O poeta pernambucano Daniel Lima, que ganhou o prêmio de poesia da Biblioteca Nacional |
Esse meu conterrâneo me deixou muito orgulhoso.Quem me passa a notícia é Moacir, filho do poeta timbaubense Cassiano, amigo do meu pai Arnaud Costa. O nome dele é Daniel Lima, nascido em Timbaúba (PE) em 02 de maio de 1916. Tem 95 anos, lúcido e solar. O padre Daniel acaba de ganhar o Prêmio Literário da Biblioteca Nacional pelo seu livro de estréia. Ele concorreu com 50 obras na categoria poesia e bateu nomes como Ferreira Gullar e Affonso Romano de Sant’ana. O júri escolheu sua obra POR UNANIMIDADE. Ninguém o conhecia e a obra dele é considerada uma descoberta da poesia brasileira, afirma Antonio José Jardim, um dos jurados e também professor de literatura da UFRJ. Ele alia simplicidade a um conhecimento extraordinário do fazer poético, do ritmo, do domínio das palavras. Padre Daniel tem pelo menos 27 livros inéditos, 14 de filosofia. Ele passou a vida escrevendo e espalhando livros. Só escreveu para ele e para os amigos.
Daniel foi pároco de Nazaré da Mata e ensinou filosofia em universidades do Recife. Ligado a setores progressistas da Igreja, atuou nas Ligas Camponesas de Francisco Julião. DANIEL LIMA há muito não exerce o sacerdócio, mas continua padre, esse timbaubense, que como tantos outros, pela palavra teimam em se aproximar da divindade. Para se contrapor a outros padres mercenários e néscios.
A Folha de São Paulo publicou: "Fico arrasado pela beleza que consegui apanhar na palavra que é tão pobre. O que escrevi me comove profundamente. O que eu escrevi passou de mim, transbordou-se do meu pensamento e da minha forma de configurar os objetos. Eu mesmo adoeço quando escrevo muita poesia", afirmou Padre Daniel, que se encontra hospitalizado.
E agora está no hospital porque adoeceu de quê?
"Adoeci de Daniel", responde rindo. "O mundo é muito importante, eu fico meio desorientado. Para me enquadrar nele eu tenho de sofrer, e adoeço."
(Amigos contam que Daniel está saudável apesar da idade. Foi parar no hospital porque não queria comer, ficou anêmico e desidratado. Já está melhor e deve ter alta nos próximos dias.)
Foi por temperamento, diz o poeta, que nunca quis ser publicado. "Fico meio encabulado de ser colocado em primeiro plano. A poesia para mim é um ato de intimidade e fico espantado quando vejo a repercussão, porque achava que era só eu quem via."
Num jorro, ele prossegue: "[A poesia] arranca de nós uma visão nova do mundo, como se fosse uma nova criação. O mundo me toca, a beleza acima do tempo e do espaço, me sinto fora de mim mesmo. Se não escrever qualquer coisa, me sinto mal. É como se Deus me desse um dom e eu não restituísse ao mundo".
"Depois que escrevo os poemas sinto que transcendi a mim mesmo, não fui eu, foi alguém que gostaria de ser eu. Aconteceu uma coisa esquisita. Eu sou meio besta, doido, acho que com o tempo ficarei ajuizado."
O perfil simultaneamente libertário e sereno fez do padre Daniel a um só tempo uma figura célebre e anônima em rodas acadêmicas e literárias pernambucanas. A ponto de inspirar homenagens arrebatadas de gente que não o conheceu pessoalmente.
Caso do jornalista Marcelo Mário de Melo, que assinou em outubro um bem-humorado artigo no "Diário de Pernambuco" intitulado "Acuso Daniel Lima".
"Acuso Daniel Lima de ter soltado, no Lar Sacerdotal, os custosos passarinhos importados e zelosamente presos no viveiro do padre Sidrônio, indignando-se e chamando de `bestas' àqueles que não se dispuseram à revoada", escreveu ele.
"Acuso Daniel Lima de, quando ouvia falar em 'socialismo cristão', afirmar com desdém que 'socialismo é socialismo, isto é safadeza de padre'".
"Acuso Daniel Lima de ter-se disfarçado de jornalista e convivido durante um mês, no Rio de Janeiro, no Morro do Esqueleto, com favelados, malandros e bandidos."
"Acuso Daniel Lima de ter varado uma madrugada até o nascer do sol, em companhia de Jommard Muniz de Brito, Wilson Araújo de Souza e outros irreverentes, percorrendo quilométricas discussão sobre filosofia e estética, regadas a bebida alcoólica."
"Acuso Daniel Lima de ser matriz de comportamentos domésticos de péssima instrução para as crianças, como fritar ovo com óleo de peroba e passar bife no ferro de engomar."
E por aí vai. "É tudo verdade. E tem mais algumas coisas", relata Marcelo Mário de Melo, que diz ter colhido as histórias ao longo dos anos com vários amigos do padre Daniel.
"Ele só atendia telefonemas das duas às quatro da madrugada. Embora fosse esquerdista, era amigo do general [Antônio Carlos da Silva] Muricy [muito ligado à Igreja, foi um dos articuladores do golpe de 64 e comandou a 7ª Região Militar, baseada no Recife], jogava xadrez com ele e depois teria escapado da repressão por orientação de Muricy. Gostava de varar madrugadas conversando e tomando vinho com os amigos. É um vivedor."
Dados coletados por Josafá de Freitas na imprensa de São Paulo, em dez/2011
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