Nos meus tempos de teatrista amador, nunca gostei de encenar a paixão de Cristo e teatro infantil. O primeiro porque lembro do ridículo das encenações nos circos mambembes de minha época em Timbaúba e Itabaiana. Paixão de Cristo, para mim, tem que ser uma super produção. Na versão amadora, vira inevitavelmente comédia. E teatro infantil sempre achei chato. Um bando de marmanjos com cara de imbecis, querendo que a platéia seja um magote de pequenos débeis mentais. Criança é inteligente mais do que se imagina, e texto infantil de qualidade é coisa rara.
Tentei dirigir duas versões da paixão, uma em Itabaiana e outra experiência frustrante em Mari. Na velha Itabaiana, final dos anos 70, escrevi um roteiro chamado “Auto da Paixão” para ser encenado na rua, durante a Via Crucis, no tablado de um velho caminhão. Para começar, perdemos o apoio da própria Igreja, porque o padre achou um sacrilégio o costume dos atores enfiarem piolas de cigarro nas bocas dos santos da Igreja Matriz, onde começamos os ensaios.
Os atores não colaboravam. Um tal Enoque, sujeito meio burro que fazia o papel de Judas, sempre beijava o homem errado na cena do beijo traiçoeiro. Além de problemas ligados ao consumo de álcool e outras substâncias químicas por parte do elenco, a encenação funcionou mal por causa de Biu Penca Preta, escalado para ser um soldado romano. Incorporado no personagem, Biu baixou a lenha com gosto no lombo de Jesus, que vinha a ser o vigilante Rossi. Esse mártir levou tantas chibatadas que não aguentou:
--- Biu, bate devagar que ta doendo!
E Biu, sem querer acordo:
--- Comigo é pra se lascar!
Depois fomos apresentar o “drama” no palco do Cine Ideal. Na penúltima cena, da crucificação, fecham-se as cortinas para se arrumar a cena seguinte. Jesus crucificado implorou por um trago de cigarro que lhe foi posto na boca. O cigarro ateou fogo na barba postiça. Quando abriram as cortinas, a platéia não entendeu a cena insólita de soldados e apóstolos tentando apagar o incêndio na barba do suplicante com a água da bacia de Pilatos. Sem falar no pano que cobria as “partes pudendas” do crucificado ameaçando cair a qualquer instante, com Nossa Senhora tendo que segurar as ceroulas do Homem o tempo todo.
Em Mari, a encenação também foi na rua. O espetáculo muito organizado, mas teve uma cena que nos fugiu ao controle por causa do jumentinho que trazia Jesus, incorporado pelo meu amigo professor Marsílvio. De repente, o burrinho cismou com a multidão e saiu em marcha de perseguir fêmea no cio, dispersando os espectadores e mudando os rumos da História sagrada, já que Jesus foi derrubado do seu lombo, causando grande atribulação para a troupe e gargalhada geral na platéia.
Após muitos afagos e mimos de capim, o jumento voltou ao seu papel na cena, mas nada correu como se planejou, porque a turma do “quanto pior melhor” ficou torcendo para que o burrinho saísse de novo em disparada e Jesus, pálido em cima do pouco devoto animal, rezando para não ser novamente desfeitado. Por essas e outras deixei de levar a paixão de Cristo com grupos amadores.
terça-feira, 30 de junho de 2009
Ética dos excluídos
Uma certa matrona de Mari, que se diz educadora, useira e vezeira dos modos da nossa burguesia corrupta de 500 anos, disse certa vez em meu programa de rádio que "todos roubam, uns mais, outros menos, mas o roubo é lugar comum na sociedade brasileira". E assim parece ser o caráter do brasileiro classe média/merda, aquele que tem como princípio a lei de Gerson: levar vantagem em tudo. Mas nem só de ratos burgueses se faz o cotidiano da nossa sociedade desigual e safada. Tem ladrão que nunca se enquadra na lógica perversa do capitalismo dito selvagem; tem, ainda, ladrões românticos, os que roubam para dar aos pobres, o que "rouba, mas faz", o traficante do morro que protege a comunidade pobre e desamparada pelo Estado. No Brasil que exibe uma das piores taxas de concentração de riqueza e desigualdade do mundo, neste navio negreiro Brasil, a gente trata os do submundo com a brutalidade de sempre, mas eles, os chamados excluídos, às vezes, são capazes de ações comoventes. Daí, a gente que já se acostumou, em silêncio, a admitir sem indignação as humilhações desumanas dos pobres nos hospitais, a impunidade assegurada aos ricos, a discriminação contra as minorias, nós que já achamos natural o massacre imposto aos mais humildes pela política cada vez mais excludente dos governos no Brasil, de vez em quando, a gente sente vontade de tomar vergonha na cara e deixar de ser pernicioso, e olhar melhor para esse país e seu povo.
Tudo isso pra dizer que, um belo dia roubaram o gravador da Rádio Comunitária Araçá FM, de Mari, o nosso aparelhozinho que serve para as entrevistas de campo. O ladrão roubou o gravador do carro de um amigo, em um bairro "barra pesada". Eu fiz um apelo no meu programa diário, tratei o ladrão por Vossa Excelência, argumentei que o gravador pertencia à comunidade, como toda a rádio, e que, se ele fizesse o favor de devolver o aparelho, todos ficaríamos gratos pela gentileza. Quando saí do estúdio, um rapaz de aspecto "suspeito" esperava-me para devolver o gravador, pedir desculpas e sustentar que, se soubesse que era da rádio comunitária, não o teria roubado. Esse ato serviu como uma lição de ética, mas uma ética diferente, em confronto com a moral acanalhada burguesa. Com a palavra o filósofo inglês Bertrand Russel: "O liberalismo acha perfeitamente natural o patrão dizer ao empregado: 'morrerás à míngua'. Mas não concorda se o subordinado responder: 'morrerás antes à bala!'". Os sem terra famintos promovem saques e a gente se horroriza, o governo rouba milhões de pobres aposentados e a gente fica indiferente.
O ladrão que devolveu o gravador da rádio popular ainda acredita que os de sua classe podem ter voz algum dia, e a rádio popular pode ser esse canal. Por isso, ele sorri ao afirmar, meio envergonhado, que ouve a rádio todos os dias. Ele ainda sorri, mas qualquer dia vai começar a ranger os dentes. A rádio comunitária, como obra em aberto que é, pode ser - e de fato tem sido - o referencial de uma revolução silenciosa (nem tanto!) que os sem comunicação estão fazendo neste país, e que por sua natureza, vai além da comunicação pura e simples. Trata-se de construir e desconstruir discursos ideológicos e políticos. A verdadeira rádio comunitária está em permanente estado de construção/desconstrução no cotidiano social. Um dia os tubarões das rádios e TVs comerciais nos chamaram de "rádios piratas". Nós respondemos, taxativamente, que piratas são eles que correm atrás do ouro. Corremos, isso sim, atrás desse relacionamento, dessas trocas culturais, abrangendo a afetividade, o imaginário popular, o novo saber e sentir comunitário, que faz um ladrão devolver o produto do roubo, porque, de um jeito ou de outro, ele tem certa consciência de que a rádio comunitária é uma apropriação coletiva dos instrumentos da comunicação mediática. São as classes subalternas em luta pela superação do conflito entre a subalternidade e o poder conservador hegemônico da sociedade.
Tudo isso pra dizer que, um belo dia roubaram o gravador da Rádio Comunitária Araçá FM, de Mari, o nosso aparelhozinho que serve para as entrevistas de campo. O ladrão roubou o gravador do carro de um amigo, em um bairro "barra pesada". Eu fiz um apelo no meu programa diário, tratei o ladrão por Vossa Excelência, argumentei que o gravador pertencia à comunidade, como toda a rádio, e que, se ele fizesse o favor de devolver o aparelho, todos ficaríamos gratos pela gentileza. Quando saí do estúdio, um rapaz de aspecto "suspeito" esperava-me para devolver o gravador, pedir desculpas e sustentar que, se soubesse que era da rádio comunitária, não o teria roubado. Esse ato serviu como uma lição de ética, mas uma ética diferente, em confronto com a moral acanalhada burguesa. Com a palavra o filósofo inglês Bertrand Russel: "O liberalismo acha perfeitamente natural o patrão dizer ao empregado: 'morrerás à míngua'. Mas não concorda se o subordinado responder: 'morrerás antes à bala!'". Os sem terra famintos promovem saques e a gente se horroriza, o governo rouba milhões de pobres aposentados e a gente fica indiferente.
O ladrão que devolveu o gravador da rádio popular ainda acredita que os de sua classe podem ter voz algum dia, e a rádio popular pode ser esse canal. Por isso, ele sorri ao afirmar, meio envergonhado, que ouve a rádio todos os dias. Ele ainda sorri, mas qualquer dia vai começar a ranger os dentes. A rádio comunitária, como obra em aberto que é, pode ser - e de fato tem sido - o referencial de uma revolução silenciosa (nem tanto!) que os sem comunicação estão fazendo neste país, e que por sua natureza, vai além da comunicação pura e simples. Trata-se de construir e desconstruir discursos ideológicos e políticos. A verdadeira rádio comunitária está em permanente estado de construção/desconstrução no cotidiano social. Um dia os tubarões das rádios e TVs comerciais nos chamaram de "rádios piratas". Nós respondemos, taxativamente, que piratas são eles que correm atrás do ouro. Corremos, isso sim, atrás desse relacionamento, dessas trocas culturais, abrangendo a afetividade, o imaginário popular, o novo saber e sentir comunitário, que faz um ladrão devolver o produto do roubo, porque, de um jeito ou de outro, ele tem certa consciência de que a rádio comunitária é uma apropriação coletiva dos instrumentos da comunicação mediática. São as classes subalternas em luta pela superação do conflito entre a subalternidade e o poder conservador hegemônico da sociedade.
segunda-feira, 29 de junho de 2009
Crise no jornalismo matuto
Ao chegar na rodoviária de Itabaiana, sou abordado por Lourenço jornaleiro, perguntando pelo “Tribuna do Vale”, nosso mensário que circula há seis anos na região do vale do Paraíba. Os assinantes reclamam que suas assinaturas não foram renovadas. Nos últimos meses não receberam as edições do jornal. É a crise! Só se fala nisso no Brasil. Essa tal de crise vem sendo desculpa para muito incompetente.
Em tempos de dificuldades, as empresas precisam redobrar os esforços para cumprir o que prometeram aos clientes. Isso nós fizemos. Publicamos o jornal e entregamos na casa de cada assinante até o último mês do contrato, mesmo assumindo prejuízo financeiro. Agora, vamos esperar passar o tempo de vacas magras para voltar.
Neste ano de 2009, o jornal TRIBUNA DO VALE completa seis anos de circulação no Vale do Paraíba, com algumas interrupções. O jornal, como bem cultural, tem a propriedade de fixar a vida que passa. Daqui a cem anos, os pesquisadores estarão se debruçando sobre as coleções do TRIBUNA DO VALE, pois um jornal centenário oferece uma oportunidade singular em termos de registros históricos, documentando a vida em suas tristezas, emoções e sobretudo relatando com responsabilidade e respeito, como é nosso caso, os fatos ocorridos.
Enquanto não comemoramos nosso centenário, vamos fazendo história, e nos credenciando perante nossos leitores. Na edição de janeiro de 2003, quando registramos o episódio da invasão da redação deste jornal pela Polícia Federal, e a prisão dos seus redatores, escrevi que o TRIBUNA DO VALE comemorava o primeiro ano de existência em Itabaiana e cidades circunvizinhas, ostentando a fama de se antecipar e abrir caminhos em vários aspectos, nessa seara do jornalismo matuto. Somos pioneiros, em Itabaiana, no formato tablóide francês. Que se saiba, em Itabaiana jamais circulou um periódico com esse formato. Depois, a TRIBUNA também é pioneira na rede mundial de computadores, sendo o primeiro jornal da região a ter sua edição on line, na Internet. (Atualmente estamos com nossa página fora do ar). No aspecto de gênero, somos o primeiro periódico itabaianense a ser dirigido por uma mulher, o que nos coloca com muito orgulho na vanguarda social, pois atualmente as mulheres avançam, com sua capacidade e sensibilidade, no comando das ações que exigem disciplina, tenacidade e sentimento. Ponto para a jornalista e radialista Clévia Paz, nossa estimada amiga.
Fazer jornal no interior é uma missão de vida, antes de ser um empreendimento comercial. Somos o primeiro jornal sediado em Itabaiana a circular em 12 cidades da região. Nessas comunidades, a TRIBUNA DO VALE já se consolidou como um veículo de debate das questões que interessam ao povo e aos seus governantes, com respeito e competência.
Sobre o episódio da invasão de nossa redação pela Polícia Federal, 14 dias após a posse do presidente Lula, registramos nosso orgulho por mais esse pioneirismo. Fomos presos, eu e o compadre Marcos Veloso, acusados de incentivar a livre manifestação do pensamento, através de uma emissora comunitária de baixa potência. Esse fato ficou registrado no rol das lutas libertárias de Itabaiana, onde o Brasil aprendeu as primeiras lições de liberdade, ainda no período colonial. Sem querer ser heróis de nada, nós, que fomos detidos por abrigar projetos de livre expressão, sofrendo a repressão política do governo do PT, aparecendo na mídia nacional como os primeiros presos políticos da era Lula, hoje vemos o Brasil ser denunciado na Organização dos Estados Americanos por conta da violência praticada contra as rádios comunitárias. Por não se tratar de um delito, como afirmou o Juiz Emiliano Zapata, ao absolver os redatores da TRIBUNA DO VALE, não é um crime de repressão. Muitos juízes brasileiros não consideram crime o funcionamento de rádios comunitárias sem licença, pois o Estado é omisso, ao não dar resposta aos pedidos de concessão de canal.
Mas isso é outra história. Hoje queremos apenas comemorar a sobrevivência, por seis anos, desse pioneiro projeto de comunicação, agora com mais um registro histórico: somos o primeiro jornal de Itabaiana impresso em policromia, em edições com 10 páginas. A Tribuna vai retornar porque é um projeto de vida, antes de ser um empreendimento.
Em tempos de dificuldades, as empresas precisam redobrar os esforços para cumprir o que prometeram aos clientes. Isso nós fizemos. Publicamos o jornal e entregamos na casa de cada assinante até o último mês do contrato, mesmo assumindo prejuízo financeiro. Agora, vamos esperar passar o tempo de vacas magras para voltar.
Neste ano de 2009, o jornal TRIBUNA DO VALE completa seis anos de circulação no Vale do Paraíba, com algumas interrupções. O jornal, como bem cultural, tem a propriedade de fixar a vida que passa. Daqui a cem anos, os pesquisadores estarão se debruçando sobre as coleções do TRIBUNA DO VALE, pois um jornal centenário oferece uma oportunidade singular em termos de registros históricos, documentando a vida em suas tristezas, emoções e sobretudo relatando com responsabilidade e respeito, como é nosso caso, os fatos ocorridos.
Enquanto não comemoramos nosso centenário, vamos fazendo história, e nos credenciando perante nossos leitores. Na edição de janeiro de 2003, quando registramos o episódio da invasão da redação deste jornal pela Polícia Federal, e a prisão dos seus redatores, escrevi que o TRIBUNA DO VALE comemorava o primeiro ano de existência em Itabaiana e cidades circunvizinhas, ostentando a fama de se antecipar e abrir caminhos em vários aspectos, nessa seara do jornalismo matuto. Somos pioneiros, em Itabaiana, no formato tablóide francês. Que se saiba, em Itabaiana jamais circulou um periódico com esse formato. Depois, a TRIBUNA também é pioneira na rede mundial de computadores, sendo o primeiro jornal da região a ter sua edição on line, na Internet. (Atualmente estamos com nossa página fora do ar). No aspecto de gênero, somos o primeiro periódico itabaianense a ser dirigido por uma mulher, o que nos coloca com muito orgulho na vanguarda social, pois atualmente as mulheres avançam, com sua capacidade e sensibilidade, no comando das ações que exigem disciplina, tenacidade e sentimento. Ponto para a jornalista e radialista Clévia Paz, nossa estimada amiga.
Fazer jornal no interior é uma missão de vida, antes de ser um empreendimento comercial. Somos o primeiro jornal sediado em Itabaiana a circular em 12 cidades da região. Nessas comunidades, a TRIBUNA DO VALE já se consolidou como um veículo de debate das questões que interessam ao povo e aos seus governantes, com respeito e competência.
Sobre o episódio da invasão de nossa redação pela Polícia Federal, 14 dias após a posse do presidente Lula, registramos nosso orgulho por mais esse pioneirismo. Fomos presos, eu e o compadre Marcos Veloso, acusados de incentivar a livre manifestação do pensamento, através de uma emissora comunitária de baixa potência. Esse fato ficou registrado no rol das lutas libertárias de Itabaiana, onde o Brasil aprendeu as primeiras lições de liberdade, ainda no período colonial. Sem querer ser heróis de nada, nós, que fomos detidos por abrigar projetos de livre expressão, sofrendo a repressão política do governo do PT, aparecendo na mídia nacional como os primeiros presos políticos da era Lula, hoje vemos o Brasil ser denunciado na Organização dos Estados Americanos por conta da violência praticada contra as rádios comunitárias. Por não se tratar de um delito, como afirmou o Juiz Emiliano Zapata, ao absolver os redatores da TRIBUNA DO VALE, não é um crime de repressão. Muitos juízes brasileiros não consideram crime o funcionamento de rádios comunitárias sem licença, pois o Estado é omisso, ao não dar resposta aos pedidos de concessão de canal.
Mas isso é outra história. Hoje queremos apenas comemorar a sobrevivência, por seis anos, desse pioneiro projeto de comunicação, agora com mais um registro histórico: somos o primeiro jornal de Itabaiana impresso em policromia, em edições com 10 páginas. A Tribuna vai retornar porque é um projeto de vida, antes de ser um empreendimento.
sábado, 27 de junho de 2009
Briga de Galo em Mari
A inspiração para esta croniqueta me veio após leitura de um livrinho que remete a lembranças da velha Pilar e da encantada cidade de Mari. O livro tem por título “Pilar”, de José Augusto de Brito, filho de seu Augusto e de dona Mocinha, sujeito que, igual a mim, dedicou sua vida a trazer ao conhecimento “de meia dúzia de abnegados que me leem, a vivência, os tipos característicos, as belezas imorredouras e fatos alegres e tristes” da querida terrinha. No livro, José Augusto insere uma crônica falando de sua vida profissional “na difícil e antipática missão de cobrador de impostos”.
Começou em Princesa Isabel, nos confins do sertão paraibano, e foi parar em Sapé, onde reinava um coletor duro na queda, o itabaianense Roderico Borges, vigilante vinte e quatro horas na tarefa de cobrar os impostos devidos ao Estado. Na volta de Roderico, a coletoria teria que duplicar a arrecadação.
Pois o nosso José Augusto foi mandado por Roderico à cidade de Mari, para fazer uma devassa, substituindo o coletor João de Barros que só pensava em briga de galos, esquecendo o dever de cobrar impostos. Só que José Augusto, de tanto se envolver com galistas, virou também um aficionado desse esporte, tendo prazer em ver os galos se despedaçando em uma arena. Em vez de se preocupar com os talões e notas fiscais, com a repressão aos sonegadores, o homem estava se tornando mesmo um especialista em esporões, bicos e todo o ritual das brigas de galo.
Na cidade de Pedro Tomé, a sonegação andava solta, mas o coletor era juiz de briga de galo, e dos bons! Quase todos os habitantes da cidade eram galistas, menos o padre e mais meia dúzia de sujeitos esquisitos. “Só se falava em rinha e aposta. O coletor, só ele, possuía mais de cem galos de briga”, constatou Augusto.
