domingo, 28 de fevereiro de 2010
Transitando na geografia de dona Nini
Da série “minhas mestras inesquecíveis”, lembro hoje da professora Nini Paes, a mestra de geografia. Duas características de dona Nini que eram pura poesia: suas pernas bem torneadas e sua caligrafia harmônica e elegantemente artística.
Alguém que passou a vida toda dedicando-se a lecionar com amor, só pode ser uma pessoa do bem. Assim é dona Nini, uma pessoa do bem. E injustiçada, porque Itabaiana deve a ela todas as homenagens que se possa prestar a uma construtora do saber de uma geração. Nasceu em Pernambuco, de onde veio aos quatro anos de idade e vive aqui até hoje. Jamais teve outra ambição se não a de educar. Um dos maiores nomes da história da educação itabaianense, dona Nini tem essa singularidade: a humildade. Não falaria da contribuição de dona Nini ao processo educacional de várias gerações, mas admiro essa figura principalmente porque ela ficou no imaginário de seus ex-alunos, e isso é primordial quando se quer aferir o valor de uma pessoa. Se você não esqueceu de alguém, é porque essa pessoa teve uma influência marcante em sua vida, claro. A personalidade de dona Nini permeia nossas lembranças de estudantes. Sempre de aparência sóbria, austera e responsável, ela adorava seus alunos.
Dona Nini tinha o controle do nosso imaginário. E isso não é pouco. Nas aulas de geografia geral, a gente viajava no fascínio e encanto do rio Nilo, descendo a África desde tempos imemoriais, nas palavras vivas de dona Nini. Ou realizava uma viagem de sonhos pelas populações de lugares tão distantes como Madagascar ou Turquia. O lago Kioga era nosso remanso, de nadar de braçadas no meio de crocodilos e hipopótamos. O rio Amazonas que era mar, o maior rio do mundo cabia em nossa imaginação, apoiados pela descrição poderosa e impressionante da professora.
“Espero que vocês não desistam de seus sonhos”, afirmou dona Nini em um final de ano, depois de distribuir as notas das provas finais. Alegria e emoção expressos nos seus belos olhos, misturados com certa melancolia por se despedir de mais uma turma, que era sua família afinal, já que nunca teve filhos. Os projetos de vida de cada um daqueles alunos foram subsidiados pelas lições da mestra de geografia, apontando os costumes, os valores, a cultura de povos distantes, os aspectos psicológicos e ideológicos do mundo real, condensados em lições de fantasias e ideais.
Em abril de 2005, fiz uma entrevista com dona Nini para o jornal Tribuna do Vale, que publiquei com o título: “Professora Nini Paes, uma vida dedicada à educação”. Ela confessou que nasceu em Goiana, Pernambuco, de onde veio aos quatro anos de idade para morar no sítio Jacaré, município de Itabaiana. Geracina Lins de Souza Filha foi sua mestra, “a melhor professora que Itabaiana já conheceu”. Para dona Nini, Geracina era uma mestra de verdade, “pena que as novas gerações não tenham conhecimento do seu trabalho”. Na sua opinião, “o ensino atual não forma bem as pessoas, os alunos não têm gosto pelo estudo, as escolas perderam qualidade”. Ela foi a segunda diretora do antigo e famoso Colégio São José de Marieta Medeiros, no ano de 1960. Ao final, a mestra faz um apelo ao poder público para providenciar o tombamento do prédio onde funcionou o Colégio São José. Seria a maior homenagem que se prestaria a professoras do quilate de Dona Nini, Salomé Jordão, Marieta Medeiros e Geracina Lins. Mas acho que as lições de dignidade e respeito aos valores do passado já foram esquecidas, são contemporâneas de mestras com a retidão de caráter de dona Nini.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
Fluindo no compasso de dona Gilka
Meu considerado amigo de infância, Joacir Avelino envia congratulações pela inauguração da Biblioteca Comunitária jornalista Arnaud Costa, instalada no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar. “Um país se faz com homens e livros”, lembra Joacir, citando Monteiro Lobato. O compadre lamenta que o poder público não dê importância a este aspecto da cultura. É de fazer dó a situação de abandono das bibliotecas públicas municipais, nos raros municípios onde existe esse equipamento.
Joacir aproveita para retomar suas memórias do tempo em que viveu em Itabaiana, “de menino a rapazinho, de rapazinho a rapaz”. Registro suas reminiscências no afã de (re)construir a história da terra de Abelardo Jurema. Ele recorda das aulas de música com a professora Gilka no Colégio Estadual. Considera que a música nas escolas diminui a violência, muito mais do que outras manifestações culturais ou esportivas.
Lembro das aulas de música “como quem ouve uma sinfonia” gostosa do passado, no compasso da mansidão, beleza e charme de nossa mestra dona Gilka. Acho que me apaixonei por ela, porque se desenha bem distante uma sensação de interação psicológica quando participava de suas aulas. Havia um velho piano desafinado onde nossa mestra tentava passar as notas da escala musical. Essa sutil influência deve ter marcado muitos de minha geração, além de Joacir Avelino. Sei que ficava fascinado com as aulas de música. A linha do tempo se confundindo com as linhas da pauta onde garatujávamos os acordes.
Se a maior parte do que ouço hoje é ruído, se me perturba a canalhice e pobreza da atual música popular brasileira, essa sensibilidade devo muito às aulas de música que tive no Colégio Estadual de Itabaiana. Mas procuro entender as mudanças do meu tempo, sem deixar de fazer um paralelo com o pretérito.
Os sons da minha adolescência têm gosto de pecado original. Eu tinha apenas 14 anos, era virgem e inocente, sentia um arrepio quando ela segurava em minha mão para espalhar meus dedos trêmulos no teclado do velho Essenfelder consumido pelo tempo. Acho que nunca cheguei a cobiçá-la ou desejá-la conscientemente. Meu mundo musical escolar foi um território sem culpa. Os valores morais da sociedade visível tinham um certo filtro de censura que moralizava o desejo. Se sonhei algumas vezes, é culpa do superego, e só Freud explica.
“Viver é afinar os instrumentos”, escreveu Jorge Luiz Borges. Jamais vou terminar os compassos daquelas aulas. Depois passei a ler Jorge Amado, e vim a conhecer o cravo, a canela e outros encantos. Mas o “cravo bem temperado” daquelas lições de dona Gilka era uma química absolutamente maior do que todas as experiências que provocaram minha comoção de adolescente tímido.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
A Sandália de Jandira
Romualdo Palhano
Esse título me fez relembrar “Los zapaticos de Rosa”, excelente poesia do intelectual Cubano José Martí, que se encontra em sua obra “La Edad de Oro”. Em sua homenagem registrei meu filho que nasceu em Havana: José Martí Luna Palhano. Então, voltemos para a sandália de Jandira.
Jandira Lucena, gente da gente, artista plástica, atriz de qualidade, pessoa reconhecida na cidade, aonde era professora e mantinha uma escola de datilografia em sua residência. A companheira Jandira também era integrante e sempre compartilhava como os audaciosos projetos do GETI. Por um lado, eu, como ator da “Paixão de Cristo” na carroceria de um velho e desgastado caminhão (nosso palco), que seguia pelas ruas da cidade, em meio à procissão da sexta feira santa. Por outro, Jandira Correia de Lucena, como grupo de apoio daquela inesquecível apresentação, seguia ao rés do chão e acompanhava o caminhão com a missão de proteger o espaço cênico e os atores.
