quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Como era brejeiro meu brejo

 

 


Com o vasto universo inteiro à sua disposição, o cronista optou por viver no planalto da Borborema entre as cidades de Bananeiras e Solânea. Vales e serras verdes, banhados por rios históricos e inextinguíveis, sob o domínio do rio Curimataú que recebe as águas dos rios Dantas e Picadas e os riachos Carubeba e Sombrio.  O aspecto sombrio da atualidade: esses rios e córregos inconstantes não estão dando conta de suprir os viventes desse mais elementar líquido para a vida humana. Os rios e barragens do brejo não atendem mais aos aglomerados urbanos da região. A barragem de Canafístula perece no mormaço sertanejo, em pleno brejo. Essa represa atende as cidades de Solânea, Bananeiras, Araruna, Cacimba de Dentro e Tacima. De regime de racionamento passou ao modo fornecimento zero. A empresa fornecedora de água já comunicou às populações e administradores que adotem suas providências, porque se trata de colapso geral do abastecimento d’água na região. Quem tem cisterna pode assegurar o mínimo de água para o consumo por alguns meses. Depois, é apelar para os caminhões pipa.

Ao lado de minha casa tem um córrego onde os carros pipa vão abastecer. Logo cedinho, longas filas de caminhões assustam o tetéu e o caboré com o ronco dos motores e o falatório dos motoristas. Sem o frio do sereno que só o brejo possuía nos invernos de antigamente. E esse “antigamente” é coisa de poucos meses. Quando cheguei aqui no ano da peste de 2020, ainda se usava calça, bota e casaco nos dias gélidos. Hoje não tem mais frio, nem água. Em plena serra no brejo paraibano, a beleza extraordinária ainda persiste, mas o clima degringolou. Até as rãs abandonaram seu habitat, percebendo mudança na umidade. As veredas brejeiras vivendo a agressão da estiagem. “Não sei se o sertão vai virar mar, como disse o profeta, mas o brejo tá virando sertão”, deplora o brejeiro Ofinho. Ele se queixa do efeito estufa, mas bota um pedaço da culpa no desmatamento e a construção desordenada de poços artesianos, danificando o lençol freático, para atender às dezenas de condomínios erguidos ultimamente na região. “É a tragédia do capitalismo selvagem acabando com a biosfera, ameaçando a natureza e modificando até o clima”, lastima. “Não sou contra o progresso, mas a forma de lidar com a ocupação urbana é que deveria ser revista”, esclarece o engenheiro Ofinho.   

Nos grandes sertões das estiagens sem fim, alguns políticos aproveitavam a tragédia da seca para ganhar dinheiro. Desconfio que a tal “indústria da seca” vem tirando proveito dos problemas ambientais por essas bandas e já se instala. Talvez ressignificando ou adaptando os torpes esquemas. Outro dia ouvi de um pipeiro: “Eu assino documento de cinquenta mil, mas não recebo isso”. Ele fornece água para prefeituras da região.

O ser humano sempre buscou adaptar-se ao meio em que vive. Vou tentando me acertar com os novos cenários, pessoas e desafios, depois que acabei por dar essa reviravolta na minha vida. Vim para uma temporada provisória e já se vão quase dois anos. Ainda não me habituei com certas coisas desse novo chão, incluindo o cântico dos pássaros. Ao amanhecer, quem me acorda não é mais o bem-te-vi urbano nem as rolinhas e pardais. É o “espanta boiada” passando aos berros no fim da madrugada, que na minha terra essa pequena codorna se chama tetéu, cantador das antemanhãs da Paraíba. Depois chega o sabiá, e dos açudes e lagoas se levanta o socozinho com seu cinza azulado para fazer seu ninho no meu pé de cajá, ao lado do ribeirinho. Sonoridades inauditas como a curicaca, passando com seu grito grave e monótono. Outra ave que me apareceu, fazia tempos que não via, essa não me deu muita satisfação. O urubu de carniça, acatingado, feio, deselegante, desarmonioso e portador de mau presságio, conforme a crendice do povaréu. Voou sobre a casa, pousou no pau Brasil. Sinal de decadência e ruína, conforme a superstição. Nesse brejo a caminho de se tornar sertão, o urubu aparece como o anjo anunciador da vingança, porque durante milhares de anos o Planalto da Borborema impediu a umidade do oceano de chegar naquelas regiões, provocando as estiagens. O urubu espera pacientemente que a carne apodreça para melhor digeri-la.