Como a renda caiu, Roderico Borges resolveu fazer uma visita de surpresa à coletoria de Mari. Chegou no dia da feira e encontrou a coletoria fechada. Procurando saber do paradeiro do coletor, um cabra o levou a um galpão onde já estavam galos que cocoricavam, homens que palestravam e criadores dos bichos. Logo depois começaram os risos, insultos, gritos, cochichos, gargalhadas e papos de galistas, sopesando galos num clima de véspera de luta. E nada do coletor José Augusto!
De repente, escolhidos os dois galos para a primeira luta, as pessoas que se espremiam deram lugar para passar um homem de ar solene, suor escorrendo pela face. Chegou perto da rinha e ficou observando os galos inquietos, elegantes e rijos, cocoricando. O homem sisudo pegou nos galos, examinando-os. Apalpou, sentiu a rigidez dos músculos, observou as asas, as pernas o pescoço, o peito. Examinados os esporões e tudo o mais para ver se havia alguma fraude, deu-se a ordem para o início do combate. Foi aí que Roderico Borges saltou da arquibancada e gritou:
--- Aposto dez no galo preto e cem como o juiz está removido da Coletoria de Mari!
Começou em Princesa Isabel, nos confins do sertão paraibano, e foi parar em Sapé, onde reinava um coletor duro na queda, o itabaianense Roderico Borges, vigilante vinte e quatro horas na tarefa de cobrar os impostos devidos ao Estado. Na volta de Roderico, a coletoria teria que duplicar a arrecadação.
Pois o nosso José Augusto foi mandado por Roderico à cidade de Mari, para fazer uma devassa, substituindo o coletor João de Barros que só pensava em briga de galos, esquecendo o dever de cobrar impostos. Só que José Augusto, de tanto se envolver com galistas, virou também um aficionado desse esporte, tendo prazer em ver os galos se despedaçando em uma arena. Em vez de se preocupar com os talões e notas fiscais, com a repressão aos sonegadores, o homem estava se tornando mesmo um especialista em esporões, bicos e todo o ritual das brigas de galo.
Na cidade de Pedro Tomé, a sonegação andava solta, mas o coletor era juiz de briga de galo, e dos bons! Quase todos os habitantes da cidade eram galistas, menos o padre e mais meia dúzia de sujeitos esquisitos. “Só se falava em rinha e aposta. O coletor, só ele, possuía mais de cem galos de briga”, constatou Augusto.
Como a renda caiu, Roderico Borges resolveu fazer uma visita de surpresa à coletoria de Mari. Chegou no dia da feira e encontrou a coletoria fechada. Procurando saber do paradeiro do coletor, um cabra o levou a um galpão onde já estavam galos que cocoricavam, homens que palestravam e criadores dos bichos. Logo depois começaram os risos, insultos, gritos, cochichos, gargalhadas e papos de galistas, sopesando galos num clima de véspera de luta. E nada do coletor José Augusto!
De repente, escolhidos os dois galos para a primeira luta, as pessoas que se espremiam deram lugar para passar um homem de ar solene, suor escorrendo pela face. Chegou perto da rinha e ficou observando os galos inquietos, elegantes e rijos, cocoricando. O homem sisudo pegou nos galos, examinando-os. Apalpou, sentiu a rigidez dos músculos, observou as asas, as pernas o pescoço, o peito. Examinados os esporões e tudo o mais para ver se havia alguma fraude, deu-se a ordem para o início do combate. Foi aí que Roderico Borges saltou da arquibancada e gritou:
--- Aposto dez no galo preto e cem como o juiz está removido da Coletoria de Mari!
Olga Benário, Graciliano e outros heróis
Desconfio que a interlocução de diversas vozes que estão interferindo, de formas diversas, no processo de averiguação dos fatos relacionados com Leonilla Almeida, terminará na produção final de um livro, como pede nosso ilustre Maciel Caju, um dos que acham que o tema merece ser estudado com rigor em sua amplitude histórica. Várias sugestões de redirecionamentos da pesquisa de Arlen Cezar Tavares de Oliveira já apareceram, ele que é sobrinho-neto da heroína de Campo Grande (Itabaiana-PB), essa mulher de imensa coragem pessoal e firmes convicções ideológicas que esteve presa na Ilha Grande, juntamente com Graciliano Ramos e Olga Benário Prestes.
Assinalo neste artigo a última correspondência que recebi de Arlen Cezar que, com sua curiosidade intelectual e o desejo de desvendar as origens de sua família, traz a lume novas e oportunas informações. Fala, sobretudo, da existência de um filho de Leonilla Almeida, que viveria na cidade de Caxias, por nome Epiphanio, o qual foi nascido na prisão da Ilha Grande. Outra informação diz respeito à fuga de Leonilla de Campo Grande, na década de 20, com a ajuda de sua irmã Amélia, que vem a ser avó do nosso estimado amigo Fred Borges, colunista social do TRIBUNA DO VALE. Quando seu pai Antonio Félix Cardoso estava prestes a morrer, em 1942, Leonilla voltou a Campo Grande para pedir perdão, negado pelo patriarca que nunca entenderia os diferentes caminhos e o estilo de vida, bem como a visão de mundo daquela mulher avançada para sua época.
Arlen destaca também as citações do grande Graciliano Ramos com referência a Leonilla Almeida e seu esposo, na obra “Memórias do Cárcere”. É assim que, na página 127 deste livro, Graciliano descreve nossa Leonilla: “A certeza de que estavam ali os revoltosos de Natal acirrou-me a curiosidade, embora não me arriscasse a pedir informações ao desconhecido cauteloso. Duas mulheres achegaram-se, uma branca, nova, bonita, uma pequena cafuza de olhos espertos. Fiquei sabendo que a primeira se chamava Leonilla e era casada com Epifânio Guilhermino”.
Quanto ao esposo de Leonilla, o escritor alagoano assim o expõe: “Epifânio Guilhermino, terrivelmente sério, falava baixo e rápido, sublinhando com movimentos de cabeça afirmações categóricas, sem pestanejar. Ferido em combate, ficara meses entre a vida e a morte; uma bala o atravessara, deixando-lhe duas cicatrizes medonhas, uma na barriga, outra nas costas. Livrara-se por isso do espancamento. E restabelecido, até gordo, ali se achava, em companhia da mulher, apanhada a mexer num fuzil-metralhadora”. Trata-se de um olhar específico de uma pessoa que se destacou no mundo literário brasileiro como dono de um estilo seco e direto. Graciliano diria, em carta à irmã Marília Ramos: “Só conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida. Arte é sangue, é carne. Além disso não há nada. As nossas personagens são pedaços de nós mesmos, só podemos expor o que somos”.
Outros olhares podem ver como eram tratados os homens e mulheres partidários de renovações políticas e sociais, que ousavam desafiar o sistema. A tortura era lugar comum. Na obra de Graciliano identificamos a coragem de heróis do porte de Epifânio e Leonilla, que deixaram sua marca no trabalho literário do escritor alagoano, cujo enfoque está direcionado para a natureza humana dos que conviveram com ele na Ilha Grande, durante o terror do Estado Novo de Getúlio Vargas.
Em outro trecho de “Memórias do Cárcere”, o escritor menciona a “Sala 4”, local de prisão de Leonilla e outra figura feminina notável, Olga Benário Prestes, mulher do comandante revolucionário Luiz Carlos Prestes, entre outras como Eneida, Elisa Berger, Cármen Ghioldi, Maria Werneck, Maria Joana e Rosa Meireles, descritas assim por Graciliano: “Leonilla e Maria Joana foram recolhidas à sala 4. Do terraço, no banho de sol, vi-as lá embaixo, num pátio, em companhia das outras mulheres. Eram dez ou doze, formavam círculo e faziam exercício atirando uma à outra, a desenferrujar os braços, uma bola de borracha”. Assim segue o mestre de Alagoas, contando os detalhes daquela experiência traumatizante nos porões da ditadura, que reuniu elementos tão díspares no aspecto social, e tão parecidos no compromisso moral e político de sofrer as dores do mundo.
Assinalo neste artigo a última correspondência que recebi de Arlen Cezar que, com sua curiosidade intelectual e o desejo de desvendar as origens de sua família, traz a lume novas e oportunas informações. Fala, sobretudo, da existência de um filho de Leonilla Almeida, que viveria na cidade de Caxias, por nome Epiphanio, o qual foi nascido na prisão da Ilha Grande. Outra informação diz respeito à fuga de Leonilla de Campo Grande, na década de 20, com a ajuda de sua irmã Amélia, que vem a ser avó do nosso estimado amigo Fred Borges, colunista social do TRIBUNA DO VALE. Quando seu pai Antonio Félix Cardoso estava prestes a morrer, em 1942, Leonilla voltou a Campo Grande para pedir perdão, negado pelo patriarca que nunca entenderia os diferentes caminhos e o estilo de vida, bem como a visão de mundo daquela mulher avançada para sua época.
Arlen destaca também as citações do grande Graciliano Ramos com referência a Leonilla Almeida e seu esposo, na obra “Memórias do Cárcere”. É assim que, na página 127 deste livro, Graciliano descreve nossa Leonilla: “A certeza de que estavam ali os revoltosos de Natal acirrou-me a curiosidade, embora não me arriscasse a pedir informações ao desconhecido cauteloso. Duas mulheres achegaram-se, uma branca, nova, bonita, uma pequena cafuza de olhos espertos. Fiquei sabendo que a primeira se chamava Leonilla e era casada com Epifânio Guilhermino”.
Quanto ao esposo de Leonilla, o escritor alagoano assim o expõe: “Epifânio Guilhermino, terrivelmente sério, falava baixo e rápido, sublinhando com movimentos de cabeça afirmações categóricas, sem pestanejar. Ferido em combate, ficara meses entre a vida e a morte; uma bala o atravessara, deixando-lhe duas cicatrizes medonhas, uma na barriga, outra nas costas. Livrara-se por isso do espancamento. E restabelecido, até gordo, ali se achava, em companhia da mulher, apanhada a mexer num fuzil-metralhadora”. Trata-se de um olhar específico de uma pessoa que se destacou no mundo literário brasileiro como dono de um estilo seco e direto. Graciliano diria, em carta à irmã Marília Ramos: “Só conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida. Arte é sangue, é carne. Além disso não há nada. As nossas personagens são pedaços de nós mesmos, só podemos expor o que somos”.
Outros olhares podem ver como eram tratados os homens e mulheres partidários de renovações políticas e sociais, que ousavam desafiar o sistema. A tortura era lugar comum. Na obra de Graciliano identificamos a coragem de heróis do porte de Epifânio e Leonilla, que deixaram sua marca no trabalho literário do escritor alagoano, cujo enfoque está direcionado para a natureza humana dos que conviveram com ele na Ilha Grande, durante o terror do Estado Novo de Getúlio Vargas.
Em outro trecho de “Memórias do Cárcere”, o escritor menciona a “Sala 4”, local de prisão de Leonilla e outra figura feminina notável, Olga Benário Prestes, mulher do comandante revolucionário Luiz Carlos Prestes, entre outras como Eneida, Elisa Berger, Cármen Ghioldi, Maria Werneck, Maria Joana e Rosa Meireles, descritas assim por Graciliano: “Leonilla e Maria Joana foram recolhidas à sala 4. Do terraço, no banho de sol, vi-as lá embaixo, num pátio, em companhia das outras mulheres. Eram dez ou doze, formavam círculo e faziam exercício atirando uma à outra, a desenferrujar os braços, uma bola de borracha”. Assim segue o mestre de Alagoas, contando os detalhes daquela experiência traumatizante nos porões da ditadura, que reuniu elementos tão díspares no aspecto social, e tão parecidos no compromisso moral e político de sofrer as dores do mundo.
quinta-feira, 25 de junho de 2009
João Dantas, o tribuno do povo
A Geração itabaianense da década de 50 certamente conheceu o mestre Daciano Alves de Lima no apogeu de suas atividades artísticas, culturais e políticas. Foi um homem que, com esse passado e categoria, bem merece dar nome a uma rua importante da velha terra de Zé da Luz. Esclarecendo que Daciano foi amigo e cunhado de Zé da Luz e, por seu intermédio, a obra do grande vate matuto ganhou o mundo. Abrindo ainda outro parêntese para anunciar, com orgulho, que Zé da Luz está entre os 100 maiores poetas brasileiros do Século XX, na opinião dos mais renomados intelectuais do país.
Mas voltemos à Itabaiana da era de 50 a 60, com um grupo de intelectuais, artistas e operários fundando a União dos Artistas e Operários de Itabaiana, sob o comando de Daciano, Neco Frizo e outros baluartes, entre eles um alfaiate de nome João Dantas que, semi-analfabeto, era um tribuno inflamado, para deleite e atratividade de tudo quanto era inauguração, comício, reunião e velório. Sua voz de tonalidade arrebatada encantava os conterrâneos e empolgava a juventude itabaianense, segundo testemunho do professor Odésio Amorim, na época, telegrafista da velha Estação Ferroviária. Toda essa elite intelectual e política reunia-se na União de Artistas e Operários, um clube beneficente que, de certo, teve influência dos ideais maçônicos, posto que, no frontispício de sua sede, estava lá a simbologia do esquadro e compasso a marcar, na simplicidade de uma agremiação operária, o sonho de fraternidade dos fundadores da União.
Destacando-se dos líderes pela oratória, surgia sempre o João Dantas; quando a multidão enxameava os ambientes festivos, nas reuniões alegres ou de desagravo, quando a massa acorria aos comícios do velho PSD, liderado por José Silveira, lá estava João Dantas que só falava devidamente paramentado de gravata. Orador consciente dos seus dotes e carisma, não dispensava a vestidura tradicional, a guarnição de todo tribuno, que era o paletó de linho e a indefectível gravata. Sem gravata, não havia discurso de João Dantas. Tanto que, convidado de última hora para “dar uma palavrinha”, o virtuoso da palavra recusava a honra, mas sem gravata não lançaria a luz da sua oratória.
O oficial dos arreios e selas que foi Daciano Alves de Lima juntava seus amigos em sua oficina da Rua da Gameleira, e era João Dantas quem dava o tom que agitava o marasmo da Itabaiana de então, nas lutas políticas lideradas pelo populismo de centro-esquerda de um político de origem conservadora, mas que foi, no restrito espaço da província, um estadista. Este era José Silveira, para cuja vida política o tribuno popular João Dantas dedicou o melhor do seu talento, a viveza de sua imaginação, o requinte do discurso mais profundo e fervoroso. E foi em plena passeata de campanha de José Silveira, na subida do Alto dos Currais, que o coração de João Dantas parou e sua alma subiu a outro status, sempre de gravata, enfileirando-se na galeria dos grandes tribunos populares nascidos em Itabaiana. Era uma lenda viva, um singular líder do povo que, na sua humildade, sempre foi fiel aos ideais de fraternidade e união de classes.
Seu ídolo político, José Silveira, mandou construir uma casinha que ofertou à viúva, um reconhecimento do generoso político ao seu seguidor mais fiel, ao orador que traduzia os sentimentos do povo e transvertia toda emoção da palavra nas grandes manifestações de massa de Itabaiana de outrora, no tempo em que ainda havia mais vida inteligente neste planeta às margens do Paraíba.
Mas voltemos à Itabaiana da era de 50 a 60, com um grupo de intelectuais, artistas e operários fundando a União dos Artistas e Operários de Itabaiana, sob o comando de Daciano, Neco Frizo e outros baluartes, entre eles um alfaiate de nome João Dantas que, semi-analfabeto, era um tribuno inflamado, para deleite e atratividade de tudo quanto era inauguração, comício, reunião e velório. Sua voz de tonalidade arrebatada encantava os conterrâneos e empolgava a juventude itabaianense, segundo testemunho do professor Odésio Amorim, na época, telegrafista da velha Estação Ferroviária. Toda essa elite intelectual e política reunia-se na União de Artistas e Operários, um clube beneficente que, de certo, teve influência dos ideais maçônicos, posto que, no frontispício de sua sede, estava lá a simbologia do esquadro e compasso a marcar, na simplicidade de uma agremiação operária, o sonho de fraternidade dos fundadores da União.
Destacando-se dos líderes pela oratória, surgia sempre o João Dantas; quando a multidão enxameava os ambientes festivos, nas reuniões alegres ou de desagravo, quando a massa acorria aos comícios do velho PSD, liderado por José Silveira, lá estava João Dantas que só falava devidamente paramentado de gravata. Orador consciente dos seus dotes e carisma, não dispensava a vestidura tradicional, a guarnição de todo tribuno, que era o paletó de linho e a indefectível gravata. Sem gravata, não havia discurso de João Dantas. Tanto que, convidado de última hora para “dar uma palavrinha”, o virtuoso da palavra recusava a honra, mas sem gravata não lançaria a luz da sua oratória.
O oficial dos arreios e selas que foi Daciano Alves de Lima juntava seus amigos em sua oficina da Rua da Gameleira, e era João Dantas quem dava o tom que agitava o marasmo da Itabaiana de então, nas lutas políticas lideradas pelo populismo de centro-esquerda de um político de origem conservadora, mas que foi, no restrito espaço da província, um estadista. Este era José Silveira, para cuja vida política o tribuno popular João Dantas dedicou o melhor do seu talento, a viveza de sua imaginação, o requinte do discurso mais profundo e fervoroso. E foi em plena passeata de campanha de José Silveira, na subida do Alto dos Currais, que o coração de João Dantas parou e sua alma subiu a outro status, sempre de gravata, enfileirando-se na galeria dos grandes tribunos populares nascidos em Itabaiana. Era uma lenda viva, um singular líder do povo que, na sua humildade, sempre foi fiel aos ideais de fraternidade e união de classes.
Seu ídolo político, José Silveira, mandou construir uma casinha que ofertou à viúva, um reconhecimento do generoso político ao seu seguidor mais fiel, ao orador que traduzia os sentimentos do povo e transvertia toda emoção da palavra nas grandes manifestações de massa de Itabaiana de outrora, no tempo em que ainda havia mais vida inteligente neste planeta às margens do Paraíba.
quarta-feira, 24 de junho de 2009
O estuprador misterioso
A imprensa vem divulgando notícias de um suposto vereador estuprador na cidade de Sapé, uma história que já saiu do sério para entrar naquela faixa de pura sacanagem, não no sentido de bandalheira e devassidão (coisa que, nas câmaras deste país, acontece rotineiramente), mas no aspecto gozacional, isto é, dando matéria para sujeitos metidos a engraçadinhos como eu e meu compadre João Marcos, também lá de Sapé, “deitar e rolar” na fabricação de piadas e “causos” sobre o tema.
Já dizia um compadre meu: ser vereador é padecer no paraíso! O sujeito sofre que só sovaco de aleijado, ganha pouco, tem que dar esmola (vereador pirangueiro, só se for pastor de igreja milagreira ou cabra de família grande), sofre todo tipo de achaque, dedada em comício, leva nome de corno, ladrão, analfabeto, “fí-de-rapariga”, e agora, pra completar, é suspeito de destabocador de rola. Mas pergunte se algum deles quer largar a rapadura? Nem morta! Um gentil vereador amigo meu, lá de Sapé, confidenciou que a modesta natureza do cargo nem se compara com a sensação do poder, de pessoas simples terem a possibilidade de vetar decisões do prefeito, fazer média com os amigos, dar nome de rua aos parentes, inventar leis sem pé nem cabeça, fingir que combate os ilícitos do prefeito esperando o “toco” que certamente virá, enfim, essas coisas próprias do nosso Poder Legislativo, que não é pra ser levado a sério, porque não se dá ao respeito. Pode ser respeitado um órgão que só se reúne uma vez por semana e tem seis meses de férias por ano? Mas já aconteceu de vereador tirar licença por causa de estafa.
Voltando ao nosso misterioso abusador de meninas, dizem que o FBI, a Polícia Federal, o Cabo Êta e o Sargento Tapa estão no encalço do perigoso acunhador de garotas, que pode ser preso a qualquer momento. Tem vereador querendo ser o “espada” procurado, porque dá status! Já pensaram: a nossa “grande” imprensa faz o “comercial” do safado, ele fatura a imensa publicidade, e como o povo gosta e se encanta com essas figuras escrotas (se não fosse assim não votariam nos pernósticos, safados e tarados que estão aí), o vereador sexualmente degenerado passa a ser um herói, correndo o risco de ser imitado pela nossa jumentíssima juventude e até por membros (êpa!) da nossa alta sociedade.