Naquela ocasião, a multidão estava grudada e vidrada naqueles personagens bíblicos. Era difícil se movimentar com tanta gente. Não havia um só espaço vazio na principal rua de Itabaiana. Ninguém podia mais entrar, ninguém podia mais sair. Aquela massa de gente seguia vagarosa, lenta, mas esperançosa. Era apenas acompanhar o ritmo compassado e os passos sincronizados dos religiosos romeiros. Enquanto na carroceria do caminhão continuava o espetáculo; embaixo o povo não andava, era literalmente empurrado por aquela obcecada multidão, ávida de acompanhar “pari passu” a encenação e os passos de Nosso Senhor Jesus Cristo, até o desenlace final.
Naquele frenesi aconteceu o inesperado: a colega Jandira Lucena começou a choramingar, ficar amarela, suada. Em determinado momento tentava se abaixar e não conseguia, parecia procurar algo. E eu nesse fogo cruzado: ora prestava atenção ao espetáculo, ora olhava o público e ora me preocupava com o sufoco da pobre Jandira. Quando tive oportunidade perguntei: - O que aconteceu? Respondeu-me Jandira: - Desapareceu! Retruquei: - O quê? Ela: - Perdi minha sandália!!! A sandália de Jandira ficara para trás perdida entre os milhares de pés dos romeiros que ali se encontravam.
A essas alturas, diante do crescente avanço da procissão, não havia mais como retornar com aquela quantidade de gente. O povo era como as águas furiosas das cheias do velho Paraíba. Foi quando compreendi que Jandira realmente acabara de perder uma de suas sandálias. Depois fiquei sabendo que o par de sandálias era novinho em folha; estava sendo usado pela primeira vez e havia sido um presente de aniversário oferecido por sua generosa mãe. Só então passei a entender o valor afetivo daquela sandália e a profunda tristeza realçada no rosto de Jandira. Aqui aproveito esse momento para deixar um grande abraço à colega Jandira Lucena por termos vivido esse momento histórico, único e inesquecível. Em depoimento do dia 11 de janeiro de 2010, a própria Jandira nos relata sobre o referido fato:
Foi numa sexta-feira da Semana Santa, em Itabaiana-PB (minha terrinha). O GETI – Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana fazia uma apresentação da Paixão de Cristo pelas ruas do centro da cidade, durante a procissão do Senhor Morto, utilizando um caminhão como palco. Eu tinha 17 anos e fazia parte do grupo (fui uma das fundadoras), mas nesse período estava um pouco afastada. Mesmo assim, fui prestigiar o trabalho da turma e acompanhar a procissão.
Quando o caminhão-palco deu aquela paradinha numa das estações da via-crucis, Romualdo, um colega que estava atuando, vendo-me espremida pela multidão, gentilmente convidou-me para subir e até me ajudou a sentar na carroceria. Foi aí que começou o meu martírio... Tragicômico, eu diria.
Nessa procissão tinha muita, mas muita gente mesmo, e todos queriam ver de perto os atores interpretando personagens bíblicos. Então, naquele tumulto, uma das minhas sandálias (novíssimas!) caiu. Quando desci e me baixei para pegá-la, o caminhão deu partida... Céus! De repente, escureceu tudo e fui atropelada e pisoteada pela multidão, parecia até o estouro de uma boiada. Que situação!
Foi horrível, vexatório, mas não deixou de ser engraçado também. Contudo, pior que os hematomas e o constrangimento foi não ter conseguido encontrar a sandália. Não pela perda material, pois ganhei outra igualzinha, mas por tratar-se de um presente antecipado de aniversário que a minha mãe havia me dado naquele dia (ela sempre nos presenteia bem antes da data), e que achei de estrear justo naquela ocasião. Ai, como chorei...
Jandira Correia de Lucena.
(Do livro sobre a história do Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana, escrito por Romualdo Palhano, que deverá ser lançado em 2011)
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Mais lembranças de Marieta Medeiros
Recebi nova mensagem de Sandra Borges, a filha da aluna de Marieta Medeiros que hoje mora em Brasília:
“Fiquei imensamente feliz por ter respondido o meu e-mail e agradeço profundamente a sua atenção. Lamento ter me equivocado com relação ao nome do Colégio São José.
Estamos preparando tudo muito discretamente para que seja uma surpresa, por isso quando perguntei o nome do colégio de Dª Marieta, no qual ela havia estudado, não registrei corretamente.
Quando voltei a mencionar o nome do colégio com ela, ao falar São Pedro, me corrigiu imediatamente.
Seguem duas fotos de minha mãe Dinalva França, atualmente e quando jovem.
O que você faz ao tentar ajudar as pessoas é louvável, quem não compreender isto é porque tem a alma pequena.
Mais uma vez lhe agradeço e ficarei aguardando um retorno dos itabaianenses ansiosamente.
Sandra Borges”
Sobre o tema, recebi ainda correspondência de Rosário Paiva, coincidentemente também de Brasília:
“Caro amigo Mozart:
Moro em Brasília e fico feliz cada vez que recebo seu e-mail, contando coisas da nossa terra. E quem não lembra da Professora Marieta Medeiros? Fui sua aluna e minha mãe professora no Colégio São José. Minha professora foi Madalena de Tenente Bispo. Você lembra dela? Minha mãe - Nicia Henriques de Paiva - organizou uma grande quadrilha junina, para poder construir a sala que seria do jardim da infância. Foi uma festa e tanto no Itabaiana Clube. Saímos da frente do Colégio em carroça de boi toda decorada, a sanfona tocando e a cidade em festa. Hoje minha mãe tem 93 anos e muitas lembranças do Colégio São José. Além da quadrilha, dançamos o pastoril no cinema da cidade, tudo isto para construir a sala do Jardim. Hoje olho para traz e me pergunto se os meus netos terão histórias para contar de um mundo tão feliz e tão rico em sabedoria. Educadora como Marieta Medeiros (com palmatória e tudo, que o digam os meus irmãos), hoje não existe mais.
Parabéns, Mozart, por nos fazer relembrar estes fatos.
Abraço saudoso.
Rosário Paiva”
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
Pirataria em dose dupla
Antes de contar esse episódio, quero declarar que sou a favor da pirataria, que é um ato de rapina justificável por causa do alto preço do produto em lojas. Pessoas de baixa renda que não comprarem o produto pirata não vão comprar o produto original. A música é um valor cultural que pertence à humanidade, mas hoje é alvo de negócio mais do que suspeito das grandes corporações fonográficas. Nunca alguém viu as planilhas de custos da indústria fonográfica, portanto, ninguém sabe o quanto vale realmente um CD. O artista, esse sempre sai perdendo. A “voz do dono” tem uma longa história de exploração do “dono da voz”.
