sábado, 21 de agosto de 2010

CARTA AO MESTRE CAJU


William Shakespeare



Meu caro Maciel Caju:

Outro dia fui lembrado de que não passo de um plagiador da obra alheia, conceituação que muito feriu meu orgulho de escrevinhador e literato. Saiba, pois, vossa mercê que estou em boa companhia, como já tive a oportunidade de provar, reproduzindo soneto da lavra do bom D. Pedro II, cujo tema foi fonte de que se valeu nosso brilhante Augusto dos Anjos para compor o soneto “Versos Íntimos”.

No momento em que concluo a leitura das “Novelas Italianas”, com seleção, tradução e prefácio de Hernâni Donato (Editora Cultrix), surpreende-me a constatação de que o mais que renomado dramaturgo inglês William Shakespeare tenha apresentado como da própria autoria uma ficção do novelista, cronista e historiador italiano Luigi da Porto. Sua novela “Julieta e Romeu” foi mais que inspiração para que Shakespeare escrevesse o drama “Romeu e Julieta”, mudando apenas a ordem das personagens no título da obra. Na verdade, essa lenda dos dois nobres amantes que acabam por celebrar pacto de morte já fazia parte dos escritos de Masuccio Salernitano, em sua obra “Novellino”. Dado o tema, tanto Shakespeare quanto Luigi da Porto apenas ajustaram a fantástica história aos seus enormes talentos.

Portanto, caro Caju, “Romeu e Julieta” de William Shakespeare é plágio do plágio, bem representando a verdade histórica de que não existe nada de novo e original neste mundo, como enfim constatou o poeta do livro de Eclesiastes. O girar dos séculos encontra novas gerações interessadas e deslumbradas pelos estilos, lendas e modelos que se renovam e se adaptam sem nada mudar. É forçoso reconhecer que o mais original dos criadores, por mais fecunda que seja sua imaginação, é no trabalho dos outros que acaba por firmar seu prestígio. A grande novidade de hoje já foi vista nos antigos escritos gregos, nos discursos de Virgílio e Cícero, Horácio e Ovídio, nos textos épicos, líricos e dramáticos, da Ilíada à Odisséia, passando pelo Mahabharata e A Epopéia de Gilgamesh, referendado como o livro mais antigo do mundo.

Meu assistente Sonsinho, aqui ao lado, lembra que até na política mais rasteira não é novidade essa prática. Aqui mesmo na nossa Paraíba, o ex-governador Cássio Lima só quer saber de imitar José, o atual mandante, quando este vociferava nas hostes da oposição. Por seu lado, Zé só quer ser Cássio quando era governador: as mesmas desculpas, as mesmas pantomimas, mentiras e logros. Nesse jogo de espelhos, de vez em quando aparece um Mago que quis entrar na brincadeira sem querer imitar ninguém e sem ter garrafas pra vender. Vai pagar caro pela sua pretensa originalidade. Pelo menos é o que imagina Sonsinho, duvidoso cabo eleitoral.

Um comentário:

  1. Caro Fábio,
    Contar novamente uma história que já foi contada por outro não é plágio. Praticamente todas as peças de Shakespeare foram inspiradas em histórias que já existiam, publicadas ou não. No meu livro A Botija narro do meu jeito três histórias que todo mundo conhece. Plágio é copiar a frase do jeito que foi escrita por outro, trechos de música compasso por compasso... Guimarães Rosa não plagiou o Ulisses; uma obra só se assemelha à outra por serem ambas grandes, cada uma a seu estilo. Leminski fez uma "boutade" quando deu essa resposta, como tantas outras que fez ao longo da vida, o que também não o diminui - a "boutade" é um traço das mentes àgeis e inquietas, uma piada, um chiste, um repente, como o fazem os nossos cantadores de viola. E ainda sobre o plágio: por que o soneto do Imperador não ficou famososo e o de Augusto sim? Porque Augusto era genial, e soube dar àquelas palavras o arranjo exato para que ecoassem nos corações e mentes dos leitores.
    É isso.

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