Outro dia recebi um bilhete de uma esposa de vereador (não é de Sapé) confessando que seu marido é brocha e portanto está fora da lista dos suspeitos. Ela confidenciou que seu marido, por via das dúvidas, está botando um projeto de lei para a Câmara contratar bons psicanalistas para aliviar esses traumas causados, por exemplo, por esse caso do tarado integrante da Câmara Municipal de Sapé. Todos os vereadores estão traumatizados com esse escândalo, e temem que sem um bom psicanalista para recolocar os ids, os egos e os superegos no lugar, os vereadores jamais serão os mesmos. Cidadania é isto. O resto é fofoca de eleitor despeitado.
Já dizia um compadre meu: ser vereador é padecer no paraíso! O sujeito sofre que só sovaco de aleijado, ganha pouco, tem que dar esmola (vereador pirangueiro, só se for pastor de igreja milagreira ou cabra de família grande), sofre todo tipo de achaque, dedada em comício, leva nome de corno, ladrão, analfabeto, “fí-de-rapariga”, e agora, pra completar, é suspeito de destabocador de rola. Mas pergunte se algum deles quer largar a rapadura? Nem morta! Um gentil vereador amigo meu, lá de Sapé, confidenciou que a modesta natureza do cargo nem se compara com a sensação do poder, de pessoas simples terem a possibilidade de vetar decisões do prefeito, fazer média com os amigos, dar nome de rua aos parentes, inventar leis sem pé nem cabeça, fingir que combate os ilícitos do prefeito esperando o “toco” que certamente virá, enfim, essas coisas próprias do nosso Poder Legislativo, que não é pra ser levado a sério, porque não se dá ao respeito. Pode ser respeitado um órgão que só se reúne uma vez por semana e tem seis meses de férias por ano? Mas já aconteceu de vereador tirar licença por causa de estafa.
Voltando ao nosso misterioso abusador de meninas, dizem que o FBI, a Polícia Federal, o Cabo Êta e o Sargento Tapa estão no encalço do perigoso acunhador de garotas, que pode ser preso a qualquer momento. Tem vereador querendo ser o “espada” procurado, porque dá status! Já pensaram: a nossa “grande” imprensa faz o “comercial” do safado, ele fatura a imensa publicidade, e como o povo gosta e se encanta com essas figuras escrotas (se não fosse assim não votariam nos pernósticos, safados e tarados que estão aí), o vereador sexualmente degenerado passa a ser um herói, correndo o risco de ser imitado pela nossa jumentíssima juventude e até por membros (êpa!) da nossa alta sociedade.
Outro dia recebi um bilhete de uma esposa de vereador (não é de Sapé) confessando que seu marido é brocha e portanto está fora da lista dos suspeitos. Ela confidenciou que seu marido, por via das dúvidas, está botando um projeto de lei para a Câmara contratar bons psicanalistas para aliviar esses traumas causados, por exemplo, por esse caso do tarado integrante da Câmara Municipal de Sapé. Todos os vereadores estão traumatizados com esse escândalo, e temem que sem um bom psicanalista para recolocar os ids, os egos e os superegos no lugar, os vereadores jamais serão os mesmos. Cidadania é isto. O resto é fofoca de eleitor despeitado.
terça-feira, 23 de junho de 2009
MELODRAMA VIRTUAL EM CINCO CAPÍTULOS
CAPÍTULO 1
DE: anna.sonhadora@gmail.com
Enviado em 10 de maio de 2009
Para: robsilva@aol.com.br
Assunto: Assustada
Roberval:
Depois do que aconteceu ontem, jamais serei a mesma Ana. Nem mesmo seu nome, Roberval, que lembra personagem cômico de televisão, empanou o encanto. Não quero mentir: passei a noite insone, lembrando as poucas horas que estivemos juntos. Você escreveu seu endereço eletrônico no folheto do motel, já que não tem celular nem telefone fixo. Minha esperança é de que esse endereço seja sólido o suficiente para manter o contato. Você é talvez o único homem na terra que restou sem celular. Por favor, ligue para meu número. Estou assustada e feliz, porque você mudou a perspectiva de minha vida. Nem tomei banho, para não lavar o seu cheiro, "feito tatuagem" no meu corpo físico e espiritual. Quando começar a responder, começo a contar minha vida, tudo o que você precisa saber a meu respeito, Vou ficar em casa o dia todo, já que é feriado e não preciso trabalhar. Esperando seu telefonema.
Já completamente sua,
Ana.
CAPITULO 2
DE: anna.sonhadora@gmail.com
Enviado em 14 de maio de 2009
Para: robsilva@aol.com.br
Assunto: Roberval é lindo!
Rob:
Andei pensando: seu nome não é tão ridículo assim. Conheci um Roberval na faculdade, um zé ruela CDF que foi o cara a me deixar a má impressão do nome, mas você mudou meus conceitos até nisso.
Não recebi nenhuma resposta, o que me faz acreditar que a internet nao deve ser uma forma de comunicação segura, como pensei. Por via das dúvidas, mandei a mensagem várias vezes. Sei que você ainda não comprou um celular, e os orelhões estão sempre desativados. Você pode ter tentado ligar, por algum motivo não deu linha.
Em uma das minhas mais deliciosas lembranças, você está acariciando meus cabelos. "Onde estivemos esse tempo todoque só agora o destino nos coloca frente a frente, lado a lado?", disse você. "Em cima e em baixo", pensei gostosamente.
Roberval: eu não estava preparada e por isso o susto por me ver novamente apaixonada. Estou reescrevendo a amarga crônica de minha vida solitária. É estranho - ou talvez nem tão estranho - que você tenha despertado em mim emoções das quais eu não sabia que era capaz.
Ligue por favor!
Ana.
CAPÍTULO 3
DE: anna.sonhadora@gmail.com
Enviado em 20 de maio de 2009
Para: robsilva@aol.com.br
Assunto: Roberval, nome de pateta!
Vou direto ao assunto: pensa que sou uma vagabunda qualquer, dessas fuleiras de internet que vivem procurando homem no mundo virtual?
É bom para o seu ego, seu canalha, saber que fiquei a semana toda em casa, esperando seu telefonema, sua mensagem, e por isso perdi o emprego. Já se passaram muitos dias. E não diga que não recebeu meus e-mails, porque enviei seis vezes cada um, e do computador de minha vizinha por garantia.
Você pensa que sou uma mulher vulgar, só porque dei meu coração e o resto de mim no primeiro encontro? Pois saiba que tomei banho, me limpei de você, do seu cheiro, do sabor de sua língua entrando e saindo de minha boca, como uma pequena adaga. Estou transbordante de raiva e frustração. Mas ao mesmo tempo aliviada por ter escapado por um triz de um cara que tem algo de selvagem, vi isso em seus olhos, um sorriso de lobo traiçoeiro. Você não está lidando com uma idiota, que não sabe nada do mundo. Tenho 50 anos bem vividos e conheço tipos imbecis iguais a você.
Passar bem!
Ana.
CAPÍTULO 4
DE: anna.sonhadora@gmail.com
Enviado em 21 de maio de 2009
Para: robsilva@aol.com.br
Assunto: Leia minha morte nos jornais
Sr. Roberval:
Desculpe pelo último e-mail. Completamente arrazada, perdi o controle nesse vazio de informações. Já não estou tão cheia de raiva. Só triste. A tristeza é uma coisa estranha, a minha é concentrada. Não pense que eu o tenha perdoado. Só agora entendo que você foi enviado pelo espírito do mal para acabar com aminha vida.
Vou embora, talvez com uma forte dose de formicida, sem saber lidar com o fato de ter me envolvido com um Roberval qualquer que me tirou a razão. Estou me sentindo em transe. Não sei qual a realidade, nem quando tudo começou a desmoronar. Meu cérebro ficou tão obscurecido que esqueci tudo o mais, exceto seu corpo. E você com certeza não me considerou corriqueira. Valeu! Um Roberval sedutor, me indicando a catástrofe que se aproximava. Sabia o tempo todo que estava destinada a desatinar, nessas noites de espera e ansiedade.Valeu Roberval!
Até a eternidade!
Ana.
CAPÍTULO 5
DE: robsilva@aol.com.br
Enviado em 21 de maio de 2009
Para: anna.sonhadora@gmail.com
Assunto: RE: Leia minha morte nos jornais
olha, senhora, naum sei c esse cara pra quem vc ta escrevendo sacaneou vc c/ e-mail falso ou c vcé maluca e ele uma vizagem que vc inventou (rsrs) mas sou um cara de 16 anos e nunk vc e eu passamos nenhuma noite juntos. pra começar nunk abri seus emails p/ causa do alerta de vírus e tudo + só queo assunto do último me assustou, pensei que tinha a ver com um filme que assisti. então não tome ormicida por minha causa pq esse seu amiguinho te enganou dando um email furado e pelo visto deu nos calos o cara é um puta esperto (rsrsrs)
Roberto
DE: anna.sonhadora@gmail.com
Enviado em 10 de maio de 2009
Para: robsilva@aol.com.br
Assunto: Assustada
Roberval:
Depois do que aconteceu ontem, jamais serei a mesma Ana. Nem mesmo seu nome, Roberval, que lembra personagem cômico de televisão, empanou o encanto. Não quero mentir: passei a noite insone, lembrando as poucas horas que estivemos juntos. Você escreveu seu endereço eletrônico no folheto do motel, já que não tem celular nem telefone fixo. Minha esperança é de que esse endereço seja sólido o suficiente para manter o contato. Você é talvez o único homem na terra que restou sem celular. Por favor, ligue para meu número. Estou assustada e feliz, porque você mudou a perspectiva de minha vida. Nem tomei banho, para não lavar o seu cheiro, "feito tatuagem" no meu corpo físico e espiritual. Quando começar a responder, começo a contar minha vida, tudo o que você precisa saber a meu respeito, Vou ficar em casa o dia todo, já que é feriado e não preciso trabalhar. Esperando seu telefonema.
Já completamente sua,
Ana.
CAPITULO 2
DE: anna.sonhadora@gmail.com
Enviado em 14 de maio de 2009
Para: robsilva@aol.com.br
Assunto: Roberval é lindo!
Rob:
Andei pensando: seu nome não é tão ridículo assim. Conheci um Roberval na faculdade, um zé ruela CDF que foi o cara a me deixar a má impressão do nome, mas você mudou meus conceitos até nisso.
Não recebi nenhuma resposta, o que me faz acreditar que a internet nao deve ser uma forma de comunicação segura, como pensei. Por via das dúvidas, mandei a mensagem várias vezes. Sei que você ainda não comprou um celular, e os orelhões estão sempre desativados. Você pode ter tentado ligar, por algum motivo não deu linha.
Em uma das minhas mais deliciosas lembranças, você está acariciando meus cabelos. "Onde estivemos esse tempo todoque só agora o destino nos coloca frente a frente, lado a lado?", disse você. "Em cima e em baixo", pensei gostosamente.
Roberval: eu não estava preparada e por isso o susto por me ver novamente apaixonada. Estou reescrevendo a amarga crônica de minha vida solitária. É estranho - ou talvez nem tão estranho - que você tenha despertado em mim emoções das quais eu não sabia que era capaz.
Ligue por favor!
Ana.
CAPÍTULO 3
DE: anna.sonhadora@gmail.com
Enviado em 20 de maio de 2009
Para: robsilva@aol.com.br
Assunto: Roberval, nome de pateta!
Vou direto ao assunto: pensa que sou uma vagabunda qualquer, dessas fuleiras de internet que vivem procurando homem no mundo virtual?
É bom para o seu ego, seu canalha, saber que fiquei a semana toda em casa, esperando seu telefonema, sua mensagem, e por isso perdi o emprego. Já se passaram muitos dias. E não diga que não recebeu meus e-mails, porque enviei seis vezes cada um, e do computador de minha vizinha por garantia.
Você pensa que sou uma mulher vulgar, só porque dei meu coração e o resto de mim no primeiro encontro? Pois saiba que tomei banho, me limpei de você, do seu cheiro, do sabor de sua língua entrando e saindo de minha boca, como uma pequena adaga. Estou transbordante de raiva e frustração. Mas ao mesmo tempo aliviada por ter escapado por um triz de um cara que tem algo de selvagem, vi isso em seus olhos, um sorriso de lobo traiçoeiro. Você não está lidando com uma idiota, que não sabe nada do mundo. Tenho 50 anos bem vividos e conheço tipos imbecis iguais a você.
Passar bem!
Ana.
CAPÍTULO 4
DE: anna.sonhadora@gmail.com
Enviado em 21 de maio de 2009
Para: robsilva@aol.com.br
Assunto: Leia minha morte nos jornais
Sr. Roberval:
Desculpe pelo último e-mail. Completamente arrazada, perdi o controle nesse vazio de informações. Já não estou tão cheia de raiva. Só triste. A tristeza é uma coisa estranha, a minha é concentrada. Não pense que eu o tenha perdoado. Só agora entendo que você foi enviado pelo espírito do mal para acabar com aminha vida.
Vou embora, talvez com uma forte dose de formicida, sem saber lidar com o fato de ter me envolvido com um Roberval qualquer que me tirou a razão. Estou me sentindo em transe. Não sei qual a realidade, nem quando tudo começou a desmoronar. Meu cérebro ficou tão obscurecido que esqueci tudo o mais, exceto seu corpo. E você com certeza não me considerou corriqueira. Valeu! Um Roberval sedutor, me indicando a catástrofe que se aproximava. Sabia o tempo todo que estava destinada a desatinar, nessas noites de espera e ansiedade.Valeu Roberval!
Até a eternidade!
Ana.
CAPÍTULO 5
DE: robsilva@aol.com.br
Enviado em 21 de maio de 2009
Para: anna.sonhadora@gmail.com
Assunto: RE: Leia minha morte nos jornais
olha, senhora, naum sei c esse cara pra quem vc ta escrevendo sacaneou vc c/ e-mail falso ou c vcé maluca e ele uma vizagem que vc inventou (rsrs) mas sou um cara de 16 anos e nunk vc e eu passamos nenhuma noite juntos. pra começar nunk abri seus emails p/ causa do alerta de vírus e tudo + só queo assunto do último me assustou, pensei que tinha a ver com um filme que assisti. então não tome ormicida por minha causa pq esse seu amiguinho te enganou dando um email furado e pelo visto deu nos calos o cara é um puta esperto (rsrsrs)
Roberto
O caráter do meu povo
O tempo passa e minha terra não muda nada. Itabaiana é uma cidade fofoqueira, preguiçosa e conservadora. Mas espere! Não falo mal da minha cidade adotiva, apenas tento fazer uma reflexão a respeito do espírito itabaianense que, como todo lugar, tem seus méritos e suas mazelas. Os méritos, deixo-os com os ufanistas. Falo da parte ruim da minha “Rainha”, cujo povo é insensato, relaxado e com tendências à ingratidão. Apesar disso, conheço muitos itabaianenses, sensíveis e de bom caráter!
A nossa falta de cultura, nossos índices indecentes de desenvolvimento humano não apagam nossas singelas virtudes, o encanto pela terra que todo visitante experimenta. O filósofo francês Lèvi Straus disse que as cidades brasileiras entravam em decadência sem ter conhecido o apogeu. Itabaiana é diferente. Na década de 20, acreditem, tínhamos bonde, energia (primeiro do que na capital), e uma vida urbana avançada. Itabaiana chegou a manter um jornal diário. Os barões do gado acendiam seus charutos com notas de cem mil réis nos cabarés da cidade, ao som das melhores orquestras e na companhia das mais deslumbrantes damas da noite, bebendo legítima champanhe francesa.
O dinheiro deixou de circular, o antigo fausto deu lugar à decadência, e hoje somos o que a história e a realidade nordestina nos fez: indolentes e antiquados, belos e generosos, subdesenvolvidos e espirituosos. Dizem que a memória do brasileiro não resiste a uma boa noite de sono. Mas é hora de tentarmos recordar nossa História, emocionante e trágica, bela e heróica. Dá pena sentir a atmosfera vaga e imprecisa de uma “rainha” que um dia foi heroína. Em alguns pontos, talvez no essencial, continua a mesma Itabaiana encantadora que Zé da Luz cantou nos seus mais belos poemas.
O jovem itabaianense de hoje precisa estudar a História da terra, para melhor valorizá-la e, quem sabe, adquirir mais confiança, energia e vontade de honrar seus antepassados na luta por causas como direitos civis e melhoria de vida em sua comunidade, compartilhando uma identidade com os homens e mulheres que escreveram a glória do nosso passado até com o sangue heróico, para poder encarar nossa Rainha com orgulho, no que ela tem de pior e de melhor. Esses sentimentos só podem brotar pelo estudo de nosso passado. Só se ama o que se conhece.
A nossa falta de cultura, nossos índices indecentes de desenvolvimento humano não apagam nossas singelas virtudes, o encanto pela terra que todo visitante experimenta. O filósofo francês Lèvi Straus disse que as cidades brasileiras entravam em decadência sem ter conhecido o apogeu. Itabaiana é diferente. Na década de 20, acreditem, tínhamos bonde, energia (primeiro do que na capital), e uma vida urbana avançada. Itabaiana chegou a manter um jornal diário. Os barões do gado acendiam seus charutos com notas de cem mil réis nos cabarés da cidade, ao som das melhores orquestras e na companhia das mais deslumbrantes damas da noite, bebendo legítima champanhe francesa.
O dinheiro deixou de circular, o antigo fausto deu lugar à decadência, e hoje somos o que a história e a realidade nordestina nos fez: indolentes e antiquados, belos e generosos, subdesenvolvidos e espirituosos. Dizem que a memória do brasileiro não resiste a uma boa noite de sono. Mas é hora de tentarmos recordar nossa História, emocionante e trágica, bela e heróica. Dá pena sentir a atmosfera vaga e imprecisa de uma “rainha” que um dia foi heroína. Em alguns pontos, talvez no essencial, continua a mesma Itabaiana encantadora que Zé da Luz cantou nos seus mais belos poemas.
O jovem itabaianense de hoje precisa estudar a História da terra, para melhor valorizá-la e, quem sabe, adquirir mais confiança, energia e vontade de honrar seus antepassados na luta por causas como direitos civis e melhoria de vida em sua comunidade, compartilhando uma identidade com os homens e mulheres que escreveram a glória do nosso passado até com o sangue heróico, para poder encarar nossa Rainha com orgulho, no que ela tem de pior e de melhor. Esses sentimentos só podem brotar pelo estudo de nosso passado. Só se ama o que se conhece.
domingo, 21 de junho de 2009
Zé Maranhão, o aviador do povão
O governador Zé Maranhão, da capitania da Parahyba, é um homem decidido e instrumentalizado. Aprendeu a voar desde cedo, e em céu de brigadeiro vem sobrevoando as correntes a favor nesses céus límpidos do realismo fantástico político paraibano. É um comandante consumado. Não só pela capacidade de se manter no poder, à frente de sua imensa boiada, como por ser um sujeito confiante nos seus instrumentos de voo. Dizem que o homem conserta avião em pleno voo. Os mais afoitos bajuladores garantem que ele transcorre tão espontâneo no ar que mais parece uma águia de bico afiado e olhos fitos nos alvos móveis e imóveis de sua Paraíba velha de guerra e de safadezas.
Por sinal, esta terra de muro baixo é talvez onde se encontre mais puxa-sacos por metro quadrado nesse imenso Brasilzinho safadinho. A gente nem se toca, às vezes nem se disfarça. Tem um prefeito aí que apresentou a mulher ao governador:
--- É sua esposa? – Perguntou Maranhão.
--- É nossa! – adiantou o prefeitinho, doido pra agradar.
E vai seguindo o cortejo dos babões, personagens deste universo politiqueiro cujo único comprometimento ideológico é com o poder, seja quem for que estiver no leme.
