Item 171 do cardápio
Se tem uma coisa que me emociona é frequentar um bar ou restaurante ao som de um companheiro de música, mesmo que no repertório não se incluam as canções dos nossos companheiros compositores. O fato de não encontrarmos nas músicas executadas nos bares o espelho da nossa cena musical pode até nos dar um certo desgosto, não causa nenhum demérito aos músicos que massageiam nossos ouvidos, tornando a nossa vida menos indigesta.
Agora, se tem uma coisa que me revolta em proporção muito maior do que as emoções musicais causadas pelos meus companheiros, é saber que o ingresso para ouvi-los é compulsório e está impresso no menu, mas que, via de regra, tal receita bruta, e nem líquida, chega aos seus sagrados bolsos. Contentem-se eles com a receita gasosa. O dinheiro arrecadado dos couverts artísticos evapora pela fornalha da contabilidade desses empregadores, chagando aos músicos apenas o cheiro do suor do seu trabalho. A maior parte daquilo que destinamos aos músicos é usada como suplemento de receita para o pagamento de despesas correntes dos bares e restaurantes como água, luz, telefone, enfim, trata-se de uma grande fonte de renda excedente para os empresários. Mas, na verdade, eu vou direto ao assunto, pois acho que o lucro dos bares e restaurantes já é o suficiente para pagar suas contas. O dinheiro dos músicos é usado mesmo é pra pagar a prestação do carro importado desses comerciantes, ou suas viagens pra Europa, ou mesmo o seu apartamento de cobertura.
Imagina só se os músicos recebessem seus cachês a partir das vendas de tira-gosto. Ou se lhes fosse destinado o lucro da venda da carta de vinhos. Seria inadmissível, não é? No serviço público chamamos a isso troca de rubrica, ou seja, pagamento com erro de destinação. Então, traduzindo este termo para o campo privado, por que a rubrica “couvert artístico” não alcança o seu justo destino: o trabalhador da música que oferece sua labuta artística?
Na verdade estamos diante de uma luta de classe, aquela mesma definida por Marx. Neste caso, a nossa classe está pagando pelo erro de sua falta de organização enquanto categoria. O patrão se fortalece na fraqueza do seu empregado, gerando essa injustiça tamanha. Quem assina essa fatura somos nós mesmos que permanecemos calados, ruminando a sorte a cada fim de noite enquanto gastamos boa parte do cachê pagando o taxi de volta pra casa.
Eu não sou músico da noite, mas me revisto do problema já que atinge meus companheiros. Como frequentador dos bares, eu reivindico a mesma decisão que foi tomada em referência aos 10% dos garçons, tornando esta prática facultativa. Se o pagamento aos músicos é fixo e não depende do montante apurado nas mesas, eu não me sinto na obrigação de pagá-lo. Isso não quer dizer que eu seja contra a cobrança de couvert artístico, apenas quero ter a certeza de que minha contribuição a este valioso serviço chegará ao seu valioso destino. Como tenho a certeza de que não é assim que funciona, eu como consumidor não me sinto obrigado a corroborar com esta prática injusta. O oferecimento de música ao vivo tem que ser encarado como mais um serviço oferecido pela casa, gerando-lhe mais uma despesa corrente. Aliás, um maravilhoso serviço que agrega valor ao ambiente e gera mais lucro. Não se trata de despesa, mas de investimento.
Convido a todos para uma reflexão. Aqui me coloco como músico e consumidor de música. Músico por profissão – mesmo que pareça estranho atuar profissionalmente e não sobreviver do ofício – e consumidor, porque se trata da expressão que mais anima minha existência. O fato é que essa situação me incomoda, porque não é digna, já que todos somos vítimas desta prática, os músicos, que não recebem o que lhes é devido, e os consumidores que, de certa forma, estão sendo enganados no pagamento a este serviço.
Daqui pra frente é melhor atentar pra o item 171 do cardápio!
Adeildo Vieira
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