sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Bafafá e encantamento na feira


Saio todos os dias para percorrer o itinerário da caminhada às 5 horas da manhã. Depois de duas voltas na Praça da Independência e mais duas na lagoa do Parque Sólon de Lucena, subo ao Mercado Central e compro algumas frutas, para fazer musculação até em casa, no bairro de Jaguaribe.

Na feira tem de tudo, incluindo os tipos humanos. Outro dia o cara debochado vendia suas verduras pilheriando:

-- Hoje moça bonita não paga, mas também não leva, e velha paga mais caro por causa do imposto da feiúra.

Uma senhora de cara amarrada acercou-se da banca. E o vendedor:

-- A senhora quer que eu venda em “casteliano” ou em português?

A mulher foi ferina:

-- Venda na língua dos cornos, que você entende melhor. E vamos deixar de fuleiragem que eu sou meio afobada, não gosto muito de fuleiragem.

Um dia, que será guardado na memória da humanidade, vendi cereais na feira de Itabaiana. A feira livre é um universo graciosamente original, imaginoso e cintilante. Lá, o cadinho da cultura popular ferve em meio à mistura de vozes, cores, sons e cheiros do povo. Dosando curiosidade com encantamento, foi na feira que aprendi a entender a beleza da cultura do meu povo, ouvindo, por exemplo, as cantigas dos cegos.

Dois cegos cantadores eram por mim especialmente reverenciados. Achava-os o máximo. Outro dia, pesquisando na internet, dei com uma dissertação de mestrado do geógrafo Eduardo Pazera Jr., sob o título “A feira de Itabaiana/PB – Permanência e mudança”, onde ele estuda o processo de ocupação do espaço, a origem da feira, a perda de suas características no decorrer do tempo, transformando-se de feira camponesa em feira urbana, mantendo, porém, a sua essência. Entre as fotos que ilustram o trabalho, está lá a dupla de cegos cantadores que me encantavam na feira de Itabaiana dos anos setenta.

Não sei se ainda estão pisando esse chão os dois artistas populares de feira. Evidentemente passaram suas vidas cantando e remoendo suas misérias na feira de Itabaiana, recolhendo migalhas em troca de sua arte tão rica. Ironicamente, a cultura é a única riqueza que os tiranos não podem confiscar, mas que geralmente só rende uns trocadinhos ou um punhado de farinha seca na bacia.

O poeta Manoel Bandeira, ao ouvir o repente de um desses geniais menestréis do povo, assim se exprimiu:

Anteontem, minha gente,
Fui juiz numa função
De violeiros do Nordeste
Cantando em competição,
Vi cantar Dimas Batista,
Otacílio, seu irmão,
Saí dali convencido
Que não sou poeta não;
Que poeta é quem inventa
Em boa improvisação
Como faz Dimas Batista
E Otacílio seu irmão;
Como faz qualquer violeiro,
Bom cantador do Sertão,
A todos os quais, humilde,
Mando “minha saudação.”

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