Dito isto, relato um mistério e uma sacanagem. O mistério é: por que não se encontra no mercado “negro” o DVD pirata do filme “Lula, o filho do Brasil”? O filme conta a história do Presidente Luiz Ignácio Lula da Silva. No dia 13 de janeiro, muito antes do lançamento, foram apreendidas as primeiras cópias piratas do filme. Estavam sendo vendidas por camelôs no Rio de Janeiro, ao preço de cinco reais. O produtor do filme, Luiz Carlos Barreto, disse que para evitar a pirataria o DVD seria vendido a preços populares – entre R$ 10 e R$ 12 – e em maio serão distribuídas mais de um milhão de cópias.
Depois dessa apreensão, o filme de Lula sumiu do universo pirata. Duas dúvidas no meu cérebro cheio de teorias da conspiração: será que o sistema federal de segurança (SNI, PF e outros meganhas) não estaria envolvido em uma mega-operação para evitar a pirataria do DVD do chefe? E por que esse DVD vai ser vendido tão barato? Teve um subsidiozinho ou realmente desmascara a grande imoralidade e desfaçatez que é o lucro exorbitante da indústria cultural ligada ao cinema e à música?
Vizinho meu comprou um DVD pirata do filme que conta 35 anos da vida do atual Presidente. Desconfiado, pedi para conferir. Trata-se de um embuste dos piratas: com capa do DVD do filme, vendem ao freguês um documentário de Leon Hirszman chamado “ABC da greve”, de 1979, onde Lula aparece em algumas cenas.
O próprio Lula confessou que viu duas vezes o filme “Os filhos de Francisco” em DVD pirata, a bordo do avião presidencial em uma de suas inúmeras viagens pelo mundo afora. Pergunta de uma jovem compradora do falso DVD: “por que estão vendendo um documentário como sendo o filme ‘Lula, o filho do Brasil’? Será alguma jogada? Alguma estratégia? O documentário é muito bom, me fez entender coisas que não sabia, pois não gosto muito de debater sobre a política”. Vejam que coisa interessante: a moça comprou o DVD para ver o filme bajulatório do Lula e acabou se encantando com um documentário da vida real, dos tempos em que Lula era um líder autêntico, depois adotado por alguns intelectuais de São Paulo, incorporando práticas políticas que todos conhecem.
Mas a pergunta rola: por que não pirateiam o DVD do filme de Lula? Ou ninguém teve coragem de piratear essa droga?
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Tributo a Marieta Medeiros
Nessa de querer ajudar, vivo me metendo em encrenca. Mas esse é um desafio espiritual que carrego, mesmo não sendo religioso. Acho que temos a obrigação de ajudar, considerar e levar os fardos uns dos outros. Nessa comunhão, paguei alguns micos recentemente. Procurei ajudar uns caras cujas famílias me ligaram desagradecendo a lembrança e mandando-me cuidar da minha própria vida. Não me deixaram envergonhado que eu não sou obrigado a sentir vergonha por tentar ajudar as pessoas. Apenas mais esquivo nesse negócio de prestar favor.
No entanto, recebo de Brasília um pedido de obséquio que repasso para meus leitores de Itabaiana. Sandra Borges é filha de Dinalva França, ex-professora do Lyceu Paraibano, dirigiu o grupo folclórico daquela escola e passou a infância em Itabaiana, estudando no Colégio São José, administrado pela professora Marieta Medeiros. Sua mãe Luzia Dantas também foi professora na renomada escola itabaianense, terra que será eterna devedora do seu trabalho educacional.
A professora Dinalva França está prestes a comemorar 80 anos de idade. Sua família prepara alguns projetos que expressem a admiração e respeito por quem dedicou a vida à educação e à família. Precisam de uma foto da professora Marieta Medeiros para ilustrar um documentário a ser produzido, e solicitam da comunidade itabaianense, de quem dispor desse registro fotográfico, para enviar ao endereço: sandrafcborges@yahoo.com.br
Na minha Faculdade dos Vultos Ilustres de Itabaiana, a professora Marieta Medeiros recebeu há tempos o título de doutora honoris causa. Ela é um ícone da educação desta terra. É com prazer que fico sabendo que uma de suas alunas comemora 80 anos de vida e quer inserir em suas lembranças a imagem de dona Marieta, que foi tão importante em sua existência e na vida de toda uma geração de itabaianenses.
Pelo testemunho de uma geração inteira que assistiu o desempenho dessa ilustre mestra, ficamos sabendo da justificável fama de dona Marieta Medeiros e do seu Colégio São José, equivocadamente mencionado como Colégio São Pedro pela minha leitora Sandra, filha da professora Dinalva. Sob todos os aspectos, chega-se à conclusão de que a fama de dona Marieta ultrapassa os limites do nosso território. Em sua escola estudaram vultos como o Ministro Abelardo Jurema. Merece ter nome fixado no rol das personagens imortais de Itabaiana, e para nós é bastante desabonador ver que o velho Colégio São José está em ruínas, sem que os poderes públicos tomem providências para preservar aquele que foi o templo do saber mais ilustre e célebre da nossa história.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Revisitando Antonio Silvino
Marcos Veloso é um sonhador e, no seu caminho sonhoso, surgiu como por encanto outro rapaz carregado de devaneios, meu compadre Jacinto Moreno. Essas duas pessoas idealistas embalam e procuram vender um projeto ambicioso: produzir um filme de curtametragem sobre a vida do famoso cangaceiro Antonio Silvino, especialmente sobre suas andanças por esta região de Itabaiana, Pilar, São José dos Ramos e Mari. Seria um documentário sobre a intimidade do bandido, seu modo de ser, seu estilo. Já estão na batalha fazendo pesquisas nas misturas e contrastes que é a História do Nordeste brasileiro, seus conflitos, suas lutas de classe e os enfrentamentos das oligarquias em meio ao banditismo social.
Se o retrato de Antonio Silvino que estão imaginando vai sair, eu não dou certeza, diante da penosa realidade do realizador de audiovisual, arte trabalhosa e dispendiosa. Saindo o filme, não tenho a convicção de que será um trabalho de qualidade, inovador e com alto grau de excelência, mesmo porque Veloso jamais filmou uma cena sequer, nunca escreveu uma linha de roteiro cinematográfico nem atuou em filmes. Jacinto Moreno faz cinema com paixão que às vezes ofusca a razão. Essa dupla promete, pelo menos, lances emocionantes na busca desesperada de patrocínio para a aventura.
Os atores estão sendo escolhidos. Fui convidado para fazer o papel de um chefe de estação ferroviária, telegrafista da antiga Great Western Railway. Como na vida real fui telegrafista ferroviário, tenho chance de fazer um bom papel, dependendo do cachê oferecido, inicialmente cotado em uma garrafa de “garapa dos anjos”. O grande ator Normando Reis parece que vai ficar mesmo com o papel principal, ele que já está habituado a fazer cangaceiros em peças teatrais, conforme se vê na foto.
