quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Cena real no ônibus do bairro dos Novais


Amiga minha viajava no coletivo que faz a linha do bairro dos Novais, em João Pessoa. Levava a filha de 10 anos. Vestidos de funqueiros, entraram dois moleques no ônibus com poucos passageiros àquela hora, duas da tarde. Depois de alguns minutos, a moça gritou:

-- Roubaram meu celular e foi esse cara – apontando para o rapaz com cara de punguista.

-- Qual é, madame! Tou com seu celular não, só com o meu.

A mulher avançou para o sujeito e meteu a mão nos seus bolsos. Os outros passageiros fingiam não ver a cena, quase em pânico. Um dos rapazes passou para a frente do ônibus. O outro, desconcertado, tentava se livrar da ira da moça.

-- Liguem para meu celular! – gritou ela para os passageiros.

Os homens e mulheres foram sucumbindo à onda dolorosa do terror.

-- Ninguém aqui tem coragem não? Liguem a cobrar para meu telefone.

Foi aí que uma senhora, trêmula, tirou o seu celular da bolsa e começou a discar o número gritado pela estouvada passageira. O toque do móvel se virou contra o maluco do funk que tratou de correr para a porta de saída. O motorista parou, quase também perdendo o controle. O celular da passageira estava debaixo de uma poltrona, jogado pelo rapaz. Aos poucos, a moça foi se acalmando. Pegou na mão da filha e desceu, sob os olhares espantados dos demais passageiros.

Ela contou isso para um amigo comum, que me passou a história. “A fúria tem vida própria”, filosofou depois. Nunca pensou em resistir a uma arremetida de bandidos. A reação súbita e violenta assombrou a própria protagonista do acontecimento. “Criei coragem em segundos, e vi aparecer em mim uma pessoa que eu desconhecia. Fiquei aterrorizada depois, mas no momento obedeci às ordens dos meus instintos mais primitivos”, acredita.

Agora, vive apavorada com medo de dar de cara com os rapazes. A comunidade onde mora é muito insegura. É mais uma que defende chacina urgente para rapazes pobres da periferia, seus próprios vizinhos. Ela e eles são partes das entranhas de uma sociedade apodrecida. O Mal Absoluto, com suas raízes históricas e sociais, arranca de dentro das pessoas as mais tenebrosas forças biológicas que levam uma simples dona-de-casa a se transformar em guerrilheira suburbana e suicida em uma batalha já perdida contra seus iguais.

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