Conta-se uma piadinha acontecida numa cidade perdida nessas quebradas, onde o governador foi inaugurar um bico de luz, uma rampa de acesso que liga o nada a lugar nenhum, ou qualquer dessas obras fuleiras que desafiam a capacidade de cretinice das nossas autoridades. Em meio aos foguetões, tão ao gosto do nosso piloto, um vereador adiantou-se e começou o discurso:
--- Nosso governador, além de ser um mestre de obras, é um verdadeiro Santos Dumont.
No meio da turba ignara, um bebinho por nome Biu Penca Preta lutava para apertar a mão do homem, sem que a turma dos bajuladores deixasse o cara se aproximar do “mestre de obras”. Outro candidato a baba-ovo exclamou, em vibrante discurso:
--- Governador, o senhor é um falcão voador!
O bebinho, impaciente, também queria dizer seu mote, pra ver se arrumava o real da cana, mas ninguém deixava. Outro pateta gritou, para ser ouvido pelo homem:
--- Governador, o senhor é uma verdadeira águia dos ares!
Chegou a vez do bebinho:
--- Governador, o senhor já não é mais um maranhão, é um verdadeiro carai-de-asa!
Por sinal, esta terra de muro baixo é talvez onde se encontre mais puxa-sacos por metro quadrado nesse imenso Brasilzinho safadinho. A gente nem se toca, às vezes nem se disfarça. Tem um prefeito aí que apresentou a mulher ao governador:
--- É sua esposa? – Perguntou Maranhão.
--- É nossa! – adiantou o prefeitinho, doido pra agradar.
E vai seguindo o cortejo dos babões, personagens deste universo politiqueiro cujo único comprometimento ideológico é com o poder, seja quem for que estiver no leme.
Conta-se uma piadinha acontecida numa cidade perdida nessas quebradas, onde o governador foi inaugurar um bico de luz, uma rampa de acesso que liga o nada a lugar nenhum, ou qualquer dessas obras fuleiras que desafiam a capacidade de cretinice das nossas autoridades. Em meio aos foguetões, tão ao gosto do nosso piloto, um vereador adiantou-se e começou o discurso:
--- Nosso governador, além de ser um mestre de obras, é um verdadeiro Santos Dumont.
No meio da turba ignara, um bebinho por nome Biu Penca Preta lutava para apertar a mão do homem, sem que a turma dos bajuladores deixasse o cara se aproximar do “mestre de obras”. Outro candidato a baba-ovo exclamou, em vibrante discurso:
--- Governador, o senhor é um falcão voador!
O bebinho, impaciente, também queria dizer seu mote, pra ver se arrumava o real da cana, mas ninguém deixava. Outro pateta gritou, para ser ouvido pelo homem:
--- Governador, o senhor é uma verdadeira águia dos ares!
Chegou a vez do bebinho:
--- Governador, o senhor já não é mais um maranhão, é um verdadeiro carai-de-asa!
sábado, 20 de junho de 2009
Juiz de Mari bate recorde mundial
Depois de nove anos, retornei a Mari, onde vivi por doze anos. Pense num lugar longe! Pois Mari fica dois dias depois. Não é a distancia geográfica. Falo daquele distanciamento que nos impõe a vida. Eu morando aqui pertinho, em João Pessoa, e só nove anos depois retorno a essa cidadezinha que tem o melhor clima do Nordeste e algumas pessoas merecedoras de uma revisita.
Fui ao escritório do sindicalista Assis Firmino. O homem ta chique, com direito a ar condicionado e pose de executivo. É o manda-chuva do sindicato dos trabalhadores rurais, interino mas é. Como interino, fez umas reformas e tascou uma placa de bronze anunciando a “obra”, perpetuando seu nome, que Assis é a vaidade em pessoa.
Depois fui ao bar de Zezinho Kalai, onde encontrei o próprio e mais alguns papudinhos, do meu antigo time do “Pé Inchado” de tantas glórias garrafais. Tomei umas frias com bode assado e fui ao bar do Nelson, o melhor “pé sujo” da redondeza. Não pelas instalações, sempre sujas e desmanteladas, mas pelos freqüentadores e pelo tira-gosto de traíra. Soube que morreu meu amigo Biu Apaga Luz, um papudinho de respeito, pessoa humana formidável. Seu escudeiro Dedé também se foi, consumido pelo goró de Nelson do Bar.
Saio pelas ruas de Mari com o velho amigo Dr. Jean Monteiro. Revi a casa onde morei, agora abandonada e em ruínas. Mari teve sua geografia reinventada, as pessoas não me conhecem mais. Entretanto, até dos apertos e tristezas sinto saudades, quanto mais das alegrias e coisas boas construídas nesse lugar. Minha casa fica no centro, com vista para o bar. Coisa chique!
Quem me reconhece na rua é Caveirinha, que de pronto me dá um abraço, fala do filho que está com problemas no coração, diz que não está bebendo por conta desse aperreio. Caveirinha é um rapaz cordato, ingênuo e franco. Quando fundei a liga de futebol de Mari, botei Caveirinha no quadro de árbitros, chefiado por João Peão, um senhor da cabeça grande que a gente chamava “cabeça de navio”. João Peão não entendia nada de regra de futebol, mas como ninguém tinha convicção de sua ignorância, arbitrava os jogos e ditava regras. Por exemplo, numa partida ele marcou um pênalti que até o time favorecido achou tão absurdo que nem quis bater a falta máxima. João Peão não titubeou: “eu mesmo chuto o pênalti, pois ta na regra: quando ninguém quer bater, o juiz fica encarregado da cobrança”.
Caveirinha é dono de um recorde mundial, de que muito se orgulha: conseguiu ser agredido em três partidas de futebol no mesmo dia. Pela manhã, apanhou apitando uma pelada de veteranos, à tarde levou umas tapas no jogo de aspirantes da Liga, e à noite foi vítima de cascudos em partida de futebol de salão. Um dia, Caveirinha foi à minha casa em companhia de um sujeito, para certificar-se de sua façanha.
--- Fábio, diz a esse cara se eu não sou o único juiz do mundo que apanhou três vezes em três partidas no mesmo dia.
Confirmado o recorde, os olhos de Caveirinha brilhavam de orgulho:
--- Fábio entende de futebol, cara!
Fui ao escritório do sindicalista Assis Firmino. O homem ta chique, com direito a ar condicionado e pose de executivo. É o manda-chuva do sindicato dos trabalhadores rurais, interino mas é. Como interino, fez umas reformas e tascou uma placa de bronze anunciando a “obra”, perpetuando seu nome, que Assis é a vaidade em pessoa.
Depois fui ao bar de Zezinho Kalai, onde encontrei o próprio e mais alguns papudinhos, do meu antigo time do “Pé Inchado” de tantas glórias garrafais. Tomei umas frias com bode assado e fui ao bar do Nelson, o melhor “pé sujo” da redondeza. Não pelas instalações, sempre sujas e desmanteladas, mas pelos freqüentadores e pelo tira-gosto de traíra. Soube que morreu meu amigo Biu Apaga Luz, um papudinho de respeito, pessoa humana formidável. Seu escudeiro Dedé também se foi, consumido pelo goró de Nelson do Bar.
Saio pelas ruas de Mari com o velho amigo Dr. Jean Monteiro. Revi a casa onde morei, agora abandonada e em ruínas. Mari teve sua geografia reinventada, as pessoas não me conhecem mais. Entretanto, até dos apertos e tristezas sinto saudades, quanto mais das alegrias e coisas boas construídas nesse lugar. Minha casa fica no centro, com vista para o bar. Coisa chique!
Quem me reconhece na rua é Caveirinha, que de pronto me dá um abraço, fala do filho que está com problemas no coração, diz que não está bebendo por conta desse aperreio. Caveirinha é um rapaz cordato, ingênuo e franco. Quando fundei a liga de futebol de Mari, botei Caveirinha no quadro de árbitros, chefiado por João Peão, um senhor da cabeça grande que a gente chamava “cabeça de navio”. João Peão não entendia nada de regra de futebol, mas como ninguém tinha convicção de sua ignorância, arbitrava os jogos e ditava regras. Por exemplo, numa partida ele marcou um pênalti que até o time favorecido achou tão absurdo que nem quis bater a falta máxima. João Peão não titubeou: “eu mesmo chuto o pênalti, pois ta na regra: quando ninguém quer bater, o juiz fica encarregado da cobrança”.
Caveirinha é dono de um recorde mundial, de que muito se orgulha: conseguiu ser agredido em três partidas de futebol no mesmo dia. Pela manhã, apanhou apitando uma pelada de veteranos, à tarde levou umas tapas no jogo de aspirantes da Liga, e à noite foi vítima de cascudos em partida de futebol de salão. Um dia, Caveirinha foi à minha casa em companhia de um sujeito, para certificar-se de sua façanha.
--- Fábio, diz a esse cara se eu não sou o único juiz do mundo que apanhou três vezes em três partidas no mesmo dia.
Confirmado o recorde, os olhos de Caveirinha brilhavam de orgulho:
--- Fábio entende de futebol, cara!
Jornalismo indecente
“A imprensa reflete o grau de democracia da sociedade e o Brasil ainda não atingiu maturidade política para conviver com uma imprensa livre” – Francisco Karan, autor do livro “Jornalismo, Ética e Liberdade”
“Somos picaretas, mas quem não é?”. Esta é a reflexão do jornal PARAÍBA HOJE, no seu editorial de lançamento, em maio de 2003. O jornal, que circulou em João Pessoa, dirigido por Vanildo Guedes Pessoa Filho, divulga com destaque: “Todo mundo sabe que é impossível, hoje, um veículo de comunicação – seja rádio, TV, jornal ou revista – sobreviver sem um comprometimento da linha editorial com quem está “bancando”, sobretudo o Poder Público. PARAÍBA HOJE chega às bancas sem a pretensão de ser independente ou imparcial. Não queremos cair no ridículo de mostrar que nossos profissionais são isentos dos vícios que a cada dia comprometem os princípios que norteiam a profissão de jornalista. A velha cartilha só existe hoje na memória de uns poucos ou nos escombros dos sebos culturais da vida”.
Essa rapaziada do tal jornal certamente tem diploma universitário, cursou faculdade de comunicação, sendo teoricamente pessoas comprometidas com um jornalismo qualificado, inclusive do ponto de vista do bem. Esse pessoal sai do banco da universidade com essa “garra” toda, suscitando alguma meditação. Primeiro, se eles têm essa convicção de que a imprensa precisa depender dos favores do dinheiro público, sem temer inclusive o escândalo que é admitir publicamente em um editorial, alguma verdade existe sobre o fato. Sem atentar para qualquer nível de responsabilidade social que um órgão de imprensa deve ter.
Depois, ficamos imaginando que tipo de educação tiveram essas pessoas na universidade, e que espécie de informação o homem comum recebe de pessoas e entidades com esse viés, que certamente leva à informação-desinformada ou à deformação. Sem querer apelar para filosofia barata, temo que isso é sinal dos tempos, um fim de civilização mundano e pobre humanamente, em que se perderam noções morais e éticas, que relegou a cultura humanística a um plano secundário. Que perspectiva temos de retirar o povo brasileiro dessa situação de miséria cultural e informativa, quando um jornal confessa que joga sujo e o sindicato da categoria, por exemplo, não se manifesta, e os confrades da província fingem que não é com eles? Pode-se argumentar que é um jornal insignificante, mas isso pode ser uma prova documental, um forte indício de que os que usam e abusam das empresas de comunicação estão preocupados apenas com a perspectiva de se tornarem ricos, opulentos, ou simplesmente “ganhar a vida” alugando sua consciência. O direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial não é respeitado em nenhum nível, conforme esclarece o editorialista do PARAÍBA HOJE, decretando que não existe liberdade de informação jornalística neste país. Para corroborar com essa convicção do “jornalista”, qualquer leitor de mediana inteligência sabe que a imprensa paraibana não cumpre o seu papel de questionar modelos vigentes que deveriam ser alterados em prol da sociedade, com raras exceções, dentre elas o colunista Rubens Nóbrega, do CORREIO DA PARAÍBA. Bater palmas para os poderosos do dia ou encetar campanhas oposicionistas em nome de esquemas políticos manjados, esse é o jogo, o lugar-comum de nossa pobre imprensa, que bem merece a companhia do PARAÍBA HOJE.
Desde 1970 trabalho com essa matéria, a palavra escrita. Naquele ano, um dos mais emblemáticos da ditadura militar recém instalada no Brasil, fundei o JORNAL ALVORADA, em Itabaiana, com o slogan: Aqui vendem-se espaços, não idéias. Depois disso, entre prisões, processos e outros tratamentos injustos que os donos do poder reservavam para os contestadores, fundei os jornais FOLHA DE SAPÉ, O MONITOR MAÇÔNICO e TRIBUNA DO VALE, colaborando no Timbaúba Jornal, A Folha (Itabaiana), Alquimia do Verbo, Umari Notícias, Força de Expressão (Sapé), Itabaiana Hoje e fiz parte da equipe de jornalismo do Portal “Conhecendo a Paraíba”, na Internet. Trabalhei como tipógrafo, fui diretor de imprensa do Sindicato dos Ferroviários e repórter do jornal O NORTE na década de 70, indicado pelo grande jornalista Cecílio Batista, também itabaianense. Desde então, publico crônicas e comentários esparsamente em jornais e revistas, versando sobre arte, fatos locais, apreciação histórica, sociológica ou mera composição literária. Sou autor dos livros PÁTRIA ARMADA, MANOEL XUDU, O PRÍNCIPE DOS POETAS REPENTISTAS, HISTÓRIA DE ITABAIANA EM VERSOS e A DEMOCRACIA NO AR, livro que conta a história do radialismo comunitário na Paraíba, área onde atuo desde 1990, tendo fundado as rádios Araçá, Zumbi dos Palmares e Vale do Paraíba.
Com essa vida de jornal, fui procurar o sindicato da categoria para o devido registro profissional. Do alto do seu preconceito, nosso amigo Land Seixas colocou tantos obstáculos que desisti de ser “jornalista profissional”. Land acredita que a formação acadêmica é indispensável ao trabalho do jornalista. Defendendo a sua categoria, ele acha que o dano causado à sociedade por uma palavra escrita erradamente, um texto fora do contexto, é muito maior do que aquele causado pelo “jornalista” que força a barra, inventa notícias, cria fatos e divulga informações com apenas uma versão, para servir a interesses de quem paga. Confesso que não sou um bom jornalista. Ainda hoje erro muito, com a humildade de estar sempre aprendendo. Mas nunca me deixei corromper, e isso não se aprende na universidade. Aprendi muito sobre ética com meu pai, Arnaud Costa, velho jornalista que muito honra as tradições de cultura de Itabaiana, a terra de Zé da Luz. Se, para ser jornalista profissional, para “ganhar a vida” nesse ofício é necessário abrir mão da independência, como esclarece o jornaleco citado no início, prefiro continuar fazendo meu trabalho de forma séria e responsável, mesmo que clandestinamente, sujeito à rigorosa fiscalização do sindicato de Land Seixas. Mesmo que o “profissional” Vanildo Guedes Pessoa Filho ache ridículo e ultrapassado essa história de ética na imprensa.
(Publicado no jornal TRIBUNA DO VALE, de Itabaiana, em março de 2003)
“Somos picaretas, mas quem não é?”. Esta é a reflexão do jornal PARAÍBA HOJE, no seu editorial de lançamento, em maio de 2003. O jornal, que circulou em João Pessoa, dirigido por Vanildo Guedes Pessoa Filho, divulga com destaque: “Todo mundo sabe que é impossível, hoje, um veículo de comunicação – seja rádio, TV, jornal ou revista – sobreviver sem um comprometimento da linha editorial com quem está “bancando”, sobretudo o Poder Público. PARAÍBA HOJE chega às bancas sem a pretensão de ser independente ou imparcial. Não queremos cair no ridículo de mostrar que nossos profissionais são isentos dos vícios que a cada dia comprometem os princípios que norteiam a profissão de jornalista. A velha cartilha só existe hoje na memória de uns poucos ou nos escombros dos sebos culturais da vida”.
Essa rapaziada do tal jornal certamente tem diploma universitário, cursou faculdade de comunicação, sendo teoricamente pessoas comprometidas com um jornalismo qualificado, inclusive do ponto de vista do bem. Esse pessoal sai do banco da universidade com essa “garra” toda, suscitando alguma meditação. Primeiro, se eles têm essa convicção de que a imprensa precisa depender dos favores do dinheiro público, sem temer inclusive o escândalo que é admitir publicamente em um editorial, alguma verdade existe sobre o fato. Sem atentar para qualquer nível de responsabilidade social que um órgão de imprensa deve ter.
Depois, ficamos imaginando que tipo de educação tiveram essas pessoas na universidade, e que espécie de informação o homem comum recebe de pessoas e entidades com esse viés, que certamente leva à informação-desinformada ou à deformação. Sem querer apelar para filosofia barata, temo que isso é sinal dos tempos, um fim de civilização mundano e pobre humanamente, em que se perderam noções morais e éticas, que relegou a cultura humanística a um plano secundário. Que perspectiva temos de retirar o povo brasileiro dessa situação de miséria cultural e informativa, quando um jornal confessa que joga sujo e o sindicato da categoria, por exemplo, não se manifesta, e os confrades da província fingem que não é com eles? Pode-se argumentar que é um jornal insignificante, mas isso pode ser uma prova documental, um forte indício de que os que usam e abusam das empresas de comunicação estão preocupados apenas com a perspectiva de se tornarem ricos, opulentos, ou simplesmente “ganhar a vida” alugando sua consciência. O direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial não é respeitado em nenhum nível, conforme esclarece o editorialista do PARAÍBA HOJE, decretando que não existe liberdade de informação jornalística neste país. Para corroborar com essa convicção do “jornalista”, qualquer leitor de mediana inteligência sabe que a imprensa paraibana não cumpre o seu papel de questionar modelos vigentes que deveriam ser alterados em prol da sociedade, com raras exceções, dentre elas o colunista Rubens Nóbrega, do CORREIO DA PARAÍBA. Bater palmas para os poderosos do dia ou encetar campanhas oposicionistas em nome de esquemas políticos manjados, esse é o jogo, o lugar-comum de nossa pobre imprensa, que bem merece a companhia do PARAÍBA HOJE.
Desde 1970 trabalho com essa matéria, a palavra escrita. Naquele ano, um dos mais emblemáticos da ditadura militar recém instalada no Brasil, fundei o JORNAL ALVORADA, em Itabaiana, com o slogan: Aqui vendem-se espaços, não idéias. Depois disso, entre prisões, processos e outros tratamentos injustos que os donos do poder reservavam para os contestadores, fundei os jornais FOLHA DE SAPÉ, O MONITOR MAÇÔNICO e TRIBUNA DO VALE, colaborando no Timbaúba Jornal, A Folha (Itabaiana), Alquimia do Verbo, Umari Notícias, Força de Expressão (Sapé), Itabaiana Hoje e fiz parte da equipe de jornalismo do Portal “Conhecendo a Paraíba”, na Internet. Trabalhei como tipógrafo, fui diretor de imprensa do Sindicato dos Ferroviários e repórter do jornal O NORTE na década de 70, indicado pelo grande jornalista Cecílio Batista, também itabaianense. Desde então, publico crônicas e comentários esparsamente em jornais e revistas, versando sobre arte, fatos locais, apreciação histórica, sociológica ou mera composição literária. Sou autor dos livros PÁTRIA ARMADA, MANOEL XUDU, O PRÍNCIPE DOS POETAS REPENTISTAS, HISTÓRIA DE ITABAIANA EM VERSOS e A DEMOCRACIA NO AR, livro que conta a história do radialismo comunitário na Paraíba, área onde atuo desde 1990, tendo fundado as rádios Araçá, Zumbi dos Palmares e Vale do Paraíba.
