Um dia, andando com muletas por causa da artrose no joelho, tive que apelar para o transporte público. Não achei muito interessante o ruge-ruge, os odores, o aperto, o calor, os solavancos, as conversas paralelas do dia-a-dia, a espera cansativa, a passagem pela “borboleta” com a barriga de chopp, os pedintes e toda uma tribo que tem o ônibus como habitat , do pregador evangélico ao vendedor de drops para ajudar a “casa do menor drogado”.
O poeta Jairo Cézar aproveita sua viagem diária nos ônibus superlotados de João Pessoa para anotar suas coisinhas, quando tem sorte de sentar nas poltronas desconfortáveis dos veículos, ignorando o corredor apinhado de passageiros em pé. Daí a popularidade e a universalidade dos seus versos. É no ônibus lotado que Jairo medita sobre a precariedade da vida do pobre operário, a dureza da vida no campo, o lirismo dos que são oprimidos, o romantismo chinfrim do discurso amoroso das canções populares, os protestos e confissões de um poeta em formação, no embalo do ônibus circular, aquele que jamais chega ao seu destino.
“Olhe, seu menino, essa vida é uma loucura!”, exclamou o senhor de idade indefinida, barba por fazer, cansaço no rosto e na alma, sentado na cadeirinha dos inválidos na linha 601. O poeta aproveitou a deixa para pensar: “E por que não levar poesia para os loucos?” Não deu outra: sarau no pátio do Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira. “É minha contribuição para a luta antimanicomial”, declara Jairo Cézar, “professor de inglês, comunista, marido de Michele e pai de Beatriz,” como gosta de se apresentar. De tanto anotar as coisinhas nos transportes coletivos, acabou por editar o livro de poemas “Escritos no ônibus”.
Jairo andou trabalhando por Sapé, terra do poeta Augusto dos Anjos. Lá, participou de comoventes aventuras no mundo da burocracia para alavancar projetos de divulgação da cultura. Fez algumas coisas valorosas. Ajudou a criar projeto de conservação do universo de Augusto no engenho onde nasceu o genial poeta paraibano. Refletindo sobre essas lutas quase inglórias, escreveu:
O ENGENHO
Na esterilidade do cansaço
A febre do desânimo me afronta.
Reflete no octógono do destino
Uma angústia milenária que se afoita.
Na linha férrea do meu traço
A humanidade se amedronta,
Pois só no brejo Nordestino,
O incoercível se açoita.
Carrego 200 litros de vinagre,
Dói-me o dorso cerebral.
A indiferença é o milagre
De uma sonata universal.
E a essa hora, quando a flecha beija o arco,
Quando o crepúsculo me acalma,
Sinto a brisa do Pau D’arco
Pentear as tranças da minha’lma.
obrigado pelas palavras, fábio.
ResponderExcluirabraço
jairo