 

domingo, 17 de outubro de 2021

10 MINUTOS NO CONFESSIONÁRIO - EPISÓDIO 26

 


O Deus mercado nos salvará do venal pecado? – 10 MINUTOS NO CONFESSIONÁRIO – Podcast com Fábio Mozart – Episódio 26

https://www.radio.diariopb.com.br/deus-do-capitalismo-podcast-com-fabio-mozart-episodio-26/

 

 

sábado, 16 de outubro de 2021

terça-feira, 12 de outubro de 2021

RÁDIO BARATA 221

BARATA MISÓGINA DEBATE CRISE DO TAMPAZ E RECLAMA DA MULHER SEMPRE LIVRE 

Rádio Barata no Ar – Edição nº 221

https://www.radio.diariopb.com.br/absorvente-sempre-livre-ofende-liberdade-de-expressao-diz-barata-misogina-programa-radio-barata-no-ar-de-no-221/?fbclid=IwAR0mP9GInPJV7i_dE2iMjG4w_CJBGsIDw3SyFua7im2PaaJ1YlCKKNT204w

 

 

 

 

 

Viagra natural de Bananeiras foi estudado até na Europa

 


banana é uma fruta tropical rica em carboidratos, vitaminas e minerais, fonte de energia, previne doenças cardíacas, é boa para digestão e se converteu em melhor amiga do homem de meia idade, a partir do fenômeno observado em um camarada chamado Jejé, natural de Bananeiras, brejo da Paraíba, ocorrência contada pelo jornalista e memorialista Rubens Nóbrega, no seu livro “Histórias da gente” que acabei de ler neste domingo. A partir da narrativa do sexólogo frugívero, passei a compor imediatamente o folheto “Viagra natural de Bananeiras foi estudado até na Europa”. Acredito que noventa por cento dos meus leitores já sabe o que significa o vocábulo “frugívero”. Mas, em respeito à minoria, obrigo-me a esclarecer que frugívero é a pessoa que tem as frutas como base de sua dieta, regime alimentar do tal Jejé de Bananeiras. Esse caboclo com mais de setenta anos se mantinha sexualmente dinâmico, diariamente assíduo e aplicado na cama com sua esposa, dona Ciça, feliz testemunha ocular e vaginal da banana de Jejé e suas potencialidades.

Conforme o memorialista Nóbrega, a banana cultivada no sítio de Jejé e por ele consumida em doses cavalares e muares foi estudada em todos os seus fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais por técnicos e cientistas da Universidade Federal da Paraíba e do Colégio Agrícola Vidal de Negreiros, chegando-se à conclusão de que “a banana de Jejé tinha mais potássio e mais vitamina A e E do que qualquer outra no planeta, apresentando-se bem maior e mais grossa do que todas as outras variedades”. A prefeita, dona Martha Ramalho, apressou-se em fixar oficialmente os direitos de produção e uso da marca, porque a fama da banana de Jejé correu o mundo e foi parar nos grandes laboratórios farmacêuticos da Europa e Estados Unidos, interessados em industrializar o “viagra natural” de Bananeiras. O próprio Jejé foi objeto de pesquisas e testes científicos internacionais, onde se confirmaram as virtualidades da vigorosa banana.

O cavalheiro ou a dama que quiser saber sobre a conclusão desse episódio gastronômico sexual que adquira o livro de Rubens Nóbrega ou espere o lançamento do folheto “Viagra natural de Bananeiras foi estudado até na Europa”, onde eu começo afirmando que o caju é o melhor amigo do homem que bebe e a banana é a melhor amiga do varão que gosta de “fazer amor”, como diria a senhorita recatada e romântica, ou do macho que aprecia copular, conforme definição do canalha Ameba, comentarista também presente no citado folheto. Aliás, essa brochura (nada a ver com falta de ereção), pode ser classificada no gênero cordel de gracejo, ou seja, o folheto voltado para o mundo do riso, onde se escancara a ironia e a espirituosidade do povo nordestino por meio dessas histórias rimadas e picantes da literatura de cordel. Sendo que este cordelista, reconhecido profissionalmente por força de lei federal, não se detém apenas no campo do cordel de gracejo. Sou orgulhoso autor, por exemplo, do folheto “A verdadeira história das pedras de Ingá”, onde misturo arqueologia com putaria, acompanhado desse mestre das ciências ocultas e apagadas, o poeta Vavá da Luz, xerife do Ingá do Bacamarte e pessoa altamente astuta, desse povo que dá beliscão em fumaça. Diferente dos estudos clássicos das civilizações antigas, em geral chatíssimos, meu folheto permite até comentários desairosos sobre a imemorial rivalidade entre as cidades de João Pessoa e Campina Grande:

Veja bem o estratagema
De Campina e João Pessoa
Pra saber quem é mais besta,
Quem mais lorota apregoa.
Um chama o outro “matuto”,
Pra deixar o outro “puto”
Diz que tem mar e lagoa.