Com essa vida de jornal, fui procurar o sindicato da categoria para o devido registro profissional. Do alto do seu preconceito, nosso amigo Land Seixas colocou tantos obstáculos que desisti de ser “jornalista profissional”. Land acredita que a formação acadêmica é indispensável ao trabalho do jornalista. Defendendo a sua categoria, ele acha que o dano causado à sociedade por uma palavra escrita erradamente, um texto fora do contexto, é muito maior do que aquele causado pelo “jornalista” que força a barra, inventa notícias, cria fatos e divulga informações com apenas uma versão, para servir a interesses de quem paga. Confesso que não sou um bom jornalista. Ainda hoje erro muito, com a humildade de estar sempre aprendendo. Mas nunca me deixei corromper, e isso não se aprende na universidade. Aprendi muito sobre ética com meu pai, Arnaud Costa, velho jornalista que muito honra as tradições de cultura de Itabaiana, a terra de Zé da Luz. Se, para ser jornalista profissional, para “ganhar a vida” nesse ofício é necessário abrir mão da independência, como esclarece o jornaleco citado no início, prefiro continuar fazendo meu trabalho de forma séria e responsável, mesmo que clandestinamente, sujeito à rigorosa fiscalização do sindicato de Land Seixas. Mesmo que o “profissional” Vanildo Guedes Pessoa Filho ache ridículo e ultrapassado essa história de ética na imprensa.
(Publicado no jornal TRIBUNA DO VALE, de Itabaiana, em março de 2003)
sexta-feira, 19 de junho de 2009
"Fuleiragem music" domina rádio de Sapé
Uns chamam de “forró estilizado”, outros rotulam essas bandas de “fuleiragem music”. As bandas, por sua vez, batizam-se de “forró romântico”. Não passa de um modismo cuja receita é muita baixaria e machismo. Por tabela, essa música de péssima qualidade descaracteriza nossa cultura nordestina e introjeta na juventude comportamentos danosos à sociedade. As letras da “fuleiragem music” apresentam uma temática repetitiva e de uma estupidez sem limites. Os espetáculos de rua enfocam cenas de pretensas danças que normalmente só se assiste em boate ou clube privê.
O que mais causa apreensão é a forma como a mulher é tratada nas letras dessas músicas, e a regressão a que está sendo levado o relacionamento homem/mulher. O crítico de música pernambucano José Teles disse que “o que o movimento feminista levou décadas para construir, os autores desses repertórios estão destruindo em poucos e pobres acordes”. Nas letras, a mulher não é só objeto, é um objeto descartável, sem valor e sem caráter. Pegue-se uma letra da música de uma banda dessas, chamada “Tapa na cara”. É de uma grossura inacreditável. Tem um trecho que diz: “ela apanha pra dormir e acorda pra apanhar”. O cara bate na mulher em todas as estrofes e no fim se justifica: “os vizinhos não sabem a cachorra que ela é”.
A Prefeitura de João Pessoa, em boa hora, excluiu esse tipo de banda em seus eventos musicais de rua. Caruaru acaba de decretar que no São João não se toca música de “forró bundinha”, como também é chamado esse lixo cultural. É uma questão apenas de bom senso e respeito a certos valores morais, éticos e culturais que não dá pra desprezar em nome do sucesso, do aplauso do público entorpecido por esse tipo de música. Esses critérios de escolha do que se deve pagar com o dinheiro público é que fizeram com que as prefeituras citadas deixassem de programar “forró de plástico” em seus eventos.
Eu lamento ouvir nas programações de pretensas rádios comunitárias o dia todo tocando essas porcarias. Eu acho que todo mundo tem o direito de gostar do que acha que é bom, por pior que esse “bom” seja. Ainda mais que, sem opção, o ouvinte só escuta esse tipo de música, porque o esquema de jabaculê é tão forte que as rádios comerciais só tocam o “forró de merda”. Sem opção, o ouvinte passa a apreciar o lixo que lhe impõem. Mas daí a programar essa excrescência em uma rádio comunitária, é de amargar!
Primeiro porque rádio comunitária está fora dos esquemas do jabaculê, que é a grana correndo frouxa para os bolsos de programadores e locutores das rádios comerciais para tocarem até a exaustão o que mandam as gravadoras. Depois, acham que é chique tocar aquela banda que apareceu no Faustão, mas no fundo estão dando força ao subproduto da indústria cultural e menosprezando o respeito à nossa cultura e aos direitos fundamentais das pessoas.
Passei em Sapé e sintonizei a Rádio Comunitária Sapé FM, que na verdade pertence ao meu compadre Mestre Camilo, um palhaço de pastoril que veio do rádio comercial e botou sua tendazinha com o nome de comunitária. O dia todo, a rádio do mestre Camilo só tocou “fuleragem music”, igual às rádios comerciais. O mestre Camilo não é culpado por sua rádio imitar as comerciais e só programar essas músicas lamentáveis. Ele não sabe, e talvez jamais venha a ter essa consciência, de que são os padrões e valores que determinam o comportamento social e que a indústria cultural é que diz como nos comportar. Ou seja, eles dizem o que é importante aprendermos. Sem nem notar, mestre Camilo divulga na sua rádio a ideologia da indústria cultural que é reacionária. Mestre Camilo toca o que está na moda, aquilo que as gravadoras determinaram que a gente ouvisse para que o povo comprasse o que vendem. Um certo companheiro de rádio comunitária me disse um dia: “se a gente não tocar o que as rádios comerciais tocam, não vamos ter audiência”. Eu acho, no entanto, que audiência não é fundamental para uma rádio comunitária.
Na Rádio Comunitária Zumbi dos Palmares, em João Pessoa, onde milito, a gente só toca música paraibana de qualidade. Sabe como a gente consegue manter a audiência? Botando o povo para falar na rádio de 15 em 15 minutos, o dia todo. O povo gosta de se ouvir no rádio. A comunidade mantém a sintonia na rádio porque sabe que estão falando de sua realidade, dos seus problemas e de coisas que estão acontecendo no seu quintal. Mas a maioria das “comunitárias” acha mais fácil tocar o lixo da moda para manter audiência.
A trilha sonora dessas rádios comunitárias que apelam para o esquema fácil de tocar baixaria anuncia apenas que são falsas comunitárias. Porque rádio comunitária é uma coisa nova, cujo objetivo é ajudar a mudar a sociedade, e a comunidade só assume a rádio de fato quando percebe essas diferenças. A questão cultural é fundamental para as mudanças sociais. As pessoas brigam por tantas coisas, mas não brigam quando nossa cultura é estuprada. E é o que faz esse tipo de música: estupra nossa cultura.
O que mais causa apreensão é a forma como a mulher é tratada nas letras dessas músicas, e a regressão a que está sendo levado o relacionamento homem/mulher. O crítico de música pernambucano José Teles disse que “o que o movimento feminista levou décadas para construir, os autores desses repertórios estão destruindo em poucos e pobres acordes”. Nas letras, a mulher não é só objeto, é um objeto descartável, sem valor e sem caráter. Pegue-se uma letra da música de uma banda dessas, chamada “Tapa na cara”. É de uma grossura inacreditável. Tem um trecho que diz: “ela apanha pra dormir e acorda pra apanhar”. O cara bate na mulher em todas as estrofes e no fim se justifica: “os vizinhos não sabem a cachorra que ela é”.
A Prefeitura de João Pessoa, em boa hora, excluiu esse tipo de banda em seus eventos musicais de rua. Caruaru acaba de decretar que no São João não se toca música de “forró bundinha”, como também é chamado esse lixo cultural. É uma questão apenas de bom senso e respeito a certos valores morais, éticos e culturais que não dá pra desprezar em nome do sucesso, do aplauso do público entorpecido por esse tipo de música. Esses critérios de escolha do que se deve pagar com o dinheiro público é que fizeram com que as prefeituras citadas deixassem de programar “forró de plástico” em seus eventos.
Eu lamento ouvir nas programações de pretensas rádios comunitárias o dia todo tocando essas porcarias. Eu acho que todo mundo tem o direito de gostar do que acha que é bom, por pior que esse “bom” seja. Ainda mais que, sem opção, o ouvinte só escuta esse tipo de música, porque o esquema de jabaculê é tão forte que as rádios comerciais só tocam o “forró de merda”. Sem opção, o ouvinte passa a apreciar o lixo que lhe impõem. Mas daí a programar essa excrescência em uma rádio comunitária, é de amargar!
Primeiro porque rádio comunitária está fora dos esquemas do jabaculê, que é a grana correndo frouxa para os bolsos de programadores e locutores das rádios comerciais para tocarem até a exaustão o que mandam as gravadoras. Depois, acham que é chique tocar aquela banda que apareceu no Faustão, mas no fundo estão dando força ao subproduto da indústria cultural e menosprezando o respeito à nossa cultura e aos direitos fundamentais das pessoas.
Passei em Sapé e sintonizei a Rádio Comunitária Sapé FM, que na verdade pertence ao meu compadre Mestre Camilo, um palhaço de pastoril que veio do rádio comercial e botou sua tendazinha com o nome de comunitária. O dia todo, a rádio do mestre Camilo só tocou “fuleragem music”, igual às rádios comerciais. O mestre Camilo não é culpado por sua rádio imitar as comerciais e só programar essas músicas lamentáveis. Ele não sabe, e talvez jamais venha a ter essa consciência, de que são os padrões e valores que determinam o comportamento social e que a indústria cultural é que diz como nos comportar. Ou seja, eles dizem o que é importante aprendermos. Sem nem notar, mestre Camilo divulga na sua rádio a ideologia da indústria cultural que é reacionária. Mestre Camilo toca o que está na moda, aquilo que as gravadoras determinaram que a gente ouvisse para que o povo comprasse o que vendem. Um certo companheiro de rádio comunitária me disse um dia: “se a gente não tocar o que as rádios comerciais tocam, não vamos ter audiência”. Eu acho, no entanto, que audiência não é fundamental para uma rádio comunitária.
Na Rádio Comunitária Zumbi dos Palmares, em João Pessoa, onde milito, a gente só toca música paraibana de qualidade. Sabe como a gente consegue manter a audiência? Botando o povo para falar na rádio de 15 em 15 minutos, o dia todo. O povo gosta de se ouvir no rádio. A comunidade mantém a sintonia na rádio porque sabe que estão falando de sua realidade, dos seus problemas e de coisas que estão acontecendo no seu quintal. Mas a maioria das “comunitárias” acha mais fácil tocar o lixo da moda para manter audiência.
A trilha sonora dessas rádios comunitárias que apelam para o esquema fácil de tocar baixaria anuncia apenas que são falsas comunitárias. Porque rádio comunitária é uma coisa nova, cujo objetivo é ajudar a mudar a sociedade, e a comunidade só assume a rádio de fato quando percebe essas diferenças. A questão cultural é fundamental para as mudanças sociais. As pessoas brigam por tantas coisas, mas não brigam quando nossa cultura é estuprada. E é o que faz esse tipo de música: estupra nossa cultura.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
A reforma ortográfica de seu Nabunda
A Reforma Ortográfica, que pretensamente veio unificar o português falado nos países lusófonos, tem sido alvo de muitas críticas. O escritor português João Pereira Coutinho disse que é contra a Reforma Ortográfica porque “a língua pertence aos seus falantes, não a um conselho de sábios que se considera dono da língua”. Em artigo publicado na Folha de São Paulo, em 28 de setembro de 2008, Coutinho afirma que é visceralmente, filosoficamente e linguisticamente contra a Reforma. Ele alega ser incapaz de aceitar que “uma dúzia de sábios se considere dono de uma língua falada por milhões”. Ele se diz opositor da Reforma porque acredita que a língua é produto de uma história que está sendo ignorada. “A pluralidade é um valor que deve ser estudado e respeitado”, assegura.
Sem saber nada de Acordo Ortográfico, semi-analfabeto que é, o chaveiro pernambucano Everaldo Cabral tascou a seguinte frase em sua barraca de fazer chaves: “Xave é 1 rial”. Seu Nabunda, como é mais conhecido, de início ficou arretado com as galhofas dos amigos e passantes, por conta de ter trocado o “ch” de chave pelo “x”. Todo mundo queria corrigir seu Nabunda, que logo virou atração na pracinha onde ganha a vida fazendo chaves. Percebendo que era negócio esse negócio de escrever “errado”, seu Nabunda, um intuitivo da arte do marketing, escreveu diversas frases numa placa. Algumas das “pérolas”: koncerta i amola tizora faka i alikte – Fásso k.rinbo – Dô haúla di putugez.
Ao resolver escrachar nos erros, seu Nabunda descobriu seu maior acerto. “No Brasil, fazendo as coisas erradas é que dá certo”, raciocina ele. Com essa brincadeirinha, seu Nabunda é o chaveiro mais famoso do Recife, com uma disputada barraca na esquina da Rua da Soledade, na Boa Vista, ou “Soliedade” como prefere chamar.
Já o juiz de futebol português Carlos Xistra andou desfacilitando a língua, conforme os termos da súmula sobre apresentação de cartão amarelo ao jogador Micolli, do Benfica: “O jogador da equipa visitada, Micolli, desmandou-se em velocidade tentando desobstruir-se no intuito de desfeitar o guarda-redes visitante. Um adversário à ilharga procurou desisolá-lo, desacelerando-o com o auxílio à utilização indevida dos membros superiores, o que conseguiu. O jogador Micolli procurou destravar-se com recurso a movimentos tendentes à prosecução de uma situação de desaperto, mas o adversário não o desagarrava. Quando finalmente atingiu o desimpedimento, desenlargando-se, destemperou-se e tentou tirar desforço, amandando-lhe o membro superior à zona do externo, felizmente desacertando-lhe. Derivado a esta atitude, demonstrei-lhe a cartolina correspectiva”. Agora me arresponda: é possível unificar línguas tão diferentes?
Sem saber nada de Acordo Ortográfico, semi-analfabeto que é, o chaveiro pernambucano Everaldo Cabral tascou a seguinte frase em sua barraca de fazer chaves: “Xave é 1 rial”. Seu Nabunda, como é mais conhecido, de início ficou arretado com as galhofas dos amigos e passantes, por conta de ter trocado o “ch” de chave pelo “x”. Todo mundo queria corrigir seu Nabunda, que logo virou atração na pracinha onde ganha a vida fazendo chaves. Percebendo que era negócio esse negócio de escrever “errado”, seu Nabunda, um intuitivo da arte do marketing, escreveu diversas frases numa placa. Algumas das “pérolas”: koncerta i amola tizora faka i alikte – Fásso k.rinbo – Dô haúla di putugez.
Ao resolver escrachar nos erros, seu Nabunda descobriu seu maior acerto. “No Brasil, fazendo as coisas erradas é que dá certo”, raciocina ele. Com essa brincadeirinha, seu Nabunda é o chaveiro mais famoso do Recife, com uma disputada barraca na esquina da Rua da Soledade, na Boa Vista, ou “Soliedade” como prefere chamar.
Já o juiz de futebol português Carlos Xistra andou desfacilitando a língua, conforme os termos da súmula sobre apresentação de cartão amarelo ao jogador Micolli, do Benfica: “O jogador da equipa visitada, Micolli, desmandou-se em velocidade tentando desobstruir-se no intuito de desfeitar o guarda-redes visitante. Um adversário à ilharga procurou desisolá-lo, desacelerando-o com o auxílio à utilização indevida dos membros superiores, o que conseguiu. O jogador Micolli procurou destravar-se com recurso a movimentos tendentes à prosecução de uma situação de desaperto, mas o adversário não o desagarrava. Quando finalmente atingiu o desimpedimento, desenlargando-se, destemperou-se e tentou tirar desforço, amandando-lhe o membro superior à zona do externo, felizmente desacertando-lhe. Derivado a esta atitude, demonstrei-lhe a cartolina correspectiva”. Agora me arresponda: é possível unificar línguas tão diferentes?
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Xico Sá e as bundas secas
Xico Sá é jornalista e escritor. Inscreveu-se na cruzada em defesa das bundas grandes, esse “latifúndio dorsal” em extinção devido ao modismo das mulheres que agora só pensam em malhar nas academias e passar fome para ter um corpinho de bailarina, um ideal de beleza padrão Gisele, aquela que parece um vara-pau da bunda seca.
Xico escreveu uma carta ao sociólogo Gilberto Freyre, reclamando de outro modismo em larga escala entre o mulherio, principalmente entre aquelas chamadas da “meia-idade”. Isso porque Gilberto Freyre foi o maior divulgador da beleza morena da brasileira. Só que agora toda mulher só quer ser loira. Ele lembra Sonia Braga e outras morenas que viravam as cabeças (ambas) dos homens em tempos idos e vividos. Agora a moda é alisar os cabelos e pintar de loiro.
Gilberto Freyre, do lugar onde está comendo sua rapadura e tomando seu suco de pitanga, deve estar imaginando o que diabo vem a ser “chapinha”, instrumento desconhecido nas casas grandes e senzalas. Ele que escreveu o livro “Modos de homem & Modas de mulher”, em 1986, sabe muito bem que o saboroso eram as carnes macias, boas de se apalpar, das fofinhas de antigamente. Nossa geração foi sentimentalmente educada para apreciar as fofinhas. De repente, a indústria da moda transformou as mulheres em massas musculosas de zagueiro central. Bundas duras, corpos musculosos. Por isso, a campanha de Xico Sá pela volta da fartura da bunda.
Esse camarada admirador das roliças formas femininas apela ainda ao sociólogo do
Apipucos que por favor psicografe um manifesto, um panfleto em favor da volta das morenas e fofinhas “para evitar a catástrofe definitiva”. Para ele, as cheinhas ou desapareceram ou estão meio desgostosas.
De minha parte, coloco um adendo à melancólica carta de Xico Sá, aquele que se diz apreciador de uma bela bunda, “uma jambo-girl”. Diria ao mestre de Apipucos que a involução das modas de mulher também se dá no quesito respeito. Hoje as jovens mulheres se deliciam nas praças, cantando e dançando ao som de músicas que as chamam de putas, cachorras, safadas e raparigas. Essas músicas falam de como se deve bater e humilhar as mulheres. São as bandas de duplo sentido e de apelo sexual fazendo a cabeça da juventude e moldando-lhe o gosto musical da pior forma possível. Isso também é trágico.
Xico escreveu uma carta ao sociólogo Gilberto Freyre, reclamando de outro modismo em larga escala entre o mulherio, principalmente entre aquelas chamadas da “meia-idade”. Isso porque Gilberto Freyre foi o maior divulgador da beleza morena da brasileira. Só que agora toda mulher só quer ser loira. Ele lembra Sonia Braga e outras morenas que viravam as cabeças (ambas) dos homens em tempos idos e vividos. Agora a moda é alisar os cabelos e pintar de loiro.
Gilberto Freyre, do lugar onde está comendo sua rapadura e tomando seu suco de pitanga, deve estar imaginando o que diabo vem a ser “chapinha”, instrumento desconhecido nas casas grandes e senzalas. Ele que escreveu o livro “Modos de homem & Modas de mulher”, em 1986, sabe muito bem que o saboroso eram as carnes macias, boas de se apalpar, das fofinhas de antigamente. Nossa geração foi sentimentalmente educada para apreciar as fofinhas. De repente, a indústria da moda transformou as mulheres em massas musculosas de zagueiro central. Bundas duras, corpos musculosos. Por isso, a campanha de Xico Sá pela volta da fartura da bunda.
Esse camarada admirador das roliças formas femininas apela ainda ao sociólogo do
Apipucos que por favor psicografe um manifesto, um panfleto em favor da volta das morenas e fofinhas “para evitar a catástrofe definitiva”. Para ele, as cheinhas ou desapareceram ou estão meio desgostosas.
