Amador Ribeiro Neto é
poeta, crítico de literatura e professor da Universidade Federal da Paraíba. No
Correio das Artes, edição de novembro de 2019, ele escreveu: “Em abril deste
ano, uma amiga. Queridíssima. Uma irmã. Que João Pessoa amalgamou ao meu peito
paraibano. Há vinte e oito anos amalgamou. De repente um câncer surgiu no
músculo do braço direito. Câncer muscular? Câncer bobo, decretei. Errei. Cinco
meses depois. Morta. Grande golpe da solidão. O olhar vívido. A risada franca e
maravilhosamente estrepitosa. A irreverência dos modos tropicalistas. O
feminismo despojado. A convivência fraterna com deus e o diabo na terra do sol
e do frio. Na rua e na universidade. Desafiando a sisudez dos caretas. Tua
alegria de viver e reinventar a alegria fica conosco Berna, Bernadete,
Bernadete Palhano”.
Arremedando o estilo
pessoal do Amador e suas frases curtas, peço desculpas ao mestre pela paródia.
É que somos irmãos. Eu, Berna e Amador. O poeta, por se considerar afetivamente
fraterno. Eu, por ter conhecido Berna quando ela começava a se envolver com a
vida. Aos treze anos. Cidade: Itabaiana. Fomos vizinhos e comparsas. Desde
cedo. A família Palhano: Berna, Romualdo, Roberto, Tânia, Ecilio, Palmira.
Jogávamos brincadeiras de fingimento. Teatro amador. Meu primeiro texto. A
primeira vez da família Palhano no palco. A mãe, dona Hilda, figurinista e
costureira. O pai, Manoel, eletricista e animador de plateia. Berna era Bebé, e
assim ficou. Para a nossa família teatral, é Bebé. Amador Ribeiro fala da
convivência afetiva de Bebé com deus e o diabo. Na peça ela fazia um diabinho
inocente de cordel. Os demais completavam o staff diabólico. Ecilio, o Diabo
Chefe. Beto Palhano, o subsecretário do Diabo. Romualdo, terceiro-sargento da
Polícia Militar Infernal. Tânia, oficial de gabinete do Canhoto. Eu, Lampião
imaculado e simplório.
Bebé deixou o teatro
diletante e foi cuidar da vida acadêmica. Palmira virou atriz consagrada.
Romualdo converteu-se em pós-doutor teatral e escritor. Hoje, baixa o pano e
Bebé desaparece por trás das coxias. Diz um companheiro: teus amigos não são os
que hoje te cercam. No galope da vida, camaradas vão e vêm. Os das primeiras
rotas e viagens permanecem. Mesmo que no subconsciente. Com sua carga
comovedora. Às vezes, chocante. Impacta saber, de repente, que uma colega
primordial dorme. Com suas asas quietas. Para sempre. Asas de elaborar
vivências. A amiga comum chorou. Lamento de amizade encarnada, dessas que
ficam.
O homem é um ser
processional. Vivemos e morremos acompanhando nossos anjos. E demônios. Nossas
sombras. Uma vela sempre pronta. Para vigiar e esconder nossas angústias de
estar no mundo. Ruímos. Perdemos o rumo da procissão dos aflitos. Quando a
noite desmesurável desaba sobre alguém nosso. Glória aos que creem. Os que
dizem perceber a geografia do além e se ajoelham. Ao Senhor Ente Infinito. Aos
infiéis, o medo bruto. O horror supremo do aniquilamento.
Aqui deixo minha saudação
a Bebé, conforme enunciava Agostinho de Aguiar e Silva, meu compadre preto
velho: “Vai na fé, irmã das almas!”. Citando o poeta Jorge de Lima. Para uma
amiga morta: “Agora Lis descansa onde? Em que mansão descansas, Lis? Pensas que
Lis morreu talvez. Lis não foi para nenhuma gente maldita ou plaga obscura,
onde não haja poesia. Livre de sombras e de brumas, Lis ressurgiu sempre mais
pura, como as estrelas alvadias. Lis foi enterrada viva, num recanto de céu
entre as estrelas”.
EM TEMPO: No dia 27 de
novembro, a Escola Sesquicentenário, localizada na Rua Minas Gerais, Bairro dos
Estados, em João Pessoa, inaugurou a Biblioteca Bernadete Rodrigues Palhano em
homenagem à professora falecida que ali prestou serviços durante décadas.
(Publicado no jornal A UNIÃO, edição de 01/12/2019, coluna "Toca do Leão", caderno Diversidade)