Não vejo no projeto nenhuma pretensão em propor uma nova visão do cangaceirismo, muito menos inovar a forma de fazer cinema documentário, de época. É apenas uma ideia que pode vir à luz carregada de originalidade, quando nada, porque a face oculta de Antonio Silvino nunca foi mostrada no cinema; episódios nunca lembrados pela historiografia oficial, dramas que se passam nos recônditos da mente de um homem excepcional; coisas que ficaram na conveniência do silêncio; cenas intimistas que não sei se Jacinto e Marcos terão aptidão suficiente para captar e mostrar de forma técnica e harmônica dentro da subjetividade humana e na forma da linguagem cinematográfica.
O resultado sairá daqui a um ano, ou nunca. Com a sua deliciosa sede de cinema, Jacinto Moreno não é cabra de desanimar fácil. Seu companheiro de aventura, Marcos Veloso, deve ir a reboque do entusiasmo de Jacinto. Veloso é conhecido por desistir fácil de projetos. Perseverança não é seu forte, mas acredito que escarafunchando a vida de Antonio Silvino, o compadre Veloso toma gosto, pega o pique e calça as botinas do cangaço cultural, saindo em busca maluca por caminhos cheios de armadilhas, atrás de miragens que, quanto mais longe estão, mais fascinantes nos parecem.
Visitar o lado humano de uma fera como Antonio Silvino é uma boa ideia. Abaixo, trecho do roteiro que está sendo construído:
ANTONIO SILVINO
Pois é, seu Alfredo, pode ir cortando esse negócio aí e me dê as chaves que eu quero dar voltas nesse lugar Araçá.
APRESENTADOR
Esse Alfredo aí era o Tabelião Alfredo Cordeiro de Barros, casado com Pia de Luna Freire e pai do escritor Eudes Barros. Ele era telegrafista da agência do Telégrafo Nacional.
SEU ALFREDO
Seu Antonio Silvino, não precisa levar a chave, eu prometo que vou obede¬cer ao senhor e não vou telefonar pra ninguém.
ANTONIO SILVINO
Seu Alfredo, na minha profissão eu aprendi a não confiar em homem nenhum. O senhor pode confiar em mim, mas não posso confiar em ninguém. Portanto, me dê essa chave e se arretire para sua casa.
SEU ALFREDO
O senhor é que manda. (SAI)
ANTONIO SILVINO
Biu, vá chamar seu João de Luna Freire, chefe da Estação. Diga a ele que Antonio Silvino tá na vila, e fui informado que ele é um senhor de caráter, cidadão de bem e incapaz de fazer uma cilada. Diga a ele também que eu vim em paz, e leve meu rifle como prova da minha confiança. Entregue a ele.
(ATRIZES 1 E 2 PÕEM A MESA E PRATOS COM COMIDA. ENTRA JOÃO DE LUNA FREIRE)
ANTONIO SILVINO
Não tenha sombroso, menina! Esse aqui é Antonio Silvino, cabra respeitador de donzela. (EXAMINA A COMIDA)
JOÃO DE LUNA FREIRE
Bons dias, capitão Antonio Silvino. Meu nome é João de Luna Freire, seu criado... Vim devolver o seu rifle. Por sinal ele tá descarregado.
ANTONIO SILVINO
(MULHERES SAEM) Bons dias. Vosmecê já comeu isso?
JOÃO DE LUNA FREIRE
Já comi de tudo. O senhor pode ficar descansado.
ANTONIO SILVINO
Então vamos comer logo. Minha gente pode ficar preocupada com a minha demora.
BIU
(SENTANDO-SE) Agora falou bonito. Vou tirar a barriga da miséria!
ANTONIO SILVINO
(ENQUANTO COME) Seu Luna Freire, eu vim fazer algumas compras em Araçá.
LUNA FREIRE
O senhor talvez até fique decepcionado com nosso comércio. É pequeno, não tem muito sortimento...
ANTONIO SILVINO
O que eu quero tem aqui. (PARA CANGACEIRO) O que foi que Zé Preá pediu?
CANGACEIRO
Que o senhor comprasse um currumboque pra fumo com tampa de chifre e dois garajus de rapadura. Sim, e 10 litros de cachaça.
ANTONIO SILVINO
Eu tou precisando também de um chapéu de massa. Daquele Ramenzoni, é fácil?
LUNA FREIRE
Né difícil, não. Na rua principal tem a loja de seu Zé Cristo. Pra o senhor não ter o trabalho, eu posso mandar ele vir aqui com o sortimento de chapéu. O senhor escolhe.
ANTONIO SILVINO
Faça o favor.
LUNA FREIRE
Com sua licença. (SAI)
CANGACEIRO
Capitão, esse povo é de confiança?
ANTONIO SILVINO
Se aperreie não, Biu. Eu conheço gente mofina. Esse é um povo bom. E daqui a gente só sai deixando boa impressão. Nada de beber cachaça e não pagar, molestar filha alheia ou procurar briga. Só atire pra se defender.
CANGACEIRO
Inhô sim. (TEMPO)
LUNA FREIRE
Esse aqui é seu Zé Cristo. (ENTRANDO COM ZÉ CRISTO)
ANTONIO SILVINO
Como vai o senhor, cadê os chapéus?
ZÉ CRISTO
Seu João falou que o senhor queria um chapéu bom e o melhor que eu tenho é esse.
ANTONIO SILVINO
(EXAMINANDO) Esse serve, mas qual é o preço?
ZÉ CRISTO
O preço pra vender é vinte mil réis.
ANTONIO SILVINO
Vinte mil réis? Nem se fosse banhado a ouro.
ZÉ CRISTO
(TOMANDO O CHAPÉU) Apôis dê pra cá que esse é o preço de custo.
LUNA FREIRE
(TENTANDO CONTORNAR A SITUAÇÃO) Não leve em consideração não, Capitão An-tonio Silvino. Seu Zé Cristo é um homem bom, simples, sem maldade. É que ele não tem experiência pra tratar com cavalheiros finos como o senhor. Coisa de matuto.
ANTONIO SILVINO
Mas o chapéu tá caro. O senhor não faz um abatimento?
ZÉ CRISTO
Eu não posso não, seu Capitão. Eu tou vendendo pelo preço da fatura.
CANGACEIRO
Eu sangro ele, Capitão?
ANTONIO SILVINO
Se arretire, Biu. Saia cabra! Seu Zé Cristo, eu não sou homem de aceitar imposição. Mas como eu disse ao cidadão aí que minha visita era de paz, eu vou levar o chapéu. Mas que tá caro, isso tá! (SAI)
domingo, 21 de fevereiro de 2010
EMIR NUNES
Recebi carta de um itabaianense de minha geração, cujo conteúdo repasso aos meus raríssimos leitores:
Caro Fábio Mozart:
Muito me sensibiliza a sua missão de cantar e contar os feitos dos filhos de nossa querida Itabaiana. Como você, não sou filho deste querido torrão, mas me considero como dela sendo. Aí cheguei aos meus nove anos de idade, daí só saindo para vir estudar aqui em João Pessoa. Corria o ano de 1969. Meus pais ainda por mais uns dois anos ficaram, mas voltei a esta terra para iniciar minha vida pública de professor do ensino médio nos idos de 1974 para lecionar na Escola Estadual de 1º e 2º Graus Doutor Antonio Batista Santiago, pelas mãos de seu Diretor, meu grande amigo Emir Nunes, caboclo que naquela época sonhava Itabaiana tornar-se um celeiro e exemplo de cultura nativa. Cultura do homem da terra para o povo da terra e para o mundo. Para esta grande figura humana minhas homenagens!