De minha parte, coloco um adendo à melancólica carta de Xico Sá, aquele que se diz apreciador de uma bela bunda, “uma jambo-girl”. Diria ao mestre de Apipucos que a involução das modas de mulher também se dá no quesito respeito. Hoje as jovens mulheres se deliciam nas praças, cantando e dançando ao som de músicas que as chamam de putas, cachorras, safadas e raparigas. Essas músicas falam de como se deve bater e humilhar as mulheres. São as bandas de duplo sentido e de apelo sexual fazendo a cabeça da juventude e moldando-lhe o gosto musical da pior forma possível. Isso também é trágico.
terça-feira, 16 de junho de 2009
AO MESTRE COM CARINHO
O incomparável Graciliano Ramos costumava dizer que ninguém nasce com adjetivos. Eles nos são aplicados quando crescemos, por amigos e por inimigos, muitas das vezes sem um juízo de valor.
Eu particularmente sou avesso a essas colocações, em relação à determinada pessoa, porque em certas situações torna-se até piegas e desajeitado. Deixo de lado as divagações e volto ao começo.
Quando garoto, no desabrochar da adolescência, em meados da década de setenta, fui trabalhar na Delegacia de Serviço Militar de Itabaiana. Uma das primeiras pessoas que lá encontrei foi ARNAUD COSTA, também funcionário daquele órgão. O caráter de um homem é muito subjetivo alguém definir. Mas, em contraposição aos brutamontes oficiais do Exército que comandaram aquela unidade, lá estava ARNAUD, distribuindo bondade e muita paciência aos civis que ali trabalhavam, desacostumados com os excessivos rigores da vida militar.
Vendo-o acessível, desenrolado e inteligente, acompanhei-o em outras atividades que ele exercia, dentre elas a jurídica, mais precisamente na área penal.. Generoso como ele, prestou relevantes serviços á sociedade itabaianense, principalmente no tribunal do júri, onde defendeu inúmeros réus,em sua maiorias pessoas desprovidas de recursos para cobrir as despesas no curso do processo.
Orador versátil, empolgava nas sessões do tribunal do júri, sob os olhares das multidões que invadiam os auditórios para assistir os debates orais com os representantes do Ministério Público e assistentes de acusação. Equipara-se a outros artistas da arte retórica e eloqüente das lides forenses paraibanas, tais como Osmar de Aquino, Joacil de Brito Pereira, Raimundo Asfora, Pedro Gondim e tantos outros.
Os juristas não cansam de afirmar que a grande arma do advogado é a palavra – falada ou escrita. ARNAUD não se destacou somente na arte da retórica. Sua verve no campo da escrita sempre foi inconfundível, com um poder de persuasão perante as autoridades judiciárias. Sua prosa sempre foi pautada na coerência, e quando necessário perlustrava entre o popular e o erudito - de Zé da Luz a Brecht.
Apesar da sua vasta cultura – autodidata -, diga-se de passagem, ele não possuía nenhuma graduação, mas mesmo assim empolgava juízes, promotores, defensores públicos, advogados militantes e serventuários da justiça, pela maestria com que abraçava as causas criminais, em sua maioria, coroadas de êxito.
Alguns, principalmente aqueles mal resolvidos na profissão de advogados, verdadeiros chicaneiros, chamavam-no de rábula, mas de uma forma rancorosa e preconceituosa. Assim se expressavam porque ele incomodava. Outros profissionais, como os Cabos, Sargentos e leigos, que atuavam como Delegados de Polícia, não sofriam qualquer patrulhamento. Os rábulas, verdadeiros heróis do seu tempo, mereceram uma homenagem do grande Ronaldo Cunha Lima, nos seguintes versos:
Sem anéis de titulados
mas na vida acostumados
aos seus enredos e fábulas,
muitos devem a liberdade
a esses doutos da verdade
os meus amigos, os rábulas.
Acompanhei bem de perto o trabalho advocatício de ARNAUD COSTA, em algumas cidades, onde o meu pai foi Delegado de Polícia. Daqueles tempos é que me despertou, como também em outros profissionais, o interesse pelo direito, especialmente a área criminal, onde atuo até hoje. Vi-o na militância, sem rodeios. Tanto fazia atender um cliente num palacete, como em um casebre, lá nos cafundós da Paraíba, em que a mobília se restringia a dois tamboretes e uma esteira. Eu, na condição de Escrivão “ad hoc”, com uma máquina de escrever nas costas, tinha que me virar para que os depoimentos saíssem a contento.
Na acepção da palavra, o advogado criminal atual perdeu um pouco esse contato com a realidade. Principalmente porque, se é incontestável que o universo criminal tem na sua origem apurar o fato delituoso e a sua autoria, também é verdadeiro que o profissional da área penal deve acompanhar a transformação de um boletim de ocorrência em inquérito, o inquérito em denúncia ou pronúncia, estas em processo, os processos em decisões condenatórias, as decisões condenatórias em internações compulsórias nos estabelecimentos prisionais, estes por sua vez abrigam profissionais da medicina, psicologia, serviço social e outros. Logo, impossível qualificar o trabalho desenvolvido por ARNAUD COSTA, de forma limitada e preconceituosa. Porque a sua atividade sempre exigiu uma gama de outros conhecimentos, senão jamais teria entrado numa sala de audiência, lado a lado com os operadores do direito. A atividade por ele exercida foi sempre mais além – é o que os pedagogos chamam de interdisciplinariedade. A soma de tudo isso faz com que eu o trate não como um simples rábula, mas sobretudo, um conhecedor de gente, dos seus problemas sociais e de como resolvê-los.
JOACIR AVELINO SILVA
Delegado de Polícia Federal
no Estado de Alagoas. Email:joacirpb@uol.com.br
Eu particularmente sou avesso a essas colocações, em relação à determinada pessoa, porque em certas situações torna-se até piegas e desajeitado. Deixo de lado as divagações e volto ao começo.
Quando garoto, no desabrochar da adolescência, em meados da década de setenta, fui trabalhar na Delegacia de Serviço Militar de Itabaiana. Uma das primeiras pessoas que lá encontrei foi ARNAUD COSTA, também funcionário daquele órgão. O caráter de um homem é muito subjetivo alguém definir. Mas, em contraposição aos brutamontes oficiais do Exército que comandaram aquela unidade, lá estava ARNAUD, distribuindo bondade e muita paciência aos civis que ali trabalhavam, desacostumados com os excessivos rigores da vida militar.
Vendo-o acessível, desenrolado e inteligente, acompanhei-o em outras atividades que ele exercia, dentre elas a jurídica, mais precisamente na área penal.. Generoso como ele, prestou relevantes serviços á sociedade itabaianense, principalmente no tribunal do júri, onde defendeu inúmeros réus,em sua maiorias pessoas desprovidas de recursos para cobrir as despesas no curso do processo.
Orador versátil, empolgava nas sessões do tribunal do júri, sob os olhares das multidões que invadiam os auditórios para assistir os debates orais com os representantes do Ministério Público e assistentes de acusação. Equipara-se a outros artistas da arte retórica e eloqüente das lides forenses paraibanas, tais como Osmar de Aquino, Joacil de Brito Pereira, Raimundo Asfora, Pedro Gondim e tantos outros.
Os juristas não cansam de afirmar que a grande arma do advogado é a palavra – falada ou escrita. ARNAUD não se destacou somente na arte da retórica. Sua verve no campo da escrita sempre foi inconfundível, com um poder de persuasão perante as autoridades judiciárias. Sua prosa sempre foi pautada na coerência, e quando necessário perlustrava entre o popular e o erudito - de Zé da Luz a Brecht.
Apesar da sua vasta cultura – autodidata -, diga-se de passagem, ele não possuía nenhuma graduação, mas mesmo assim empolgava juízes, promotores, defensores públicos, advogados militantes e serventuários da justiça, pela maestria com que abraçava as causas criminais, em sua maioria, coroadas de êxito.
Alguns, principalmente aqueles mal resolvidos na profissão de advogados, verdadeiros chicaneiros, chamavam-no de rábula, mas de uma forma rancorosa e preconceituosa. Assim se expressavam porque ele incomodava. Outros profissionais, como os Cabos, Sargentos e leigos, que atuavam como Delegados de Polícia, não sofriam qualquer patrulhamento. Os rábulas, verdadeiros heróis do seu tempo, mereceram uma homenagem do grande Ronaldo Cunha Lima, nos seguintes versos:
Sem anéis de titulados
mas na vida acostumados
aos seus enredos e fábulas,
muitos devem a liberdade
a esses doutos da verdade
os meus amigos, os rábulas.
Acompanhei bem de perto o trabalho advocatício de ARNAUD COSTA, em algumas cidades, onde o meu pai foi Delegado de Polícia. Daqueles tempos é que me despertou, como também em outros profissionais, o interesse pelo direito, especialmente a área criminal, onde atuo até hoje. Vi-o na militância, sem rodeios. Tanto fazia atender um cliente num palacete, como em um casebre, lá nos cafundós da Paraíba, em que a mobília se restringia a dois tamboretes e uma esteira. Eu, na condição de Escrivão “ad hoc”, com uma máquina de escrever nas costas, tinha que me virar para que os depoimentos saíssem a contento.
Na acepção da palavra, o advogado criminal atual perdeu um pouco esse contato com a realidade. Principalmente porque, se é incontestável que o universo criminal tem na sua origem apurar o fato delituoso e a sua autoria, também é verdadeiro que o profissional da área penal deve acompanhar a transformação de um boletim de ocorrência em inquérito, o inquérito em denúncia ou pronúncia, estas em processo, os processos em decisões condenatórias, as decisões condenatórias em internações compulsórias nos estabelecimentos prisionais, estes por sua vez abrigam profissionais da medicina, psicologia, serviço social e outros. Logo, impossível qualificar o trabalho desenvolvido por ARNAUD COSTA, de forma limitada e preconceituosa. Porque a sua atividade sempre exigiu uma gama de outros conhecimentos, senão jamais teria entrado numa sala de audiência, lado a lado com os operadores do direito. A atividade por ele exercida foi sempre mais além – é o que os pedagogos chamam de interdisciplinariedade. A soma de tudo isso faz com que eu o trate não como um simples rábula, mas sobretudo, um conhecedor de gente, dos seus problemas sociais e de como resolvê-los.
JOACIR AVELINO SILVA
Delegado de Polícia Federal
no Estado de Alagoas. Email:joacirpb@uol.com.br
segunda-feira, 15 de junho de 2009
Um herói do nosso tempo
Fomos encontrá-lo no seu recanto de trabalho e fé, na Cidade Cristã. Não gosta de publicidade, não é do seu temperamento nem condiz com sua fé religiosa. Fala com a serenidade de quem acredita no seu projeto de vida. O dele é servir ao próximo.
Funcionário aposentado do Banco do Brasil, Melcíades Brito nasceu em Campina Grande. Fundou em Sapé uma instituição filantrópica, a qual oferece amparo para mais de 600 pessoas diariamente, entre jovens e adultos. Lá funcionam uma creche, um centro de convivência do idoso, uma unidade escolar, um centro profissionalizante e um posto de saúde.
Pode parecer estranho, mas muita gente em Sapé não conhece as atividades assistenciais desenvolvidas pela Cidade Cristã. Ele realiza esse trabalho em uma circunstância histórica em que as pessoas não acreditam muito na capacidade do homem de se dedicar ao seu semelhante, em que a importância de se entregar a uma causa já não se vislumbra mais. O neoliberalismo, a face materialista da humanidade torna o ser humano duro e egoísta. O idealismo de Melcíades Brito é tão distante das paixões mundanas e dos conflitos ideológicos que, às vezes, incomoda. Políticos de Sapé já saíram dos seus cuidados para tentar inviabilizar os projetos sociais da Cidade Cristã em Brasília, nos órgãos do Governo Federal.
Faça uma visita à Cidade Cristã, para revigorar suas forças espirituais na contemplação de um trabalho social que tem a energia Daquele que disse: "A caridade é o caminho da salvação". Melcíades serve a Deus seguindo seu Mandamento: "Ameis uns aos outros como eu vos amei" (João 15-12). Esse homem generoso, espécime difícil de se encontrar, é um lutador pelo bem comum, mas "sem perder a ternura jamais". Com ternura, ele compõe músicas (gravou um CD belíssimo), escreve livros de meditação espírita e "combate o bom combate". Nesta terra onde o individualismo prevalece, Melcíades Brito, na sua humildade evangélica, é uma figura maior, não porque escolheu essa condição, mas porque a atitude dele, no cotidiano da luta pelo bem-estar dos pobres, torna-o notável e magnânimo. Vivendo para o seu semelhante, é um verdadeiro herói do nosso tempo.
Funcionário aposentado do Banco do Brasil, Melcíades Brito nasceu em Campina Grande. Fundou em Sapé uma instituição filantrópica, a qual oferece amparo para mais de 600 pessoas diariamente, entre jovens e adultos. Lá funcionam uma creche, um centro de convivência do idoso, uma unidade escolar, um centro profissionalizante e um posto de saúde.
Pode parecer estranho, mas muita gente em Sapé não conhece as atividades assistenciais desenvolvidas pela Cidade Cristã. Ele realiza esse trabalho em uma circunstância histórica em que as pessoas não acreditam muito na capacidade do homem de se dedicar ao seu semelhante, em que a importância de se entregar a uma causa já não se vislumbra mais. O neoliberalismo, a face materialista da humanidade torna o ser humano duro e egoísta. O idealismo de Melcíades Brito é tão distante das paixões mundanas e dos conflitos ideológicos que, às vezes, incomoda. Políticos de Sapé já saíram dos seus cuidados para tentar inviabilizar os projetos sociais da Cidade Cristã em Brasília, nos órgãos do Governo Federal.
Faça uma visita à Cidade Cristã, para revigorar suas forças espirituais na contemplação de um trabalho social que tem a energia Daquele que disse: "A caridade é o caminho da salvação". Melcíades serve a Deus seguindo seu Mandamento: "Ameis uns aos outros como eu vos amei" (João 15-12). Esse homem generoso, espécime difícil de se encontrar, é um lutador pelo bem comum, mas "sem perder a ternura jamais". Com ternura, ele compõe músicas (gravou um CD belíssimo), escreve livros de meditação espírita e "combate o bom combate". Nesta terra onde o individualismo prevalece, Melcíades Brito, na sua humildade evangélica, é uma figura maior, não porque escolheu essa condição, mas porque a atitude dele, no cotidiano da luta pelo bem-estar dos pobres, torna-o notável e magnânimo. Vivendo para o seu semelhante, é um verdadeiro herói do nosso tempo.
domingo, 14 de junho de 2009
O precursor do jornalismo em Itabaiana
Arthur Coelho, afilhado do pai de Augusto dos Anjos, viveu nos Estados Unidos e foi um intelectual de altíssima qualidade.
Em março de 1973, falecia aquele que foi um dos maiores intelectuais paraibanos, precursor do jornalismo na cidade de Itabaiana, poeta, homem de letras, pensador e esteta de altíssima qualidade. Na América do Norte, para onde emigra, estabelece-se em Nova York, tornando-se crítico cinematográfico, vindo a trabalhar na empresa de cinema Paramount Pictures Co., a cujo serviço permaneceria por mais de 30 anos como assessor cultural, censor de scripts e tradutor das legendas dos filmes produzidos.
Esse brilhante cidadão do mundo nasceu em Sapé, criando-se em João Pessoa e Itabaiana, passando dois anos em São Paulo e um ano no Amazonas. Foi batizado na antiga vila de Espírito Santo, servindo-lhe de padrinho o pai de Augusto dos Anjos. Depois, dona Cândida, sua mãe, converteu-se ao protestantismo.
Escreveu uma espécie de português sem mestre, o “Brazilian Portuguese Self-taught”, saído durante a 2ª guerra mundial, de onde foram impressas cinco edições. Escreveu o célebre livro de contos, “Um brasileiro em Sing-Sing e outros contos da América”, cuja primeira edição saiu pela Editora da Universidade Federal da Paraíba. Sing-Sing é um grande presídio existente em Nova York. O conto principal do livro é a história de um brasileiro que se viu preso lá. “Quase autobiográfico”, afirmou Arthur Coelho, em carta ao amigo Guimarães Barreto, em 17 de julho de 1972.
“Arthur Coelho merece as homenagens dos paraibanos, pelo seu ilibado caráter, sua brilhante inteligência e extremado amor à terra natal, a quem serviu, amou e dignificou desinteressadamente durante sua longa, útil e proveitosa existência”, afirmou o mesmo Guimarães Barreto.
PRECURSOR DO JORNALISMO
Por volta de 1890, Arthur Coelho matriculou-se na escola da professora Alexandrina Nacre, na Rua da República nº 55, em João Pessoa, onde fez o primário. Teve como companheiros de escola Aderbal Piragibe e seu irmão Oscar da Silva, João Pessoa, futuro bacharel em direito e Presidente da Paraíba, e Mardokeu Nacre, filho da professora, que viria a ser um dos mais celebrados poetas paraibanos.
Foi aprender a arte tipográfica em uma oficina de João Pessoa, tornando-se tão competente em seu ofício que foi convidado pelo juiz de Itabaiana, Heráclito Cavalcanti, para editar o jornal O MUNICÍPIO, que fundara naquela comarca, sendo o primeiro jornal a circular em Itabaiana. Arthur Coelho virou tipógrafo, impressor e redator daquele periódico na terra de Zé da Luz, demorando uma temporada naquela cidade, onde exerceu grande influência, conforme registro no livro “Itabaiana, sua História, suas Memórias”, de Sabiniano Maia.
Em Itabaiana, onde ele passara os melhores anos de sua vida, conforme depoimento ao mesmo Guimarães Barreto, identificou-se com os itabaianenses mais ilustres daquela época, a ponto de se tornar genro de um deles. Constam de seu círculo de amizade na então próspera cidade paraibana, o desembargador Heráclito Cavalcanti, o prefeito Neco Germano, Firmino Cotinha, Padre Fileto, Major Nenéu, os Guarita, os professores Mendonça e José Maciel, a família Ribeiro Coutinho (Dr. Odilon, Dr. Flávio e Ribeirinho), Palu, Jurema Filho, Sotter, Lauro Melo, Zumba Monteiro, dona Candinha Meira de Vasconcelos, Dona Bela Resende, dona Sinhá do Hotel Avenida, a professora dona Marieta e outros nomes da sociedade local.
De Itabaiana, Arthur Coelho foi seduzido pelos mistérios da Amazônia, viajando daí para a América, onde se firma como influente intelectual, depois de muita luta pela subsistência em uma sociedade estranha. “É o mais espantoso fenômeno de aculturação jamais registrado por estudiosos do comportamento humano”, disse Guimarães Barreto. O escritor paraibano José Lins do Rego, comentando a capacidade de renúncia, de sacrifício e de entusiasmo do sapeense em terras americanas, até alcançar seus objetivos, disse num rompante: “Paraibano é danado mesmo!”
Com a auto-afirmação no meio, ao “fazer a América”, o escritor de Sapé ganhou status profissional e casou com uma americana, miss Katharine Rodger, transformando sua casa numa espécie de consulado do Brasil, onde recebia os brasileiros que viajavam à grande metrópole. Passaram por lá Érico Veríssimo, Osvaldo Trigueiro, Assis Chateaubriand e seu amigo íntimo, Monteiro Lobato, que dedicaria ao anfitrião um capítulo inteiro de um dos seus livros da série Dona Benta.
Ele foi um divulgador e entusiasta por tudo que representasse de bom, de nobre, de elogiável na terra e na gente paraibanas. Escreveu inúmeras cartas para os mais destacados políticos e intelectuais de sua época, sobre os mais variados assuntos e questões. Entre seus correspondentes, destacam-se nomes como Monteiro Lobato, José Américo de Almeida, Câmara Cascudo, Gustavo Barroso, Magalhães Júnior, Coriolano de Medeiros, Osias Gomes e inúmeros outros. Esse epistolário encontra-se na biblioteca da Universidade Federal da Paraíba, apresentando-se como um diário pessoal de inestimável repositório literário.
Em março de 1973, falecia aquele que foi um dos maiores intelectuais paraibanos, precursor do jornalismo na cidade de Itabaiana, poeta, homem de letras, pensador e esteta de altíssima qualidade. Na América do Norte, para onde emigra, estabelece-se em Nova York, tornando-se crítico cinematográfico, vindo a trabalhar na empresa de cinema Paramount Pictures Co., a cujo serviço permaneceria por mais de 30 anos como assessor cultural, censor de scripts e tradutor das legendas dos filmes produzidos.
