terça-feira, 17 de agosto de 2010

No consultório


Fui voz e violão de um conjunto chamado “A Tampa, a Garrafa e o Copo”. Eu era a Tampa. Saí por falta de competência para beber mel de tubiba dia e noite. A Garrafa morreu de cirrose, o Copo virou cantor gospel de uma igreja chamada “Cuspe de Deus”.

O filho do Garrafa negocia com a “raspa da canela do diabo”. A mulher do Copo não lhe dá moral e só quer ser a gostosa da vila. A filha do Garrafa gosta de pegar uma rave, dançar até esgotar o ácido e surtar geral.

Cansado, abalado e fragilizado por uma dor constante há mais de uma semana, eis-me aqui na sala de espera da médica, escrevendo pra passar o tempo.

Tem um cara que é a cara do Garrafa, por isso lembrei do nosso antigo trio. Lembrei também de Giba, amigo meu constatando assombrado: “quando tu vê um moleque tomando cachaça no boteco, dá moral porque ele podia estar perdido na raspa da canela do diabo”.

A velha médium vidente Preciosa é quem tem razão: melhor se consultar com ela do que padecer nesses consultórios de esculápios mercenários.

Madame Preciosa, pra você sentir o peso, fala cento e quatorze línguas, sendo que doze delas já mortas e esquecidas, incluindo sete antigos dialetos de tribos brasileiras. Madame lê as inscrições primordiais das Runas e as treze formas corretas de interpretação dos hexagramas do I Ching. Fala corretamente a língua dos anjos e soletra qualquer coisa do alfabeto de Lúcifer e seus black caps.

Como sou um cara travado, não falo com ninguém nesta sala de espera onde temos duas velhinhas gorduchas, o sósia do Garrafa, um senhor com chapéu de palhinha, uma moça pálida, uma mulher e sua filha mal-educada e uma senhora magrinha com cara da “Bruxa do 71”. Depois chegou uma dona baixinha, magra, dos cabelos pintados de loiro que lembrou minha prima Gerusa, falecida na semana passada.

Comecei a morrer no dia em que nasci. Cinquenta e cinco anos depois, o processo parece que vai ter o seu remate.

Finalmente atendido, a médica mandou comer linhaça, licopeno do tomate e melancia, óleo de alho e suco de uva, soja preta, farinha de banana verde e lecitina de soja. Regime de fome, que é pra morrer bem sequinho, com a silhueta de monge budista. Vou marcar com Madame Preciosa.

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