quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Conversa de bodes


Esses dois bodes pretos moram em Itabaiana do Norte, onde são felizes e vivem tranquilos no centro da cidade, livres de qualquer ameaça à integridade física caprina ou bovina, posto que o matadouro local foi devidamente lacrado. As perseguições dos fiscais do meio ambiente também fazem parte do passado. A Prefeitura aboliu a intolerância contra a presença de animais nas ruas, seja cachorro, gato, bode, porco, galinha, boi ou cavalo, inclusive os que se enquadram no sentido figurado. 

Assim, os dois bodes pretos pastam na frente da Igreja Matriz, onde mandaram dizer missa pela saúde da senhora Prefeita, uma dama cordata e bem intencionada com os animais, pois os deixa livres nas ruas com direito a capim, pastos verdejantes, lixões e detritos nas vias públicas, com bastante comida para todos os bichinhos de Deus nesses locais devolutos, sem o jugo de fiscais ou leis.

Um dos bodes, o mais inteligente, chama-se Francisco Orelhana, em homenagem ao famoso bode do desenho de Henfil. O outro atende por Maçom, porque vive de conspiração e segredinhos, dizendo-se combatente da tirania e do obscurantismo de tempos passados, quando era proibida a criação de animais nas ruas da cidade. Por sinal, antigamente o povo chamava de bode o sujeito que era maçom. Hoje, os maçons não temem o Santo Ofício e assumem a figura do bode como símbolo do segredo e do silêncio.

Francisco Orelhana, o que não é maçom, confidencia ao amigo que estão querendo arrumar um bode expiatório para o estado de avacalhação em que se encontra o lugar. “A cidade está cheirando a bode. Querem nos culpar, mas nós prezamos por um bom banho e não temos caspas, portanto deveriam buscar o culpado em outros elementos no quadro de secretários da Prefeitura”, disse Orelhana. 

O outro bode não disse, mas pensou que tem muita gente na cidade imitando o macho da cabra: coçando o rabo com os chifres. Preocupado com o futuro, esse bode místico anda fazendo campanha para um candidato que promete ser o continuador da administração tão zelosa pelo bem estar dos animais soltos nas ruas. Como relés e patético subserviente da Grande Dama do Ferro Velho, o tal candidato não botou no seu discurso, mas está implícito: vai deixar em paz os bodes, porcos, cavalos, bois, vacas, bêbados, favelas nas praças, mijadores dos postes, perturbadores do sossego público, espertos, marotos, tratantes e aproveitadores em geral.   

Deu o maior bode nas hostes animais a notícia de que um candidato de oposição ousa pensar em mudar a ordem das coisas na cidade, retirando os bodes e carneiros das ruas e botando ordem na casa. “É história pra boi dormir”, sentencia o velho Orelhana. Pelo sim ou pelo não, Francisco Orelhana aderiu à campanha do continuísmo, mas sem perder o cinismo: “todo político é justo igual a boca de bode.”


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