela cultura, pela educação, pela arte, fazem a boa política que contribui para a emancipação de nossa gente. (embora não conheça nenhum pessoalmente, mas pelo "ouvir dizer").
Vocês merecem muito nosso respeito, nossa atenção.
Um abraço fortíssimo e um desejo imenso de que as coisas dêem certo.
Para o bem dessa gente tão querida.
Força, moçada do Cantiga de Ninar
atenciosamente
Benjamim - Uepb
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Mestre Fábio Mozart, que bom que você colocou pro mundo a nossa visita em sua casa no Jardim Glória em Jaguaribe, neste último sábado. Estamos juntos. Aguardo seu contato para aquela visita na casa de Zenito para continuarmos a filmagem dos depoimentos sobre Idalmo, esse professor que a cidade toda conhece desde os anos petistas.
Abração,
Pedro Osmar
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Legal, amigo. Vou repassar em um dos meus programas, e com certeza te darei o crédito. Estou fazendo aos domingos, em São Paulo do Potengi-RN, das 10 às 12, um programa na Rádio Potengi-AM. – Radialista Hugo Tavares sobre “Onde andará Nero, o gladiador?”
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Beleza de texto, Fábio Mozart. Mesmo sem se ver Miro do Babau pra conferir, como é meu caso, sente-se que sua representação dele é soberba. - WJ Solha, sobre “Miro do Babau é o cara!”
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Grande Fábio:
Sua crônica lembrou-me o prof. Idalmo Silva e a prof. Bebé, até porque ambos foram meus mestres no período que vivi em Itabaiana: da 2ª metade da década de 1960 e 1ª da de 1970...
A profª. Bebé não tenho muito o que acrescentar, foi "normal", tirando o "incidente político" com o Idalmo... Já o prof. Idalmo, tenho três fatos que talvez ainda se lembre - do último lhe devo desculpas até hoje, embora mais de 30 anos já tenham se transcorrido, como o "crime" prescreveu, posso falar mais adiante...
O primeiro fato é que nunca consegui lhe devolver um livro sobre Rosa Luxemburgo e outro sobre História Geral - uma raridade de A. Souto Mayor, isso por volta de 1972, 73; já o segundo foi mais interessante - era Idalmo o Presidente da Seção Eleitoral onde fui 1º mesário e "escrutinador" nas eleições de 15.11.1976 (ainda tenho docts com o visto dele)...
Mas, o terceiro fato foi mais sério: uma brincadeira de gosto duvidoso, regada a muita cerveja e cachaça e tendo como comparsas o saudoso Zé Amâncio, eu e o não menos arteiro Arnaldinho do DER, lá pelos idos de 1977, quando protagonizamos uma grande farra, com algumas afilhadas de dona Nevinha, bem na calçada do nosso inesquecível mestre Idalmo, que, com toda razão nos deu uma tremenda bronca - afinal já passava da meia-noite..
Bons tempos aqueles em que mestres e alunos eram tão próximos e as aulas se estendiam muros afora...
Abraços
David Andrade Monte - Palmas-TO
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Olá Fábio,
sou filho do João Neto do DER.
Por mais que eu tente não falar "mal" da cidade onde nasci, situação que me parece eternizá-la no negativismo, não dá para “engolir” determinados casos.
Eu não tinha conhecimento sobre a enquete do Memorial de Sivuca, contudo, acredito que o referido empreendimento poderia atrair turismo à Itabaiana, mostrando os valores e importância do artista, até mesmo para a população local, que não reconhece os talentos que possui, sejam eles vivos ou mortos.
Devemos ter cautela e enxergar além, pois, uma vez o Memorial construído, permanecerá para sempre na cidade. Os prefeitos passam, mas a cultura de um povo permanece.
Atenciosamente,
Eduardo Alves
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Oi, Fábio Mozart, saudações teatrais.
Embora esteja há séculos fora da atividade teatral (mesmo que Regina Papini, ex-aluna da Piollin, tenha realizado uma montagem sem muita repercussão da minha peça "A Cara do Povo do Jeito Que Ela É", recentemente, em São Paulo) e esteja também muito ausente da Paraíba (estive um mês no litoral do Pará, na Amazônia, sem internet, e, agora, em Porto Alegre), tomei conhecimento da sua luta pela restauração da FPTA, que, com a participação de alguns contemporâneos, ajudei a fundar na qualidade de então representante da Confenata (Confederação Nacional de Teatro Amador) na Paraíba. Parabéns por sua iniciativa. Vá em frente. Afinal, você está querendo reativar um movimento que nunca acabou. Deformou-se, mas estava (ou ainda está) em estado cataléptico. Não está morto. Aliás, quem pensa o contrário, é porque entende que a Paraíba termina na Ponte Sanhauá. Vá em frente, rapaz. Não desista nunca.
Alarico Correia Neto

PS: Você sabia que a Federação Paraibana de Teatro Amador nasceu com ideologia e estrutura político-organizacional parlamentarista? Por que não faz uma pesquisa e escreve essa história da FPTA, incluindo a perseguição da PF a Ubiratan de Assis, seu primeiro presidente?
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Fábio, esse Eliel de quem você fala é aquele filho de Dona Severina que tinha um pequeno restaurante em frente à tipografia d’A Folha? Lembro bem dele. E de seu pai, também. Trabalhei na tipografia nos anos 60. Sou sobrinho de Djalma Aguiar.
Geraldo Xavier – Feira de Santana – BA (Sobre a crônica “Um Poeta Aquático”)