Campina Grande entoa
Ser “Rainha do Nordeste”
Quanto à tecnologia.
Diz ser cidade da peste
No comércio de cigano
E ainda todo ano
Faz a sua apologia

Ao baião reverencia
No “maior São João do mundo”.
Com mania de grandeza,
Afirma ser oriundo
De enraizada matriz
E esmerados ardis
Quer ser chamada de alteza.

Essa parte foi inspiração do indecente Ameba, elemento mais mascarado de que Rubens Nóbrega quando o Vasco é campeão.

domingo, 10 de outubro de 2021

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Evangelho da saudade segundo Ofinho Costa

“Pois Deus me é testemunha de que tenho saudades de todos vós, na terna misericórdia de Cristo Jesus”. Filipenses 1:8


Mais bela do que qualquer canção é a melodia da saudade, pondera o poeta Bebé de Natércio, um dos personagens do livro “Contos de quarentena”, do engenheiro e radialista comunitário Wolhfagon Costa, professor aposentado da Universidade Estadual da Paraíba e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, velho guerreiro nas lutas comuns pela democratização das comunicações através das rádios comunitárias. Ofinho, como é conhecido pelos amigos, teve a delicadeza de me visitar em Bananeiras para oferecer o livro “Contos de Quarentena”, onde ele reflete: “Em tempos de quarentena, um contista, querendo ser poeta, sem nem prosar direito, atreve-se: ‘aqui, eu navego sem ter mar, voo sem avião. Essa bolha é meu mundo. Esses livros me guiam. Essa nave me leva ao mundo’. E acordou, nem triste, nem alegre e nem poeta. Sabe que conta”.

A reforma tributária do governo pode aumentar em 20% o preço dos livros. No caso do contista Ofinho, seu livro me saiu a custo zero, mas sua lembrança de me surpreender no meu recanto no cocuruto da serra não se estima o valor, porque muito auxiliou na evolução de me reconciliar com o processo da vida, isolado que estou desde o começo da pandemia. Foi a primeira visita que recebi em mais de um ano, mesmo porque não conheço ninguém na região onde moro atualmente.

Ofinho é natural de Solânea, onde reside, e no seu livro de contos a cidade aparece em retratos rápidos, bem humorados e zombeteiros, mas dominados por aquela comoção das lembranças do passado. Gostei de cara, li desembestado as 110 páginas cheias de ironia e fino trato da forma. Ofinho me surpreende pelo talento de escritor. Eu diria que, para estar ao nível do humor do livro, Ofinho se apresenta à altura da alta literatura, mesmo porque Solânea, antiga vila Moreno, está a mil metros acima do nível do mar.

Rachel de Queiroz acredita que “essa capacidade de morrer de saudades só afeta a quem não cresceu direito, feito uma cobra que se sentisse melhor na pele antiga, não se acomodando nunca à pele nova”. Mais lírico, o poeta Moacyr Félix: “Não tenho mais em mim a vida que levei, mas sinto o mundo caminhar em minha memória”. E é de saudade que fala o livro de Ofinho, nostalgia que às vezes é pura literatura fantástica, como observou o prefaciador Rangel Júnior, descambando em alguns contos para delírios criativos, que “o isolamento da pandemia perturbou o juízo de Wolhfagon Costa”, ainda conforme o apresentador da obra. Não se define o livro de Ofinho. Às vezes é crônica ligeira, às vezes contos, outras ocasiões ganha status de poesia, construída de retalhos de infância nos contrafortes do planalto da Borborema. As pequenas coisas e loisas do banal dia a dia em uma cidade do interior, com suas figuras simples e passagens dessa vida besta que encanta, enternece e surpreende.

Sobre meu compadre Bebé de Natércio, amigo e colega de trabalho de Ofinho, deu-se a história no ano dois mil, quando o novel escritor decidiu que seria candidato a vereador em Solânea e precisou dos préstimos do poeta e compositor Bebé para a feitura de um jingle de campanha. Passados muitos dias e a eleição às portas, nada de Bebé preparar o trabalho. Ofinho encontrou Bebé por acaso em mesa de bar, com seu violão criativo. Bebé pegou o instrumento e cantou o jingle. “Fiz agorinha mesmo, gostou?” Resultado: Ofinho ganhou a eleição com meio milheiro de votos e Bebé de Natércio ganhou mais um admirador de sua arte enquanto inserida no contexto social e político do seu tempo.