Como você, este nosso colega promoveu sem nenhum recurso dos cofres públicos a 1ª Semana de Arte de Itabaiana. Se não me falha a memória, em setembro do ano de 1967. A equipe organizadora do evento era pequena: Emir, eu, Francisco Almeida e Olivinho. Os dois últimos de nossa saudosa memória. Trouxemos para Itabaiana a nata da cultura paraibana: artistas plásticos primitivos, abstratos e de tantas outras tendências da época; grupo de teatro a exemplo do de Areia, então dirigido pelo Doutor Juiz da cidade natal de Pedro Américo e sua esposa, além de poetas de vanguarda da época. No ano seguinte realizamos um evento mais local, com os filhos da terra, por incentivo do nosso Emir Nunes. Neste evento foram mostrados vários trabalhos, a exemplo dos de Margareth do Cartório, Célia Popó, Gláucia e Olivinho. Passaram-se os anos e em 1974, através de meu magistério, por incentivo do nosso Emir, criamos o 1º Grupo Teatral Experimental da Escola Doutor Antonio Santiago, formado por Palhano, David e tantos outros que, resumidamente, consistia em o ator entrar em cena e lá criar o seu próprio texto. Nesse momento, é que me falha a memória se você fez parte deste grupo, haja vista que no ano seguinte, por motivos pessoais, precisei me transferi para exercer o meu magistério em Santa Rita. São estas façanhas acerca do Emir Nunes, economista por formação, e educador por vocação que precisam ser lembradas e talvez, através de sua caneta, melhor contadas.
José Lusmá (Poty)
FOTO – Emir Nunes e o mestre Zaia, artista plástico
Tumulto no teatrinho
Na foto, uma das montagens da peça "Trupizupe, o raio da celebrina"
Colhidos pela insensatez, dois camaradas botaram na cabeça mole a ideia de montar um teatro de bolso numa cidade carente de cultura, mas sem nenhuma estrutura pública ou privada para segurar um empreendimento desse tipo. A cidade é Itabaiana e os dois manés somos eu e Marcos Veloso, que morava na Rua da Merda (Meira de Vasconcelos) e ali alugou uma garagem para ser nosso teatro. Sabendo-se que “merda” no vocabulário dos teatristas significa boa sorte, inaugurar um teatro na Rua da Merda é juntar o Tomé com o Bebé, como se dizia antigamente. E foi sentindo nas ventas o cheiro de merda como um feromônio excitante que inauguramos o Teatro Nautília Mendonça com o espetáculo “Dois perdidos numa noite suja”, de autoria de outro sujeito imprudente, o palhaço Plínio Marcos. A peça, estrelada por Fábio Mozart e Normando Reis, foi um grande insucesso de público e crítica.
Isso já faz mais de 30 anos. Eu lembro que nosso último espetáculo foi realizado numa segunda-feira. A peça de Plínio foi um fracasso, daí resolvemos motivar nosso público arredio com alguma coisa que levasse o selo de um artista famoso. Deu-se que na vizinha cidade de Timbaúba, um grupo amador estava levando “Trupizupe, o raio da celebrina”, sensacional texto regional de Bráulio Tavares. Contratada a trupe, anunciamos a peça com a informação de ter sido o espetáculo que lançou a cantora Elba Ramalho, então no auge da fama.
A História jamais acontece às segundas-feiras, conforme o entendimento do cronista e dramaturgo Marcos Tavares. Só que este dia é véspera da grande feira livre de Itabaiana, quando a cidade recebe muitos visitantes dos lugarejos vizinhos. Foi a data propícia para a apresentação do Trupizupe, anunciado no carro de som e na difusora.
A Rua da Merda cheirava a espetáculo. Uma grande quantidade de seres inconscientes, roceiros que queriam ver Elba Ramalho por um preço camarada. Teatro lotado, iniciada a função, a platéia começou a protestar devido à ausência da cantriz. Marcos Veloso tentou esclarecer o equívoco, que não foi anunciada a apresentação de Elba, mas o tumulto estava formado. Diante da manifestação ruidosa, enérgica e raivosa daqueles rústicos espectadores, Veloso sentiu o suor escorrer pelas costas, seguindo o curso natural do medo. O teatrinho não tinha portas de fundo. Um alçapão para pegar os ratos enganadores da fé popular.
O poeta já disse que “são tantos os perigos naturais dessa vida...” Não sei quanto tempo durou o tumulto. Toda lembrança é intemporal. O que sei é que todas as nossas cadeiras foram quebradas, os panos das bambolinas rasgados, o tablado destruído e refletores espatifados. Voltamos à estaca zero. O irremediável caminho de volta é o mais desconhecido de todos os caminhos. Desgostoso, Marcos Veloso foi embora de Itabaiana. Eu fui transferido para Mari alguns anos depois. Do teatrinho só restaram essas lembranças. “Sonho de uma noite de verão”, ou de uma segunda-feira desventurada.
Pedro Calderón de La Barca, autor espanhol, escreveu uma peça chamada “A vida é sonho”, onde o sentido dramático é que tudo é efêmero e vão, o tempo é fugaz e nada perdura. É a mais pura e cristalina verdade.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
Malungos e mestres griôs
Malungo significa companheiro, parceiro, camarada. Ou seja, é uma pessoa que participa das mesmas atividades, destinos ou amizades. Leitor que assina Romildo enviou mensagem para o blog Itabaiana Hoje, dizendo-se da geração de Fábio Mozart, Sanderli, Jacinto, Norberto, Aguinaldo e tantos outros. Deve ser um malungo que fugiu da minha memória senil, da época de ouro itabaianense.
Esse malungo diz que é grato pela minha “grande contribuição à cultura de Itabaiana”, pelo que agradeço a deferência, mas quem realmente concorreu para a riqueza cultural desta terra foi, por exemplo, o velho Chico do Doce, pobre de bens deste mundo, mas rico de alegria e arte simples como seu povo. Chico do Doce do babau e do pastoril celebrou o universo da sua terra com a satisfação e o júbilo dos puros. Merece as homenagens desta geração.
Malungos da Paraíba e do Brasil estão pensando em gente como Chico do Doce, pessoas que eles chamam de Mestres Griôs, que transmitem os saberes e fazeres da tradição oral. Esses mestres geralmente são pessoas simples, pobres, muitas vezes necessitadas de recursos para sua sobrevivência. Para isso foi planejado um Programa Nacional Griô, para instituir uma política de diálogo entre esses mestres e a educação formal nas escolas, “para o fortalecimento da identidade e ancestralidade do povo brasileiro por meio do reconhecimento político, econômico e sócio-cultural dos griôs, mestres e mestras da tradição oral”.
O Ponto de Cultura Cantiga de Ninar está empenhado nessa campanha de valorização da cultura popular e tradicional. Rola uma proposta de projeto de lei de iniciativa popular a ser apresentado no Congresso Nacional, instituindo essa política de reconhecimento dos mestres griôs. Para que isso se concretize, precisamos de alguns milhões de assinaturas de brasileiros de todos os estados. No Ponto de Cultura Cantiga de Ninar estamos disponibilizando esse abaixo-assinado do projeto de lei criando o Programa Nacional Griô.