Esse brilhante cidadão do mundo nasceu em Sapé, criando-se em João Pessoa e Itabaiana, passando dois anos em São Paulo e um ano no Amazonas. Foi batizado na antiga vila de Espírito Santo, servindo-lhe de padrinho o pai de Augusto dos Anjos. Depois, dona Cândida, sua mãe, converteu-se ao protestantismo.
Escreveu uma espécie de português sem mestre, o “Brazilian Portuguese Self-taught”, saído durante a 2ª guerra mundial, de onde foram impressas cinco edições. Escreveu o célebre livro de contos, “Um brasileiro em Sing-Sing e outros contos da América”, cuja primeira edição saiu pela Editora da Universidade Federal da Paraíba. Sing-Sing é um grande presídio existente em Nova York. O conto principal do livro é a história de um brasileiro que se viu preso lá. “Quase autobiográfico”, afirmou Arthur Coelho, em carta ao amigo Guimarães Barreto, em 17 de julho de 1972.
“Arthur Coelho merece as homenagens dos paraibanos, pelo seu ilibado caráter, sua brilhante inteligência e extremado amor à terra natal, a quem serviu, amou e dignificou desinteressadamente durante sua longa, útil e proveitosa existência”, afirmou o mesmo Guimarães Barreto.
PRECURSOR DO JORNALISMO
Por volta de 1890, Arthur Coelho matriculou-se na escola da professora Alexandrina Nacre, na Rua da República nº 55, em João Pessoa, onde fez o primário. Teve como companheiros de escola Aderbal Piragibe e seu irmão Oscar da Silva, João Pessoa, futuro bacharel em direito e Presidente da Paraíba, e Mardokeu Nacre, filho da professora, que viria a ser um dos mais celebrados poetas paraibanos.
Foi aprender a arte tipográfica em uma oficina de João Pessoa, tornando-se tão competente em seu ofício que foi convidado pelo juiz de Itabaiana, Heráclito Cavalcanti, para editar o jornal O MUNICÍPIO, que fundara naquela comarca, sendo o primeiro jornal a circular em Itabaiana. Arthur Coelho virou tipógrafo, impressor e redator daquele periódico na terra de Zé da Luz, demorando uma temporada naquela cidade, onde exerceu grande influência, conforme registro no livro “Itabaiana, sua História, suas Memórias”, de Sabiniano Maia.
Em Itabaiana, onde ele passara os melhores anos de sua vida, conforme depoimento ao mesmo Guimarães Barreto, identificou-se com os itabaianenses mais ilustres daquela época, a ponto de se tornar genro de um deles. Constam de seu círculo de amizade na então próspera cidade paraibana, o desembargador Heráclito Cavalcanti, o prefeito Neco Germano, Firmino Cotinha, Padre Fileto, Major Nenéu, os Guarita, os professores Mendonça e José Maciel, a família Ribeiro Coutinho (Dr. Odilon, Dr. Flávio e Ribeirinho), Palu, Jurema Filho, Sotter, Lauro Melo, Zumba Monteiro, dona Candinha Meira de Vasconcelos, Dona Bela Resende, dona Sinhá do Hotel Avenida, a professora dona Marieta e outros nomes da sociedade local.
De Itabaiana, Arthur Coelho foi seduzido pelos mistérios da Amazônia, viajando daí para a América, onde se firma como influente intelectual, depois de muita luta pela subsistência em uma sociedade estranha. “É o mais espantoso fenômeno de aculturação jamais registrado por estudiosos do comportamento humano”, disse Guimarães Barreto. O escritor paraibano José Lins do Rego, comentando a capacidade de renúncia, de sacrifício e de entusiasmo do sapeense em terras americanas, até alcançar seus objetivos, disse num rompante: “Paraibano é danado mesmo!”
Com a auto-afirmação no meio, ao “fazer a América”, o escritor de Sapé ganhou status profissional e casou com uma americana, miss Katharine Rodger, transformando sua casa numa espécie de consulado do Brasil, onde recebia os brasileiros que viajavam à grande metrópole. Passaram por lá Érico Veríssimo, Osvaldo Trigueiro, Assis Chateaubriand e seu amigo íntimo, Monteiro Lobato, que dedicaria ao anfitrião um capítulo inteiro de um dos seus livros da série Dona Benta.
Ele foi um divulgador e entusiasta por tudo que representasse de bom, de nobre, de elogiável na terra e na gente paraibanas. Escreveu inúmeras cartas para os mais destacados políticos e intelectuais de sua época, sobre os mais variados assuntos e questões. Entre seus correspondentes, destacam-se nomes como Monteiro Lobato, José Américo de Almeida, Câmara Cascudo, Gustavo Barroso, Magalhães Júnior, Coriolano de Medeiros, Osias Gomes e inúmeros outros. Esse epistolário encontra-se na biblioteca da Universidade Federal da Paraíba, apresentando-se como um diário pessoal de inestimável repositório literário.
A barragem, o crápula e a ferrovia
Reginaldo Alves surpreende as novas gerações de itabaianenses com a biografia do comerciante e político Luiz Paulino, inserida no seu livro “No Remanso do Luar”. Grande administrador, Luiz Paulino teve um sonho grande na vida: ver a várzea do rio Paraíba inundada pelas águas da barragem de Acauã. Amigo de José Américo de Almeida, moveu céus e terra para ver fincada a pedra fundamental da obra redentora. O governo da Paraíba finalmente inaugurou a grande adutora. O deputado Wilson Braga foi um dos que defenderam o nome de Luiz Paulino para a barragem de Acauã, uma homenagem ao grande itabaianense que tanto lutou por ela. Acabou prevalecendo outro nome. Luiz Paulino, entretanto, será sempre lembrado por ter dedicado suas energias e luta política em prol daquela obra de tanta importância para esta região.
* * * * * *
Antonio Carlos Magalhães, o soba da Bahia, já falecido, andou titubeando e vieram a público algumas de suas safadezas no Congresso. Para se defender, insultou o também já desencarnado Senador Ramez Tebet, Presidente do Conselho de Ética que botou o baiano pra fora do Senado em nome do decoro parlamentar. ACM qualificou o colega de “rábula do pantanal”. Inversão de valores: meu pai foi um rábula, homem decente, inteligente e capaz. Sem ter curso superior, estudou Direito para ajudar os pobres injustiçados. O senador baiano foi médico sem jamais exercer a medicina, professor que nunca ministrou aulas e cujo maior mérito foi posar de cacique na política mais que viciada deste triste país.
Falando em Ramez Tebet, o senador foi agraciado com o título de Cidadão Itabaianense, por razões que ninguém soube e talvez jamais saberá. Tebet morreu sem ter visitado sua cidade honorífica. O homem morava no Mato Grosso do Sul.
* * * * * *
O escritor Marcos Odilon, em uma dissertação sobre ferrovias, deixa evidente que o trem no Brasil descarrilou às margens da História porque era operado pelo Estado. Passei 25 anos de minha vida servindo à Rede Ferroviária Federal, e teria muito a dizer sobre a importância do trem, e porque ele se tornou um dinossauro no Brasil. Só de passagem: o trem perdeu o bonde da História porque seu maquinista atende pelo nome de elite dominante, corrupta e sugadora das energias vitais da Nação. O Estado não tem nada a ver com isso.
* * * * * *
Antonio Carlos Magalhães, o soba da Bahia, já falecido, andou titubeando e vieram a público algumas de suas safadezas no Congresso. Para se defender, insultou o também já desencarnado Senador Ramez Tebet, Presidente do Conselho de Ética que botou o baiano pra fora do Senado em nome do decoro parlamentar. ACM qualificou o colega de “rábula do pantanal”. Inversão de valores: meu pai foi um rábula, homem decente, inteligente e capaz. Sem ter curso superior, estudou Direito para ajudar os pobres injustiçados. O senador baiano foi médico sem jamais exercer a medicina, professor que nunca ministrou aulas e cujo maior mérito foi posar de cacique na política mais que viciada deste triste país.
Falando em Ramez Tebet, o senador foi agraciado com o título de Cidadão Itabaianense, por razões que ninguém soube e talvez jamais saberá. Tebet morreu sem ter visitado sua cidade honorífica. O homem morava no Mato Grosso do Sul.
* * * * * *
O escritor Marcos Odilon, em uma dissertação sobre ferrovias, deixa evidente que o trem no Brasil descarrilou às margens da História porque era operado pelo Estado. Passei 25 anos de minha vida servindo à Rede Ferroviária Federal, e teria muito a dizer sobre a importância do trem, e porque ele se tornou um dinossauro no Brasil. Só de passagem: o trem perdeu o bonde da História porque seu maquinista atende pelo nome de elite dominante, corrupta e sugadora das energias vitais da Nação. O Estado não tem nada a ver com isso.
O racismo na doutrina espírita
Allan Kardec, decodificador do Espiritismo, tinha idéias racistas. A Bíblia está também cheia de passagens racistas. As religiões, ao se considerarem superiores umas às outras, alimentam esse tipo de pensamento condenável sob todos os aspectos.
Enfocando particularmente Allan Kardec, vejamos o que ele diz em seu livro “A Gênese: "O progresso não foi, pois, uniforme em toda a espécie humana; as raças mais inteligentes naturalmente progrediram mais que as outras, sem contar que os Espíritos, recentemente nascidos na vida espiritual, vindo a se encarnar sobre a Terra desde que chegaram em primeiro lugar, tornam mais sensíveis a diferença do progresso(sic!). Com efeito, seria impossível atribuir a mesma antiguidade de criação aos selvagens que mal se distinguem dos macacos, que aos chineses, e ainda menos aos europeus civilizados."
(Allan Kardec, A Gênese, página 187.)
Mas ele também considerava os negros e chineses, como os orientais de modo geral, raças inferiores. E os índios então, estavam na escala bem inferior, na lógica do Allan Kardec. No “Livro dos Espíritos” ele sentencia: "6 --Por que há selvagens e homens civilizados? Se tomarmos uma criança hotentote recém nascida e a educarmos nas melhores escolas, fareis dela, um dia, um Laplace ou um Newton?" (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Instituto de Difusão Espírita, Araras, São Paulo, sem data, capítulo V, p. 126).
Já a pergunta denota um certo racismo, pois supõe que uma criança hotentote, ainda que educada nas melhores escolas, não teria possibilidade natural de alcançar o nível de um cientista branco. Allan Kardec explicita seu racismo grosseiro na resposta que dá a essa pergunta, por ele mesmo feita: "Em relação à sexta questão, dir-se-á, sem dúvida, que o Hotentote é de uma raça inferior; então, perguntaremos se o Hotentote é um homem ou não. Se é um homem, por que Deus o fez, e à sua raça, deserdado dos privilégios concedidos à raça caucásica? Se não é um homem, porque procurar fazê-lo cristão?" (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Instituto de Difusão Espírita, Araras, São Paulo, sem data, capítulo V, p. 127).
Na ótica dele, superior é o homem branco, caucasiano. Ele chega ao absurdo de duvidar que um selvagem pudesse ser um ser humano. Hitler aprovaria a doutrina racista de Allan Kardec. E olhem que a doutrina espírita de Kardec foi pretensamente revelada por "espíritos superiores".
O racismo não consiste em achar ou não que um negro tenha alma ou possa se salvar, mas em considerar que as raças sejam essencialmente umas melhores do que as outras. Isto é, que uma pessoa, por ser negra, é necessariamente menos capaz ou de menos valor do que uma pessoa de raça branca. Esse pensamento monstruoso, falso e contrário à justiça e à caridade é um dos germes da Eugenia e do Nazismo.
Enfocando particularmente Allan Kardec, vejamos o que ele diz em seu livro “A Gênese: "O progresso não foi, pois, uniforme em toda a espécie humana; as raças mais inteligentes naturalmente progrediram mais que as outras, sem contar que os Espíritos, recentemente nascidos na vida espiritual, vindo a se encarnar sobre a Terra desde que chegaram em primeiro lugar, tornam mais sensíveis a diferença do progresso(sic!). Com efeito, seria impossível atribuir a mesma antiguidade de criação aos selvagens que mal se distinguem dos macacos, que aos chineses, e ainda menos aos europeus civilizados."
(Allan Kardec, A Gênese, página 187.)
Mas ele também considerava os negros e chineses, como os orientais de modo geral, raças inferiores. E os índios então, estavam na escala bem inferior, na lógica do Allan Kardec. No “Livro dos Espíritos” ele sentencia: "6 --Por que há selvagens e homens civilizados? Se tomarmos uma criança hotentote recém nascida e a educarmos nas melhores escolas, fareis dela, um dia, um Laplace ou um Newton?" (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Instituto de Difusão Espírita, Araras, São Paulo, sem data, capítulo V, p. 126).
Já a pergunta denota um certo racismo, pois supõe que uma criança hotentote, ainda que educada nas melhores escolas, não teria possibilidade natural de alcançar o nível de um cientista branco. Allan Kardec explicita seu racismo grosseiro na resposta que dá a essa pergunta, por ele mesmo feita: "Em relação à sexta questão, dir-se-á, sem dúvida, que o Hotentote é de uma raça inferior; então, perguntaremos se o Hotentote é um homem ou não. Se é um homem, por que Deus o fez, e à sua raça, deserdado dos privilégios concedidos à raça caucásica? Se não é um homem, porque procurar fazê-lo cristão?" (Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Instituto de Difusão Espírita, Araras, São Paulo, sem data, capítulo V, p. 127).
Na ótica dele, superior é o homem branco, caucasiano. Ele chega ao absurdo de duvidar que um selvagem pudesse ser um ser humano. Hitler aprovaria a doutrina racista de Allan Kardec. E olhem que a doutrina espírita de Kardec foi pretensamente revelada por "espíritos superiores".
O racismo não consiste em achar ou não que um negro tenha alma ou possa se salvar, mas em considerar que as raças sejam essencialmente umas melhores do que as outras. Isto é, que uma pessoa, por ser negra, é necessariamente menos capaz ou de menos valor do que uma pessoa de raça branca. Esse pensamento monstruoso, falso e contrário à justiça e à caridade é um dos germes da Eugenia e do Nazismo.
Rádio Comunitária
O jornalista pernambucano Dioclécio Luz escreveu um livro chamado “O que é rádio comunitária”. Essa espécie de manual de guerrilha da comunicação mostra que rádio comunitária é algo simples, prazeroso e também revolucionário. Diz também que rádio comunitária é o oposto de rádio comercial. Sua história está apenas começando no Brasil, por isso todo mundo é livre pra inventar novas formas de fazer rádio, fugindo dos padrões conhecidos, das velhas fórmulas usadas pelas emissoras comerciais para garantir audiência.
As rádios comerciais até parecem com as comunitárias, mas são muito diferentes. Primeiro, uma rádio comercial baseia sua ética no mercado. Se for bom pra garantir audiência tocar música desqualificada, que deseduca e desrespeita nossos valores morais, que se danem os valores! Na comunitária não deve ser assim. O respeito à vida, às minorias, ao ser humano em geral, à nossa cultura e ao meio ambiente está acima de tudo. Enquanto numa radio comunitária a prioridade é promover a verdadeira cultura e o desenvolvimento da comunidade, na rádio comercial o que se promove é o lucro dos proprietários. Jornalismo feito pelas rádios comerciais é voltado para os interesses dos ricos, das elites. Na comunitária, o povo é quem faz o jornalismo, debatendo os temas com a profundidade que cada um merece. Nessas rádios, a audiência é secundária, porque o mais importante é a integração da comunidade, a difusão da inteligência, da cultura e da arte.
A programação de uma rádio comunitária deve atender aos seguintes princípios:
1. preferência a finalidades educativas e informativas em benefício do desenvolvimento geral da comunidade;
2. respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família;
3. não discriminar religião, raça, sexo, preferências sexuais, convicções político-ideológico-partidárias e condição social.
Quem sai um milímetro dessa linha de conduta, está maculando os princípios da rádio comunitária.
E outra coisa fundamental é a democracia interna. A luta pelas rádios livres e comunitárias faz parte de um doloroso processo de democratização dos meios de comunicação no país. Muitos companheiros lutaram, se sacrificaram, foram presos e perderam patrimônio nessas batalhas. Até uma companheira do Piauí morreu em confronto com a repressão covarde, que invade residências, salas e outros ambientes como se lidassem com marginais perigosos, quase sempre de forma ilegal. Quem consegue a outorga, a licença para operar, deve saber que vai gerenciar um bem público que é o espectro eletromagnético, e que deve dar de retorno ao povo a promoção da arte, da cultura e da educação. Para isso é preciso fazer uma rádio diferente, fora dos padrões das rádios comerciais, com imaginação e acreditando na força criadora do povo, principalmente da juventude. É abrir as portas da rádio para a sociedade participar, que é um direito dela.
Na continuidade dessa série de croniquetas sobre rádios comunitárias, veremos a programação e como fazer um bom programa.
As rádios comerciais até parecem com as comunitárias, mas são muito diferentes. Primeiro, uma rádio comercial baseia sua ética no mercado. Se for bom pra garantir audiência tocar música desqualificada, que deseduca e desrespeita nossos valores morais, que se danem os valores! Na comunitária não deve ser assim. O respeito à vida, às minorias, ao ser humano em geral, à nossa cultura e ao meio ambiente está acima de tudo. Enquanto numa radio comunitária a prioridade é promover a verdadeira cultura e o desenvolvimento da comunidade, na rádio comercial o que se promove é o lucro dos proprietários. Jornalismo feito pelas rádios comerciais é voltado para os interesses dos ricos, das elites. Na comunitária, o povo é quem faz o jornalismo, debatendo os temas com a profundidade que cada um merece. Nessas rádios, a audiência é secundária, porque o mais importante é a integração da comunidade, a difusão da inteligência, da cultura e da arte.
A programação de uma rádio comunitária deve atender aos seguintes princípios:
1. preferência a finalidades educativas e informativas em benefício do desenvolvimento geral da comunidade;
2. respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família;
3. não discriminar religião, raça, sexo, preferências sexuais, convicções político-ideológico-partidárias e condição social.
Quem sai um milímetro dessa linha de conduta, está maculando os princípios da rádio comunitária.
E outra coisa fundamental é a democracia interna. A luta pelas rádios livres e comunitárias faz parte de um doloroso processo de democratização dos meios de comunicação no país. Muitos companheiros lutaram, se sacrificaram, foram presos e perderam patrimônio nessas batalhas. Até uma companheira do Piauí morreu em confronto com a repressão covarde, que invade residências, salas e outros ambientes como se lidassem com marginais perigosos, quase sempre de forma ilegal. Quem consegue a outorga, a licença para operar, deve saber que vai gerenciar um bem público que é o espectro eletromagnético, e que deve dar de retorno ao povo a promoção da arte, da cultura e da educação. Para isso é preciso fazer uma rádio diferente, fora dos padrões das rádios comerciais, com imaginação e acreditando na força criadora do povo, principalmente da juventude. É abrir as portas da rádio para a sociedade participar, que é um direito dela.
Na continuidade dessa série de croniquetas sobre rádios comunitárias, veremos a programação e como fazer um bom programa.
quinta-feira, 11 de junho de 2009
Uma heroína de Campo Grande
O filósofo pernambucano Pessoa de Morais afirma que “o brasileiro tem uma tendência para construir mitos, para a exaltação de certas pessoas”, inclinação explicada historicamente pela assimilação do caráter da cultura muçulmana deixada na Península Ibérica, de onde vieram nossos colonizadores. Na verdade, a nossa própria realidade tacanha e sem grandeza nos leva a buscar no passado nomes extraordinários por seus feitos nas artes, na política ou em qualquer área, que nos orgulhe, que nos ofereça dignidade pessoal em meio às insignificâncias do nosso dia-a-dia medíocre. Esses valores culturais, a necessidade de preservar o que temos de excelente, tudo isso é o que impele aos que fazem a Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba à exaltação do nome do poeta Zé da Luz, agora que comemoramos o centenário do seu nascimento.
