Quando o Ministério da Educação se preocupava com a qualificação da
juventude pela instrução, através da literatura secular e laica, publicou
seleta de crônicas onde reiterava que o mundo é feito de coisas que vemos e que
não vemos. O que não enxergamos com os olhos está nos livros. O planeta
formidável da criatividade humana pulsa secretamente no meio das letras. É só
pegar um livro e descodificar o maravilhoso universo da literatura. “Quem não
lê, só vê uma parte das coisas do mundo. E não consegue conhecer tudo”. Hoje em
dia, as plataformas das mídias sociais se encarregam de fornecer uma leitura
raquítica, deformada e limitada, servindo mais como instrumento de propaganda
por inimigos da democracia, da racionalidade, da ciência e da própria leitura.
Já dizia meu compadre Geraldo Caranguejo: “Quem não come, bebe o caldo”.
O poeta declamador é o arauto das peripécias da imaginação, o repórter do seu
universo, o cara que escreve seu poema narrativo, memoriza e trabalha o conteúdo
para adquirir o tom certo, a fim de recitar sua obra para seus ouvintes.
Declamar é uma arte. Em uma sociedade sem leitura, a versão lúdica e poética da
realidade é levada pelos poetas declamadores. Esses artistas furam a bolha da
alienação.
A maioria dos meus confrades e confreiras da Academia de Cordel do Vale
do Paraíba gosta de recitar seus versos em público. Temos o poeta ator Sander
Lee, orador de voz possante e gestos teatrais que encantam as plateias. Comadre
Claudete Gomes, outra atriz, gosta de sair de suas obrigações de professora
comum para dar aulas de encantamento nas suas turmas, lendo e interpretando
folhetos de cordel. O mesmo se dá com os professores Manoel Belisário,
Pádua El Gorrion, Antonio Marcos Monteiro, Raniery Abrantes, Thiago Alves,
Aninha Venâncio e Bento Júnior, mestres da ensinança ordinária em combinação
com as lições de poesia e fascínio do gênero cordel.
O meu herói dessa categoria de menestrel, no entanto, tem apenas 24
anos, anda com chapéu de couro na cabeça, uma bolsa a tiracolo onde carrega
seus livros e folhetos, razoavelmente caririzeiro, considerando-se universal,
porque nasceu em Campina Grande, mas recebeu régua e compasso na cidade de
Livramento na Paraíba, onde foi batizado com o nome de José Ferreira de Lima Neto,
filho de Ferreirinha, apologista de cantoria de viola e responsável pelo
micróbio da poesia popular herdado pelo filho, Neto Ferreira. O bardo fez
Filosofia na Universidade Estadual da Paraíba, de onde partiu para desenvolver
pesquisas nos temas da literatura popular nordestina e da filosofia da arte
estética. Nas horas vagas, declama seus versos e fala sobre o cearense Patativa
do Assaré, Leonardo Bastião, os irmãos Bernardino e Olívio do Livramento, além
dos irmãos Batista, seus ídolos no panteão dos trovadores nordestinos.
Neto Ferreira fez pós graduação em estudos sobre patrimônio cultural a
partir de Livramento. Para ele, o patrimônio imaterial deveria ser melhor
avaliado e reconhecido. Um poeta declamador sai de sua cidade, viaja por sua
conta para animar festas culturais nas quebradas do mundaréu sertanejo, e o
máximo que ganha é o aplauso da plateia e um prato de sopa com pão seco, pago
pela prefeitura. Neto Ferreira é desses que não têm cerimônia. Recita poesia em
vaquejada, festa de mãe, cavalgada, escolas, cabarés de ponta de rua, nas
praças e feiras de suas quebradas. Sobe na carroceira do caminhão, canta em
comício, festa de rua e até em velório. Diante do espetáculo que a cultura
popular proporciona, o jovem artista vive para divulgar os encantos poéticos
neste mundo cada vez mais desfavorável à literatura escrita.
O moço poeta Neto Ferreira certamente um dia terá
seu nome consagrado na história cultural de sua região, nem que seja pela
persistência em levar poesia às massas. O apóstolo Paulo, em Atos 17:28, cita
um poeta do seu tempo, chamado Arato, originário de Soli, uma cidade
pertencente à Cilicia, onde Paulo nascera, que viveu por volta do
século III a.C. Arato ganhou fama por sua coragem em pregar o evangelho da
estética das palavras nas fronteiras daquele mundo antigo. Era um poeta
declamador, como Neto Ferreira, e levava em seu alforje de caçador de almas
líricas os escritos de um mundo encantado.
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