Companheiro Jairo Humberto, tragicamente desaparecido em 1989, um dos fundadores do PT em Itabaiana.
Sendo assim, ninguém queria se filiar ao novo partido que estava surgindo, liderado por um sindicalista barbudo, mal encarado, nordestino e chegado a uma biritazinha. Só por gostar de cana, Lula já recebia nosso integral apoio. Mas falando sério, o grupo de rapazes começou a enfrentar os tais “trâmites burocráticos” para registrar o partido no Município. Precisava de 70 filiações, no mínimo. Começamos pelas famílias. Cada um procurou converter o pai, a mãe, os irmãos, as namoradas e amigos em militantes petistas. Depois partimos para o campo de guerra, as mesas de bares e pensões. Assim, assinaram ficha desde o bebinho do boteco até a rapariga semi-analfabeta, depois de umas três ou quatro meiotas.
No dia da convenção do partido lá estavam eu, Roberto Palhano, Jairo Humberto Feitosa, Joacir Avelino e mais meia dúzia de três ou quatro gatos pingados e desconfiados. A Justiça Eleitoral escalou o fiscal Ananias para observar a convenção. Ananias ficou meio cabreiro, porque deu meio-dia e não apareceu quase ninguém para votar, ameaçando o quorum. A Comissão convidou então o fiscal para tomar a caninha do almoço na venda do Berto. Foi nossa chance para enviar delegações às casas dos convencionais para colher as assinaturas no livro de ata. Quando o fiscal voltou, já um tanto alegre e expansivo, admirou-se do número de votantes que constava no livro.
--- Foi um caminhão de militantes que veio dos sítios, o pessoal votou e foi embora – explicamos.
Ananias deu o aval, legalizando a Convenção. Depois de uns tragos, nosso fiscal esqueceu o preconceito contra o novo partido, ajudando a legalizar o PT, mesmo desconfiando de que foi personagem de uma farsa.
Percival Maricato, no prefácio do livro “Hic!stórias – Os maiores porres da história da humanidade”, de Ulisses Tavares, cita alguns benefícios da bebida: “Bilhões de vezes, nos últimos milhares de anos, houve declarações de amor e consequente continuidade da espécie com porres homéricos”. Eu acrescentaria que um dos benefícios da bebida também é gostarmos mais da humanidade, até tolerar quem a gente não gosta, e, conforme o episódio aqui narrado, ajudar na organização política dos chamados menos favorecidos na escala social.
COMENTÁRIO
Jairo Humberto foi meu superior no Banco do Brasil de Itabaiana, onde trabalhei dos 12 aos 18 anos como menor aprendiz. Comprei muitos discos de Djavan, Gal Costa, Gilberto Gil na saudosa Mesbla do Recife para Jairo Humberto. Sempre que ia visitar meus avós, levava um pedido de LPs de Jairo pra comprar. Lembro do LP de Gilberto com a canção “Tempo rei” que escutei em casa antes de entregar ao Jairo. Foi quando acordei para o melhor da MPB.
Eu era muito conhecido na Mesbla. As vendedoras diziam: “tão novo e já com tanto bom gosto”. Saudades de você, querido Jairo Humberto. Deus cuide do descanso eterno do Jairo.
Marcello Giuseppe Mastrangello
Giuseppe Marcello Mastrângelo é daqueles autores que constroem pacientemente uma geografia, um universo autônomo onde transcorrem suas histórias com capacidade de tornar o simples movimento em algo belo e tão cheio de emoção.
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