“Já li poesia mais ruim do que a sua. Você não é dos piores. Não brigue,
entretanto, pela suprema honra de ser citado por gente do quilate de Hildeberto
Barbosa Filho ou João Batista B. de Brito. Não vai rolar. Seus guias espirituais
já o devem ter orientado que você não pode esperar muita coisa da vida. Pelo
menos no campo minado das letras dissimuladas. Sim, porque poesia é isso. Como
toda literatura, não passa de leituras farsantes, suposto insight acima
da média, fingimentos de pessoinhas fantasiosas deslumbradas reivindicando
todos os papéis da peça. Você, caro amigo, seria o ponto, aquela
figura que, no teatro antigo, ficava escondido num buraco, lembrando as falas
dos atores.
Acho importante também evitar que as pessoas o chamem de poeta. Por duas
razões: primeiro que poeta só pode vestir a camisa de poeta se tiver livro
reconhecido e apadrinhado por críticos do naipe de Aderaldo Luciano ou Kuby
Pinheiro. Segundamente, e não menos importante, o poeta tem que ter aceitação
popular. Não do tipo cair de joelhos, gritar, ranger os dentes, rasgar as
roupas e arrancar os cabelos. Ou ser apreciado e declamado por todo
alcoolista boêmio intelectual que se preze e se sustente em pé, ou sentado na
cadeira do botequim, altas horas das noites desregradas e farristas. Isso fica
para Ronaldo Cunha Lima e Augusto dos Anjos. Eu próprio já comecei uma carreira
de pseudo poeta, mas consegui ser salvo a tempo. Enfim, se você não se
enquadra nesse padrão, furte-se à vergonha suprema de dar um livro seu como
presente de amigo secreto e saber do desgosto da pessoa que o recebeu. Conheço
indivíduo que até chorou de raiva porque deu um lindo bracelete de ouro e
recebeu livro de poesia enjoativa. E considere a pecha de poeta como um defeito
intelectual seu, deformidade estimulante de chacota da plebe rude, incapaz de
reconhecer sua genialidade. Quem me chamar de poeta eu devolvo sorrateiramente,
alcunhando o ofendedor de “patriota”.
Quando sentir pulsar sua veia poética, aconselho honestamente consultar
um angiologista, açougueiro especialista em vasos sanguíneos. Ele certamente
recomendará repouso absoluto e nada de ler Políbio Alves, Lúcio Lins, Bráulio
Tavares, Lau Siqueira ou Paulo Sérgio Vieira. Esses elementos podem transfundir
aspiração de praticar os saques linguísticos que os citados batutas cometem em
seus livros. Para a nova geração, traduzo “batuta”, uma palavra fora de moda:
pessoa que é considerada “pelé” naquilo que faz. A propósito, “pelé” já
sendo de uso corrente, passou a ser verbete de dicionário. Pessoa fora do
comum, que não se iguala a ninguém. Eu, por exemplo, sou o “pelé” da bola fora.
Conheço gente que é o “pelé” do pé quebrado, que não segue as regras da métrica
por imperícia, incompetência, idiotice ou inexperiência.
Por fim e ao cabo, oriento-o a escoar seu fabrico de versos nas redes
sociais. Tem muita gente nova de bobeira que pode gostar das suas palavras
confusas. Finja que é jovem e vá abrindo brecha na defesa da galera antenada em
linguagem de Instagran e Tik Tok. Poesia é um troço muito chegado a uma
informalidade, fora das normas padrão da língua. Desse jeito, você se passa por
poeta, arruma eventuais leitores e colabora com o respeito ao meio ambiente,
evitando cortes de árvores. Para produzir cem folhas de papel é necessário
amputar metade de uma árvore. Tenha dó dos eucaliptos e dos eventuais leitores.
Não edite livros físicos.
Louve-se o fato de que você se conforma e assume o papelório de escritor
malsucedido, haja vista o título da sua mais recente invenção literária: Meu
livro é um fracasso de vendas. Mesmo com essa péssima credencial,
ganhou o prêmio literário José Lins do Rego, da Fundação Espaço Cultural da
Paraíba. Desde então vive a mandar seu livrinho pelos Correios, com o lembrete:
‘leia meu livro’. No que sempre respondem: ‘Vou tentar’. E nunca tentam”.
O que responder ao leitor exigente? Minha mãe disse que eu tenho muita
capacidade de graça e humor, mas, opinião de mãe não vale. Ela é uma mulher de
outras eras, um mundo sem inteligência artificial e comunicação implicante,
instantânea, cada um dizendo: “este sou eu, preste atenção em mim, dê um like, por
favor, siga-me!” Por mais próximos que estejam do contato eletrônico, mais desconfiança e distância. Enfim, esse é
o papel que me deram na vida, desculpe. É preciso seguir o script.
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