É o mínimo que podemos fazer em memória de grandes mestres griôs de Itabaiana, a exemplo de Mala Velha, Arlinda Cirandeira, Biu da Rabeca, Mocó, Pabulagem do Coco de Roda e tantos outros artistas populares da velha Itabaiana. Para garantir que os sobreviventes possam ser reconhecidos e receber recursos para sua sobrevivência, através de bolsas de incentivo concedidas pelo Governo.
Menina chorona
Gostava de chorar desde o berço. Nasceu chorando como todo mundo, pegou gosto e não parou mais o berreiro. Chorava por tudo, e por nada. Mirradinha, doente, parece que todas as suas forças eram direcionadas para o esforço de chorar. No seu passado nostálgico, as lembranças são sempre de prantos, às vezes forçados. Menininha chorona, soluçando chamava a atenção. As lágrimas eram sua linguagem particular, aflorando aos olhos por qualquer motivo, até mesmo sem motivo algum.
No seu livro “Memórias – antes que me esqueça”, José Américo de Almeida conta que foi também um menino chorão. “Desde os cueiros, o choro foi meu gênio, minha força de opinião, meu grande argumento”. Vendo-se contrariado, abria a boca no mundo. Às vezes faltavam lágrimas, mas “não entregava os pontos, rasgando a garganta, rouco e exausto”. Se levava palmadas, aí que o choro aumentava, até perder a voz.
José Américo acreditava que o choro é “um remédio infalível, dado por Deus ao gênero humano, aos próprios homens de ferro como Napoleão, Cromwell, Clemanceau, para que derramassem lágrimas com a mesma coragem com que derramavam sangue”. O escritor confessava que só não chorou de alegria “para não estragar meus melhores instantes”.
Hoje a menina, antes chorona, verte suas lágrimas silenciosas e ocultas, nas tristezas profundas, nos desgostos. Mas com dignidade e beleza. E espontaneidade. Uma característica é marcante nos dois chorões: tanto a antiga menininha choradeira quanto o escritor de Areia forjaram personalidades fortes, de vontades firmes, qualidade essencial das pessoas que muito choraram na infância.
O choro é o prelúdio de força de caráter. Meninos bonzinhos e quietinhos, quando adultos são predispostos à subserviência, obedientes e servis. Não servem para liderar, nem para conceber ideias originais, fora dos padrões estabelecidos. Mesmo tímida, a outrora menina chorona é adepta de inovações culturais e artísticas, não se curva diante de nenhum opressor, “liberdade é seu time”, conforme cantou o poeta popular.
Chorando a menininha se abastecia com a matéria-prima emocional que a tornou não influenciável, afetuosa e obediente só a regras de cunho interior. Firmeza e constância que a fez uma pessoa iluminada. De modo que crianças birrentas em excesso, olho nelas. Esses infantes podem ser futuros indivíduos muito especiais. Ou não...
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Zé da Luz injuriado
Os anais da Câmara Municipal de Itabaiana registram que o vereador Ubiratan apresentou projeto de lei denominando de Praça Poeta Zé da Luz o local onde se encontra exposto o busto do poeta, localizado na Rua Marieta Medeiros. O vereador Dedé Tavares disse que não concordava com o projeto, porque seria retirar a homenagem à dona Marieta para colocar outro nome. Na réplica, Ubiratan informou que “o nobre colega não entendeu o sentido do projeto, porque não se retirava o nome da professora Marieta Medeiros da rua e sim dava nome de Zé da Luz à pracinha localizada naquela artéria”. “Mesmo assim, voto contra esse projeto”, respondeu Dedé Tavares.
O busto foi uma iniciativa da Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba quando se festejava o centenário de Zé da Luz em dezembro de 2004. A obra foi assinada pelo artista plástico Mestre Zaia. A cerimônia de entrega do monumento à cidade foi prestigiada pelo poeta Ronaldo Cunha Lima e membros do Conselho Estadual de Cultura. O escritor Amaury Vasconcelos, da Academia Campinense de Letras, grande cultor do poeta de Itabaiana e já falecido, descerrou a placa em sua homenagem.
A ideia do espaço físico e da configuração da obra foi do poeta Jessier Quirino. Todos os custos foram assumidos pela comunidade itabaianense, sem que se gastasse um centavo de dinheiro público.
Penso que, às voltas com as rivalidades políticas provincianas, o vereador Dedé Tavares acabou dando uma demonstração de incivilidade. Também mostrou que não conhece sua cidade, pois se tivesse consciência de nossa realidade urbana, saberia que já existe uma rua com o nome de Zé da Luz, no Conjunto Costa e Silva, e a lei não permite duplicidade de denominação para as artérias do município.
Talvez por isso é que as coisas não caminham por aqui. Um amigo comum cunhou frase arretada: “Na Câmara deveria ser aprovada uma lei com o seguinte teor: em caráter de urgência, ficam banidas do recinto desta Casa a falta de discernimento e a estupidez, revogando-se as disposições em contrário”. Eu não diria estupidez, e sim descortesia. Quando se nega uma homenagem a um vulto do porte de Zé da Luz, não se sabe amar seu povo e sua História. “Jamais será esquecido por Itabaiana o passarinho que voou do vale do Paraíba, cantou sua terra para o Brasil e morreu nas plagas cariocas, depois de ver a terra cair no chão, deixando no seu torrão pátrio as cacimbinhas com água de gosto diferente”.
Ilustre vereador Dedé Tavares, que deve ser da eminente família dos Tavares, você sabe que Zé da Luz contempla ainda hoje sua Itabaiana, do céu dos poetas onde se encontra. A terra que Deus lhe deu por berço e o destino lhe negou para o túmulo. Eu completaria: e o vereador lhe negou uma simples homenagem. O poeta entende, porém, a mente limitada dos seus conterrâneos nos dias de hoje, e perdoa.
Fica na consciência da comunidade uma ponta de constrangimento, de ver que um dos seus representantes negou uma moção de homenagem ao maior de nossos poetas. Encontram tempo e razão para discutir e aprovar tantas bobagens, no entanto compactuam com a ideia de que, votando em proposição de partido adversário, estarão traindo seus chefetes políticos, mesmo que seja um projeto com nobres intenções.
O busto foi uma iniciativa da Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba quando se festejava o centenário de Zé da Luz em dezembro de 2004. A obra foi assinada pelo artista plástico Mestre Zaia. A cerimônia de entrega do monumento à cidade foi prestigiada pelo poeta Ronaldo Cunha Lima e membros do Conselho Estadual de Cultura. O escritor Amaury Vasconcelos, da Academia Campinense de Letras, grande cultor do poeta de Itabaiana e já falecido, descerrou a placa em sua homenagem.
A ideia do espaço físico e da configuração da obra foi do poeta Jessier Quirino. Todos os custos foram assumidos pela comunidade itabaianense, sem que se gastasse um centavo de dinheiro público.