Descendo às raízes mais recônditas de nossa cultura e história, para examinarmos em profundidade os condicionamentos históricos e sociais, teremos muitas surpresas, que, de certa forma, nos fazem elevar nosso conceito sobre nós próprios, ao vincularmos o hoje e o ontem, entre a História como depositária da tradição, e a sua seqüência inevitável no tempo. Se tivemos gênios literários da estirpe de Zé da Luz, certamente esses valores ainda sobrevivem em nossa geração, em algum lugar. Se tivemos homens dignos como o prefeito Alceu Almeida, procurando, encontraremos pessoas com autoridade moral e honestidade própria de estadistas.
No passado, Itabaiana foi berço de heróis, de revolucionários. Eu encontro alguma coisa de dramática paixão em descortinar véus, numa ânsia de descobrir fatos, valores, idéias ou acontecimentos do passado, num certo afã de quebrar as amarras de nossa tendência em termos em menos conta ou em pouco apreço tudo o que se refere a nós próprios. O retorno às origens, não como um saudosismo estéril, mas como afirmação de nosso caráter enquanto povo.
Tudo isso para informar sobre carta que recebi de Arlen Cezar Tavares de Oliveira, itabaianense residente em Juiz de Fora, Minas Gerais, que esteve recentemente em Itabaiana, leu o TRIBUNA DO VALE e nos confiou o resultado de pesquisa genealógica, feita para traçar perfis dos seus antepassados oriundos do distrito de Campo Grande, em Itabaiana. Arlen diz que naquele recanto itabaianense viveu uma “jovem sonhadora” chamada Leonilla Félix de Almeida, filha do seu bisavô, Antonio Félix Cardoso. Leonilla apaixonou-se por um “homem de cor”, e por isso foi desprezada pela família, em um tempo preconceituoso e discriminatório, já que recém saíamos do regime escravocrata. Abandonada pela família, Leonilla viajou ao sabor da aventura, indo encontrar seu destino na cidade de Natal, onde impregnou-se pelas convicções comunistas, dizem que por influência do marido, um idealista. Quando estourou a “intentona comunista”, Leonilla foi presa com um fuzil na mão, encarnando o ideal libertário de um movimento social combativo, sufocado pela fúria da contra-revolução.
Nessa “leva”, foi também preso o escritor alagoano Graciliano Ramos, viajando de navio com Leonilla e seu esposo para a prisão no Rio de Janeiro, permanecendo encarcerados por dois anos na Ilha Grande. Na cadeia, Graciliano Ramos escreveu o livro “Memórias do Cárcere”, onde faz menção dela e seu marido por quatro vezes, durante o relato de seu suplício na prisão. Leonilla esteve presa na mesma cela com Olga Benário, a mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes, personagem de recente filme baseado na obra de Fernando Morais.
Leonilla é da família Félix Cardoso de Almeida, de Campo Grande. Arlen deseja que Itabaiana resgate a história dessa heroína do povo, preservando a nossa memória. “Leonilla saiu de Campo Grande para se tornar um personagem da literatura universal, com sua luta plena de entusiasmo pelos melhores ideais de justiça e igualdade”. É para nós, portanto, verdadeiro paradigma de heroína. Sua memória merece continuar permanentemente viva, para orgulho dos seus conterrâneos, exaltando a “solidariedade que faz da dor de um a dor de todos, e da alegria de todos a alegria de cada um”, como disse Antonio Mariz, outro herói no panteão dos homens e mulheres de boa vontade.
Descendo às raízes mais recônditas de nossa cultura e história, para examinarmos em profundidade os condicionamentos históricos e sociais, teremos muitas surpresas, que, de certa forma, nos fazem elevar nosso conceito sobre nós próprios, ao vincularmos o hoje e o ontem, entre a História como depositária da tradição, e a sua seqüência inevitável no tempo. Se tivemos gênios literários da estirpe de Zé da Luz, certamente esses valores ainda sobrevivem em nossa geração, em algum lugar. Se tivemos homens dignos como o prefeito Alceu Almeida, procurando, encontraremos pessoas com autoridade moral e honestidade própria de estadistas.
No passado, Itabaiana foi berço de heróis, de revolucionários. Eu encontro alguma coisa de dramática paixão em descortinar véus, numa ânsia de descobrir fatos, valores, idéias ou acontecimentos do passado, num certo afã de quebrar as amarras de nossa tendência em termos em menos conta ou em pouco apreço tudo o que se refere a nós próprios. O retorno às origens, não como um saudosismo estéril, mas como afirmação de nosso caráter enquanto povo.
Tudo isso para informar sobre carta que recebi de Arlen Cezar Tavares de Oliveira, itabaianense residente em Juiz de Fora, Minas Gerais, que esteve recentemente em Itabaiana, leu o TRIBUNA DO VALE e nos confiou o resultado de pesquisa genealógica, feita para traçar perfis dos seus antepassados oriundos do distrito de Campo Grande, em Itabaiana. Arlen diz que naquele recanto itabaianense viveu uma “jovem sonhadora” chamada Leonilla Félix de Almeida, filha do seu bisavô, Antonio Félix Cardoso. Leonilla apaixonou-se por um “homem de cor”, e por isso foi desprezada pela família, em um tempo preconceituoso e discriminatório, já que recém saíamos do regime escravocrata. Abandonada pela família, Leonilla viajou ao sabor da aventura, indo encontrar seu destino na cidade de Natal, onde impregnou-se pelas convicções comunistas, dizem que por influência do marido, um idealista. Quando estourou a “intentona comunista”, Leonilla foi presa com um fuzil na mão, encarnando o ideal libertário de um movimento social combativo, sufocado pela fúria da contra-revolução.
Nessa “leva”, foi também preso o escritor alagoano Graciliano Ramos, viajando de navio com Leonilla e seu esposo para a prisão no Rio de Janeiro, permanecendo encarcerados por dois anos na Ilha Grande. Na cadeia, Graciliano Ramos escreveu o livro “Memórias do Cárcere”, onde faz menção dela e seu marido por quatro vezes, durante o relato de seu suplício na prisão. Leonilla esteve presa na mesma cela com Olga Benário, a mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes, personagem de recente filme baseado na obra de Fernando Morais.
Leonilla é da família Félix Cardoso de Almeida, de Campo Grande. Arlen deseja que Itabaiana resgate a história dessa heroína do povo, preservando a nossa memória. “Leonilla saiu de Campo Grande para se tornar um personagem da literatura universal, com sua luta plena de entusiasmo pelos melhores ideais de justiça e igualdade”. É para nós, portanto, verdadeiro paradigma de heroína. Sua memória merece continuar permanentemente viva, para orgulho dos seus conterrâneos, exaltando a “solidariedade que faz da dor de um a dor de todos, e da alegria de todos a alegria de cada um”, como disse Antonio Mariz, outro herói no panteão dos homens e mulheres de boa vontade.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
O poeta das caibreiras
Itabaiana era uma cidade florida no começo do século vinte. Famosos os ipês, as caibreiras, os fícus benjamins por sob os quais passava o bondinho puxado a burro, “onde a vida ia e vinha”. O bondinho saía da Praça da Indústria, sendo a vida social marcada pelo trajeto desse meio de transporte e pelas árvores frondosas. Debaixo do pé de gameleira que dava nome à rua da beira do rio, rolou por muitos anos a feira dos cavalos, até que a centenária árvore veio ao chão.
A velha Itabaiana era rica de árvores e de poetas. Por aqui passou um dos grandes, chamado Antonio Maia Neto, desses que sabem os segredos da beleza artística das palavras e das coisas simples de sua aldeia. Por causa de uma celeuma com o prefeito, também poeta, Maia Neto ficou conhecido como o “poeta das caibreiras”.
Aconteceu do prefeito José Augusto Pinto Ribeiro mandar cortar as caibreiras para alargar algumas ruas, “dando espaço ao progresso”. O poeta Maia Neto protestou com belos poemas publicados nos jornais de oposição. Naquele ano, as caibreiras não amarelaram muito, certamente porque a natureza estava avisando que no ano seguinte não haveria bom inverno. Mas o poeta entendeu que as árvores estavam tristes, pressentindo seu destino iminente. E tascou esses versos:
“Eras alegre, altaneira,
Com teu verdinho de cana,
Caibreira, linda caibreira
Do povo de Itabaiana!”
José Augusto Pinto Ribeiro prontamente respondia n’A Folha, o órgão oficial do Município:
“ Velha caibreira, velha carcomida
Tombastes aos golpes de um machado
Levando a morte e renovando a vida.”
O poeta Maia Neto perdeu a batalha contra Pinto Ribeiro, mas ficou na história como um precursor dos modernos defensores da natureza. Dizem que o poeta gostava de tomar uns goles sob as frondosas árvores, e numa dessas viagens recebeu a visita da Deusa da Floresta, que veio saber por que o poeta estava chorando, debaixo das caibreiras na Praça Álvaro Machado. A Deusa veio na forma de uma majestosa mulher, enrolada em galhos de videiras, tendo na cabeça um arranjo florido. Consolando-o, a Deusa da Floresta recitou:
“Vim ter contigo, vim quase às carreiras,
Invocar tua musa predileta,
A mesma que chorou junto às caibreiras
Aos golpes de machado, meu poeta!”
“Molhando a palavra” com a autêntica garapa “Beba Ela”, produzida e engarrafada em Maracaípe, o poeta Maia Neto “desapareceu noite a dentro, abraçado à Deusa, cantando essa canção tão triste e evocativa:
“Adeus Itabaiana das caibreiras
Dos fícus benjamins de braços dados.
Debaixo dessas sombras altaneiras
Eu tive belos sonhos embalados.
Adeus Itabaiana dos currais
De gados soltos pelos marmeleiros,
Das gameleiras belas, colossais,
Que ornamentavam meus sonhos brejeiros.
Adeus Itabaiana da harmonia
De mágicos encantos naturais,
Do perdão, do amor, da poesia,
Dos áureos tempos que não voltam mais!...”
A propósito, me lembrei de uma música que o mestre Sivuca criou com Humberto Teixeira, falando dos vegetais, talvez inspirado nos campos e jardins de sua amada Itabaiana:
“Adeus, Maria Fulô,
Marmeleiro amarelou,
Adeus Maria Fulô,
Olho d’água esturricou,
Adeus, vou embora meu bem,
Adeus Maria Fulô.”
A velha Itabaiana era rica de árvores e de poetas. Por aqui passou um dos grandes, chamado Antonio Maia Neto, desses que sabem os segredos da beleza artística das palavras e das coisas simples de sua aldeia. Por causa de uma celeuma com o prefeito, também poeta, Maia Neto ficou conhecido como o “poeta das caibreiras”.
Aconteceu do prefeito José Augusto Pinto Ribeiro mandar cortar as caibreiras para alargar algumas ruas, “dando espaço ao progresso”. O poeta Maia Neto protestou com belos poemas publicados nos jornais de oposição. Naquele ano, as caibreiras não amarelaram muito, certamente porque a natureza estava avisando que no ano seguinte não haveria bom inverno. Mas o poeta entendeu que as árvores estavam tristes, pressentindo seu destino iminente. E tascou esses versos:
“Eras alegre, altaneira,
Com teu verdinho de cana,
Caibreira, linda caibreira
Do povo de Itabaiana!”
José Augusto Pinto Ribeiro prontamente respondia n’A Folha, o órgão oficial do Município:
“ Velha caibreira, velha carcomida
Tombastes aos golpes de um machado
Levando a morte e renovando a vida.”
O poeta Maia Neto perdeu a batalha contra Pinto Ribeiro, mas ficou na história como um precursor dos modernos defensores da natureza. Dizem que o poeta gostava de tomar uns goles sob as frondosas árvores, e numa dessas viagens recebeu a visita da Deusa da Floresta, que veio saber por que o poeta estava chorando, debaixo das caibreiras na Praça Álvaro Machado. A Deusa veio na forma de uma majestosa mulher, enrolada em galhos de videiras, tendo na cabeça um arranjo florido. Consolando-o, a Deusa da Floresta recitou:
“Vim ter contigo, vim quase às carreiras,
Invocar tua musa predileta,
A mesma que chorou junto às caibreiras
Aos golpes de machado, meu poeta!”
“Molhando a palavra” com a autêntica garapa “Beba Ela”, produzida e engarrafada em Maracaípe, o poeta Maia Neto “desapareceu noite a dentro, abraçado à Deusa, cantando essa canção tão triste e evocativa:
“Adeus Itabaiana das caibreiras
Dos fícus benjamins de braços dados.
Debaixo dessas sombras altaneiras
Eu tive belos sonhos embalados.
Adeus Itabaiana dos currais
De gados soltos pelos marmeleiros,
Das gameleiras belas, colossais,
Que ornamentavam meus sonhos brejeiros.
Adeus Itabaiana da harmonia
De mágicos encantos naturais,
Do perdão, do amor, da poesia,
Dos áureos tempos que não voltam mais!...”
A propósito, me lembrei de uma música que o mestre Sivuca criou com Humberto Teixeira, falando dos vegetais, talvez inspirado nos campos e jardins de sua amada Itabaiana:
“Adeus, Maria Fulô,
Marmeleiro amarelou,
Adeus Maria Fulô,
Olho d’água esturricou,
Adeus, vou embora meu bem,
Adeus Maria Fulô.”
Recursos para a cultura
AUMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA
Artistas vão propor lei à Câmara de Vereadores de Itabaiana
Um grupo de artistas de Itabaiana, arregimentados pela Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba, estão buscando audiência com vereadores itabaianenses para apresentar proposta de lei determinando que as empresas concessionária de serviços de telecomunicações e de energia elétrica paguem uma taxa mensal relativa à instalação da infra-estrutura no município. A cobrança é justificada pelo uso do solo, subsolo e espaços aéreos, implicando em uso de áreas públicas em detrimento da vegetação arbórea e do livre trânsito das pessoas.
Segundo Marcos Veloso, da Sociedade Amigos da Rainha, seria assim criada uma nova fonte de renda para o Município, recursos que seriam destinados a um fundo de incentivo à cultura. “Teríamos então recursos para fomentar atividades culturais no Município custeadas por esta taxa, e seria uma resposta da sociedade à empresa concessionária de energia elétrica que aumentou de forma exagerada o preço do fornecimento de energia”, esclareceu. Segundo ele, os lucros obtidos pela Energisa, empresa que comprou a Saelpa, alcançaram mais de 70 milhões de reais no 1º semestre de 2008 na Paraíba, e mesmo assim os consumidores foram atingidos por um aumento de mais de 15%, maior do que a inflação.
Marcos Veloso disse ainda que a sociedade precisa responder a esses abusos das empresas concessionárias, e uma das formas é a criação dessa taxa pelo uso do solo urbano. “Vamos nos reunir com os vereadores de Itabaiana, e esperamos o apoio de todos para a aprovação desta lei. Vamos falar com a prefeita Dona Dida para que ela aprove também a lei e assine decreto para que a Prefeitura realize a contagem dos postes da cidade mantidos pela companhia de energia elétrica, e cobre por cada poste usado pela empresa”. Para ele, o preço a pagar é muito pequeno, diante dos lucros da empresa, “mas esse dinheiro será muito útil à sociedade, já que vai ser revertido em benefício dos produtores culturais que poderão editar seus livros, montar suas peças teatrais e desenvolver outros projetos culturais para o bem da comunidade”, frisou.
LEI É CONSTITUCIONAL
Segundo Marcos Veloso, a lei que será proposta não fere a Constituição Federal, pois não será criado nenhum imposto, mas cobrará apenas a locação, pelo uso, do terreno onde está implantado o poste de iluminação. Por outro lado, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que os prefeitos não podem abrir mão de receita, sob pena de crime de responsabilidade. Com isso, as prefeituras não podem deixar de cobrar o uso do solo urbano. “Não será criado nenhum imposto e o consumidor não será atingido com essa medida”, esclareceu.
Marcos garantiu, portanto, que a iniciativa tem amparo no Código Civil, endosso da Constituição e é uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Por outro lado, ele vê como promissora a possibilidade de se utilizar essa verba em projetos culturais, através de uma lei de incentivo que também será proposta aos vereadores de Itabaiana. “Acho que os prefeitos de pequenas cidades devem encampar essa idéia. Essas empresas rasgam nossas cidades, embutem tubulações, não pagam nada e ainda cobram de forma abusiva as taxas de energia elétrica”, disse Veloso, acrescentando que as empresas devem incluir em suas planilhas de reajuste o que deveriam pagar pelo uso do espaço público, “só que nenhum prefeito cobra o que é devido à sociedade”.
Artistas vão propor lei à Câmara de Vereadores de Itabaiana
Um grupo de artistas de Itabaiana, arregimentados pela Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba, estão buscando audiência com vereadores itabaianenses para apresentar proposta de lei determinando que as empresas concessionária de serviços de telecomunicações e de energia elétrica paguem uma taxa mensal relativa à instalação da infra-estrutura no município. A cobrança é justificada pelo uso do solo, subsolo e espaços aéreos, implicando em uso de áreas públicas em detrimento da vegetação arbórea e do livre trânsito das pessoas.
Segundo Marcos Veloso, da Sociedade Amigos da Rainha, seria assim criada uma nova fonte de renda para o Município, recursos que seriam destinados a um fundo de incentivo à cultura. “Teríamos então recursos para fomentar atividades culturais no Município custeadas por esta taxa, e seria uma resposta da sociedade à empresa concessionária de energia elétrica que aumentou de forma exagerada o preço do fornecimento de energia”, esclareceu. Segundo ele, os lucros obtidos pela Energisa, empresa que comprou a Saelpa, alcançaram mais de 70 milhões de reais no 1º semestre de 2008 na Paraíba, e mesmo assim os consumidores foram atingidos por um aumento de mais de 15%, maior do que a inflação.
Marcos Veloso disse ainda que a sociedade precisa responder a esses abusos das empresas concessionárias, e uma das formas é a criação dessa taxa pelo uso do solo urbano. “Vamos nos reunir com os vereadores de Itabaiana, e esperamos o apoio de todos para a aprovação desta lei. Vamos falar com a prefeita Dona Dida para que ela aprove também a lei e assine decreto para que a Prefeitura realize a contagem dos postes da cidade mantidos pela companhia de energia elétrica, e cobre por cada poste usado pela empresa”. Para ele, o preço a pagar é muito pequeno, diante dos lucros da empresa, “mas esse dinheiro será muito útil à sociedade, já que vai ser revertido em benefício dos produtores culturais que poderão editar seus livros, montar suas peças teatrais e desenvolver outros projetos culturais para o bem da comunidade”, frisou.
LEI É CONSTITUCIONAL
Segundo Marcos Veloso, a lei que será proposta não fere a Constituição Federal, pois não será criado nenhum imposto, mas cobrará apenas a locação, pelo uso, do terreno onde está implantado o poste de iluminação. Por outro lado, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que os prefeitos não podem abrir mão de receita, sob pena de crime de responsabilidade. Com isso, as prefeituras não podem deixar de cobrar o uso do solo urbano. “Não será criado nenhum imposto e o consumidor não será atingido com essa medida”, esclareceu.
Marcos garantiu, portanto, que a iniciativa tem amparo no Código Civil, endosso da Constituição e é uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Por outro lado, ele vê como promissora a possibilidade de se utilizar essa verba em projetos culturais, através de uma lei de incentivo que também será proposta aos vereadores de Itabaiana. “Acho que os prefeitos de pequenas cidades devem encampar essa idéia. Essas empresas rasgam nossas cidades, embutem tubulações, não pagam nada e ainda cobram de forma abusiva as taxas de energia elétrica”, disse Veloso, acrescentando que as empresas devem incluir em suas planilhas de reajuste o que deveriam pagar pelo uso do espaço público, “só que nenhum prefeito cobra o que é devido à sociedade”.
Assinar:
Postagens (Atom)