Eu badalejando o chocalho na porta de Ivaldo Gomes
O sujeito chega na casa de Ivaldo Gomes e é surpreendido com uma sineta peculiar: um chocalho desses de botar em pescoço de vaca, pendurado de um galho de árvore. Dá a sensação de que estamos em um lugar romântico, imagem de campo, sem poluição, sem pressa e sem energia elétrica e nervosa.
No grande teatro da vida, Ivaldo Gomes faz o papel de mediador, aquele que coordena as diversas vozes da sociedade, o provocador, o cara chato que induz à discussão, aquele que diz não para ver nascer o sim. Na sua vida particular, Ivaldo não complica a vida dos outros nem a dele, mas não abre mão de ser divergente. No lugar de campainha elétrica, badala seu chocalho. Cada pessoa inteligente tem seu repertório próprio de vida.
Outro dia fui à casa do Ivaldo Gomes e bati na sineta/chocalho. Achei o máximo! Aquele chocalho encerra uma lição de vida. O chocalho cumpria seu ofício de lembrar que as coisas simples trazem uma sensação de felicidade, não custam nada, estão sempre diante dos nossos olhos e marcam fundo e irreparavelmente a vida das pessoas.
Se cem anos viver, vou lembrar da primeira vez que fui à casa de Ivaldo Gomes. Morrendo mais cedo do que desejo, peço moderação nos funerais, nada de caixão luxuoso nem prantos fingidos. Aceito preces por via das dúvidas, mas o supérfluo que queria: ser conduzido à cidade dos pés juntos ao som do badalo de um chocalho campesino, igual ao que Ivaldo Gomes usa na porta de casa. Devidamente guizalhado, meu enterro teria a dignidade de uma vaca velha que cumpriu sua missão e retorna tranquila ao aprisco no final da tarde.
Dizem escritos apócrifos que Ângelus, o anjo que anunciou o nascimento de Cristo, usava um chocalho para fazer saber a boa nova.
A maior glória e serventia do chocalho de Ivaldo Gomes é sua capacidade de transformar a disposição de espírito do suplicante que bate à porta do professor. Seja quem for, do carteiro ao cobrador de impostos que ele odeia, do pedinte ao doutor formado e mal humorado, todos exibem um sorriso de contentamento quando o dono da casa abre o portão. Tudo porque tiveram a sensação intimamente feliz de badalar um chocalho, de encarar o inusitado e o lúdico numa simples sineta.
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