Penso que, às voltas com as rivalidades políticas provincianas, o vereador Dedé Tavares acabou dando uma demonstração de incivilidade. Também mostrou que não conhece sua cidade, pois se tivesse consciência de nossa realidade urbana, saberia que já existe uma rua com o nome de Zé da Luz, no Conjunto Costa e Silva, e a lei não permite duplicidade de denominação para as artérias do município.
Talvez por isso é que as coisas não caminham por aqui. Um amigo comum cunhou frase arretada: “Na Câmara deveria ser aprovada uma lei com o seguinte teor: em caráter de urgência, ficam banidas do recinto desta Casa a falta de discernimento e a estupidez, revogando-se as disposições em contrário”. Eu não diria estupidez, e sim descortesia. Quando se nega uma homenagem a um vulto do porte de Zé da Luz, não se sabe amar seu povo e sua História. “Jamais será esquecido por Itabaiana o passarinho que voou do vale do Paraíba, cantou sua terra para o Brasil e morreu nas plagas cariocas, depois de ver a terra cair no chão, deixando no seu torrão pátrio as cacimbinhas com água de gosto diferente”.
Ilustre vereador Dedé Tavares, que deve ser da eminente família dos Tavares, você sabe que Zé da Luz contempla ainda hoje sua Itabaiana, do céu dos poetas onde se encontra. A terra que Deus lhe deu por berço e o destino lhe negou para o túmulo. Eu completaria: e o vereador lhe negou uma simples homenagem. O poeta entende, porém, a mente limitada dos seus conterrâneos nos dias de hoje, e perdoa.
Fica na consciência da comunidade uma ponta de constrangimento, de ver que um dos seus representantes negou uma moção de homenagem ao maior de nossos poetas. Encontram tempo e razão para discutir e aprovar tantas bobagens, no entanto compactuam com a ideia de que, votando em proposição de partido adversário, estarão traindo seus chefetes políticos, mesmo que seja um projeto com nobres intenções.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
Três, sem tirar de dentro
A cantora baiana Daniela Mercury disse em entrevista na TV que no carnaval fazia sexo três vezes por dia. Com mais de 50 anos de idade, Daniela mostra que está no fio. Meu compadre José Virgulino, sujeito experiente nessas coisas de alcova, analisa a fala da moça e conclui que: mesmo um cabra novo não aguenta esse rojão, configurando-se, portanto, promiscuidade da cantora; mulher nenhuma, normal, seria capaz de gozar tantas vezes num dia, o que significa que ela simplesmente abre o compasso e deixa entrar o bloco, enquanto fica pensando na folia; pulando em trio elétrico na quentura da Bahia, “é duvidoso que tenha condições físicas de fazer o que diz”. Três relações por dia, nos sete dias de carnaval, dão 21 atos sexuais.
Virgulino termina por censurar a confissão pública da cantora, “que é uma artista de massa e isso não é um bom exemplo para a juventude”.
Metendo (epa!) minha colher nesse angu, acho que Daniela Mercury incentiva a prática da mais vital atividade física humana. Faz bem para a saúde, incluindo a mental. Se todo mundo tratasse de fazer seu sexozinho todo dia, o mundo seria bem melhor. Sexo mantém a beleza da mulher. Quer medicamento mais saudável e gostoso do que esse?
Até os compadres da terceira idade sabem que sexo é beleza para o coração, e sem ereção pode ser feito com paixão e emoção, criatividade e tesão. Pra ficar na rima fácil.
Um camarada que parece não gostar muito da fruta andou espalhando que sexo pode acabar com a próstata do homem e machucar muito a mulher por dentro. Na qualidade de consultor sexual, devo dizer que isso é lenda, criada por quem não gosta do ato e fica fazendo corpo mole (epa!). Incentivar a prática sexual, acho que é legal. Trágico seria se Daniela confessasse que passava o carnaval à base de narcóticos ou outras drogas mais em moda. Adrenalina por via sexual é o bicho, não faz mal e dá disposição ao atleta. Jogadores de futebol da seleção da Itália são liberados para fazer sexo na noite anterior às partidas.
Um tal de Adolfo Hitler tinha problemas de ereção e traumas sexuais. Mandou tocar fogo no mundo para relaxar, por falta de uma trepadinha. O Rei Luiz XIII casou-se com a infanta Ana D’Áustria, os dois com apenas 14 anos. Depois da cerimônia, foram para a alcova com um médico, um marquês, roupeiros, o camareiro levando a espada do Rei e duas amas para servirem de testemunhas. Diante dessa platéia, o jovem noivo deu uma brochada tão espetacular que nunca mais se recuperou do trauma. Em compensação, passou a usar sua espada, a de aço, para infernizar a vida dos súditos.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
O carnaval de Geraldo Caranguejo
Neste carnaval, vai uma postagem de 2009, enquanto rola o frevo:
No clima carnavalesco, desentranho memórias de antigos carnavais itabaianenses. Era um quarteto formado por Fábio Mozart, Geraldo Caranguejo, Sanderli, Roberto Palhano e Joacir Avelino, integrantes da jocosa comédia humana que é o tal do tríduo momesco, no tempo em que carnaval era galhofa, birita e alegria mais ou menos inocente, diferente de hoje quando essa festa transformou-se em esquemas mercenários dominados por grotescos bandos de jovens vestidos com um tal de abadá e correndo atrás de trios elétricos martelando músicas infames como trilhas de máquinas de fazer dinheiro. Acho o carnaval hoje uma coisa idiota.
Mas os meus carnavais de antanho (que palavra!) eram carnavais! Lembro que não se tinha fantasia, então recorríamos ao guarda-roupa do Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana (GETI). Um ano saímos eu de cangaceiro, Sanderli vestido de diabo, Joacir com roupa de bobo da corte e Geraldo Caranguejo vestido com uma batina de padre.
Breve parêntese para as apresentações: Roberto Palhano ainda toma “pau dentro” na barraca de Zezão, no Geisel, Sanderli hoje é crente de Jesus, Joacir paga seus pecados correndo atrás de bandidos no sertão de Alagoas, eu continuo anarquista e Geraldo Caranguejo é o que sempre foi: um cara arretado, maravilhoso ser humano que veio ao mundo para se divertir e alegrar os semelhantes. Geraldo já era o próprio carnaval nos dias comuns, imagine! Espirituoso, teatral, piadista, nunca se viu o cara com raiva ou triste. Era a encarnação do riso popular, alegre e festivo, malicioso e ingênuo. Geraldo realizava sempre o milagre de mostrar o que realmente somos: ridículos coletivos. A humanidade é um bando de palhaços que querem ser levados a sério. Geraldo apontava o dedo e dizia: o rei está nu!
Eu disse era, mas corrijo: ele ainda é tudo o que eu afirmei, pois continua vivo. Deixou de beber por causa do fígado um tanto avariado, mas a verve continua a mesma. Sua rica e comunicativa passagem por nossas vidas se deu porque foi meu camarada de trabalho na rede ferroviária e parceiro em muitas noitadas de cantoria de viola na beira da linha nas vésperas da feira de Itabaiana e em muitos carnavais.