 

domingo, 3 de outubro de 2021

10 MINUTOS NO CONFESSIONÁRIO - EPISÓDIO 24

 


Anjo da Guarda - “Dez minutos no confessionário” -  Podcast com Fábio Mozart – Episódio 24

https://www.radio.diariopb.com.br/dia-do-anjo-dez-minutos-no-confessionario-podcast-com-fabio-mozart-episodio-24/

 

POEMA DO DOMINGO

 



ABC DE JOÃO THEOTÔNIO, O POETA GENTILEZA

 

Agora vou relatar

A vivência de um bardo

Nascido no Rio Tinto

Esse cidadão galhardo

Por noventa e três bons anos

Feliz, carregou o fardo

 

Bebendo a água da vida

Com elegância e gentileza

Respeitando a humanidade

Proletária ou burguesa

De modo fino e educado

Essa foi sua nobreza

 

Conheça João Theotônio

Que é da família Carvalho

Em 22 de janeiro

Neste cordel eu detalho

Nascia o nobre poeta

Da sua história me valho

 

Dentro da literatura

Para fazer o folheto

Enaltecendo seu Theo

Neste humilde livreto

Aos nobres da Academia

O trabalho submeto

 

Ele foi radialista

Foi atleta e foi ator

Grande líder operário

Cordelista de valor

Autor de versos gentis

Sonetista e trovador

 

Filhos, ele deixou oito

Com mais dezessete netos

Antes de fechar os olhos

Conheceu cinco bisnetos

Deixou também a saudade

Nos seus amigos diletos

 

Gerando vida e exemplo

João Theotônio viveu

Simples, humilde e correto

Grande lição ele deu:

A pessoa cordial

Parte e não envelheceu

 

Há noventa e três janeiros

Nascia um homem gentil

Gente fina, de bons modos

Nesse mundo tão hostil

Ardente amante das artes

Com a alma juvenil

 

Inimigos, João não tinha

Líder no bairro Bancário

Todo mundo respeitava

O citadino lendário

Recebendo até diploma

De cidadão honorário

 

João Theotônio era ouvinte

Assíduo da Tabajara

Rádio que ele viu nascer

Como uma joia rara

Na usina São João

Teve uma vivência rara

 

Lá ele botou no ar

No ano 45

Uma emissora AM

E trabalhou com afinco

Pela comunicação

Abrindo do rádio o trinco

 

Meu contato com seu Theo

Na Tabajara se deu

Ele sendo entrevistado

A alma fosforesceu

O apreço e simpatia

Logo se estabeleceu

 

Na nossa Academia

Seu Theo foi bem recebido

Se fez amigos de todos

Com amor foi acolhido

E sua doce figura

Jamais sofrerá olvido

 

Outra faceta de Theo

Acrescento como aporte

Neste modesto trabalho

Como singular recorte:

Seu Theo foi um bom atleta

Do glorioso Auto Esporte

 

Pelo Autinho do Amor

Foi seu Theo um campeão

Ganhando do Botafogo

Em distinta ocasião

Isso nos anos cinquenta

Quando o Auto era um timão

 

Quero ainda ressaltar

Theotônio escritor

Foi autor de três bons livros

Com sonetos de valor

“Esta chama não se apaga”

Foi esta a última flor

 

Regada no seu jardim

De poeta gentileza

Sendo este dote gentil

A sua maior riqueza

Construiu a trova e verso

Com toda delicadeza

 

Seu Theo nos deu o exemplo

Que ser cortês não é patente

Não te faz um ser melhor

Nem mais bondoso ou valente

Apenas se sobressai

De muitos faz diferente

 

Theo, receba dos confrades

O mais carinhoso abraço

Valeu por ter amarrado

Em nós o mais forte laço

De apreço e amizade

Ocupando o mesmo espaço

 

Uma vida dedicada

À arte e urbanidade

João Theotônio nos deixa

Transvazando de saudade

Irrigando a flor da dor

No jardim da amizade

 

Viver saudade é melhor

Do que caminhar vazio

Diz o poeta Peninha

Enfrentando o mar bravio

Da solidão dos amigos

Nesse viver arredio

 

Xodó dos seus companheiros

E companheiras também

Partiu o amigo Theo

Para o Éden no além

Sempre humilde e educado

Porque assim lhe convém

 

Zelaremos pelo nome

Do nosso nobre confrade

Tão simples de coração

Feito de pura bondade

Seu Theo, receba esses versos

Coroados de saudade!