domingo, 3 de julho de 2016

POEMA DO DOMINGO


Hai-kais radicais


Ao inventar a verdade
a mídia estupra e mata
sem maldade.
* * *
O poema acabou a festa
radical como um tiro
na testa
* * *
Desejo/beijo
morrendo à míngua.
Só entendo
se você falar
na minha língua.
* * *
Alma rebelada atoa
o poeta tem seu próprio tempo
e voa
* * *
Súbita sucumbência
morrer é uma arte
e insólita ciência
* * *
Solidão sem janela
assim mesmo o medo
espia por ela
* * *
A Grande Máquina mói
e aniquila sonhos
mas não dói.
* * *
Indefinível grandeza
a mão que separa o átomo
é a mesma que põe a mesa.
* * *
Pobre liberdade
espremida entre a fome
e a necessidade.
* * *
Droga sem bula
a poesia espera
quem lhe engula.
* * *
O homem que não sou
e que não fui
contempla a vida e rui
* * *
O relógio partiu
o dia ao meio
e deglutiu.
* * *
Impotente poeta
a rima se oferece
ele a deixa quieta
* * *
Sádico fato
o rato faz da rata
gato e sapato
* * *
Como um cão danado
uivo para uma lua morta
desesperado
* * *
História datada
chorou ao nascer
por nada... por nada...
* * *  
Driblou a fé
chamou de “joão”
Deus e Maomé
* * *  
Em dialeto
passionês
serei discreto
* * *  
Passional
qual Pierrot
no carnaval
* * *  
A nostalgia
do gato-tempo
me acaricia
* * *  
Disfarço o verso
com intenções
que não confesso
* * *  
A vida corre
de rio abaixo
que mata e morre
* * *  
Arte é aquilo que escapa
da vã inércia
na quente chapa
* * *  
Na jugular
a mãe leoa
cuida do do lar
* * *  
Tantas... tantas fiz
que fiquei preso
no círculo de giz
* * *  
Resolveu radicalizar:
fiado, só depois de amanhã
e olhe lá!
* * *  
Nau dos insensatos
afoga os deuses nas alturas
e salva os ratos
* * *  
Pintura em pleno ar
borrei de azul-desejo
o gás vital dela respirar
* * *  
Um navio desatraca
na amurada, a morte
amola a faca
* * *  
Anjo da guarda batendo
eu não estou nem aí
vou cuidar dos meus pecados.

Era um anjo encouraçado
mais pesado que o ar
não decolou, o coitado!
* * *  
Como um ato falho
cortei a vida
feito baralho
* * *  
Não quero mais brincar de puta
disse a menina-objeto
ao cafetão, e foi à luta
* * *  
Preciso começar de novo
preparar a eclosão
dentro do ovo
* * *  
Nênia para minha vó
negra-índia-suburbana
caiapó
* * *  
Taquicardia
morro-vivo-morro-vivo
todo dia
* * *  
Cruel dilema:
socorro a clara
deixo que gema
* * *  
Com medo de dar bandeira
o mastro de sábado
levantou na sexta-feira
 * * *
Bio-anorexia
Sem apetite
De comer a vida
* * *
No vaso sanitário
um rei sem trono
defeca antimatérias

solitário

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