Nesse carnaval em que saiu de padre, Geraldo resolveu visitar as putas dos cabarés da Rua Treze de Maio, o famoso Carretel. Chegou abençoando as meninas. Terminava dizendo: “que Deus a tenha e o diabo a carregue”... Rezava uma reza doida, rimando fé com Maomé e aleluia com farinha na cuia. As meninas, matutinhas ingênuas, pensavam que o cara era mesmo padre. Na quarta-feira de cinzas, chegou na igreja um grupo de raparigas procurando um tal de Padre Geraldo Caranguejo, que inventou um jeito novo de comungar, substituindo a hóstia por tira-gosto de caju e o vinho por cachaça “Pitu”. Dizia que era a adaptação cultural da religião conforme os costumes nordestinos.
Só uma vez testemunhei Geraldo chorando. Foi num carnaval. Fim de festa, dia amanhecendo, todos sujos de talco, graxa e lama, lisos e entrando naquele túnel terrível que anuncia a depressão da ressaca. Um mendigo pedia esmolas na calçada da igreja. Geraldo parou e colocou seu chapeuzinho de bobo de uma corte sem rei na cabeça do velhinho, que sorriu com sua boca sem dentes, agradecendo. O antes alegre folião Geraldo Caranguejo parou um instante diante do velho e começou a chorar, muito digno.
domingo, 14 de fevereiro de 2010
Nós no bloco dos sujos
“A maioria do povo brasileiro é farinha do mesmo saco de seus políticos corruptos. Seus legítimos representantes jamais poderiam deixar de sê-lo, por uma simples questão de causa e efeito. Quando será que o povo brasileiro vai acordar e reconhecer sua culpa neste cartório? Trata-se de um processo histórico de corrupção profundamente encravado no caráter do povo brasileiro. E quem confirmava isto, há um século atrás, era Rui Barbosa”. Assim meu considerado compadre Heitor Reis, engenheiro das Minas Gerais e provocador profissional, se expressa a respeito do escândalo do Governador de Brasília, aquele Arruda dos panetones imorais.
Conheço um compadre que é o típico brasileiro padrão classe média baixa. Casado, pai amoroso de dois filhos, bom vizinho e amigo, cordato, simples, trabalhador e solidário. Revelou um ato censurável com a maior tranquilidade: rouba pipocas, iogurte e frutas do supermercado onde faz compras. E fez um “gato” para fraudar a conta da energia que consome. Não sei se tem a ver, mas lembrei de uma frase de Pena Branca, famoso repórter policial carioca: “O lírio é branco, mas a raiz deve ser preta porque fica na lama”. Descontando o racismo subliminar, acho que tem a ver.
O cara que pisou na terra que nos come e pode dizer que nunca cometeu um deslize é raro como uma ariranha azul albina. Mas o caso do brasileiro é que somos insinceros e torpes no dia-a-dia. Furar fila, dar “toco” ao guarda, dar uma de “Migué” ao receber troco a mais, roubar no peso, declarar valor menor da casa para pagar IPTU mais barato são pecadinhos que parecem irrelevantes. Mas “quem não é fiel no pouco, também não o é no muito”.
Portanto, na hora de esbravejar contra aquele político ladrão, meu compadre e minha comadre façam uma reflexão sobre seu próprio comportamento. Quem não já foi mentiroso, hipócrita, egoísta, sem caráter e sem escrúpulos em algumas situações do cotidiano? Mas veja bem: não digo isso para justificar a corrupção dos gestores públicos e políticos em geral. Não tenho a menor autoridade para julgar quem quer que seja, mas devemos ser humildes o suficiente para aceitar que o brasileiro é, em sua maioria, falho no quesito probidade.
Amiga minha comprou uma casa e descobriu o famoso “gato” da energia. Chamou o antigo proprietário para mandar desligar a instalação irregular. Quem aparece para fazer o serviço? Um funcionário da empresa fornecedora, especialista em armar esse tipo de dispositivo para furtar eletricidade. Surpreso, o funcionário confessou que nunca havia sido chamado para desligar uma gambiarra ilegal, e revelou que o “gato” era banal nas mansões de ricaços moradores da orla marítima.
O panetone do Arruda é pão frequente na mesa do brasileiro. Com a diferença de que, nos porões do poder, a coisa acontece em escala muitíssimo maior. Aqui temos uma só política: a do interesse individual. De forma que o bloco dos sujos cada vez aumenta mais, semelhante ao cordão dos puxa-sacos.
www.fabiomozart.com
sábado, 13 de fevereiro de 2010
Um “causo” das Arábias (2)
De forma que a cidade finalmente encontrou uma razão para ter orgulho e sonhar. O caso do extinto que tornou a viver já entrava na esfera das doutrinas e rituais, mexendo com as posições filosóficas e metafísicas. Graves doutores se abalaram para ver de perto o cristão que contemplou Deus e voltou para ser o mensageiro de essenciais e determinantes novas para o futuro da humanidade.
Falsos nacionalistas rondavam o cercado de bois do fazendeiro Adolfo Barbosa, especulando para vender os preciosos campos petrolíferos aos gringos de olhos grandes. Verdadeiros nacionalistas formaram grupos de defesa do petróleo de Itabaiana, aquele que nem precisava apurar para retirar as impurezas, minava pronto dos depósitos subterrâneos jorrando no meio das ruas esburacadas. Era um tesouro suave e essencialmente puro.
Ser itabaianense é um ato de fé, conforme exclamava o prefeito Josué Dias, irmão do sanfoneiro Sivuca. O músico foi chamado às pressas dos Estados Unidos onde se encontrava tocando suas complexas harmonias casadas com os elementos mais simples daquele viver itabaianense. Era necessário um sujeito de porte internacional para mediar os acordos de exploração do nosso petróleo. Como Sivuca só entendia de acordes, ficou por lá mesmo.
Assim Itabaiana viveu sua aventura, sonhou com imensa prosperidade, se agigantaria no futuro, graças a seus recursos naturais: petróleo, terras para plantar e até sol, isto é, energia. Por outro lado, Galo Assado já estava sendo alçado à condição de profeta, mesmo com seus modos ignorantes e indelicados, já impaciente com esse negócio de dar entrevistas e dar a mão para o beijo dos devotos. O “profeta” Gentileza se dizia “amansador dos burros homens da cidade que não tinham esclarecimento”. Galo Assado dava até coice de tão mal educado, mas sem malícia, um santo inofensivo que só sabia vender pão e tomar aguardente.
Durou apenas um dia esse delírio. Descobriu-se que o “petróleo” era gasolina vazando de tanque de combustível do posto para os lençóis fleáticos. Galo Assado teve seu mistério desvendado por doutor Tancredo Mariz, experiente médico da localidade. Tratava-se de um caso de catalepsia. O distúrbio impede o doente de se movimentar. Problemas neurológicos ou emocionais que podem durar de minutos a dias.
A cidade voltou à normalidade. Ficou no ar durante algum tempo aquele desalento, um estado de melancolia de quem se imaginou em grande fausto e acordou na mais humilhante penúria. À noite, não havia uma alma na Rua do Carretel. Sem ânimo, as meretrizes fecharam as pensões. A cidade ficou cercada de solidão por todos os lados. O local mais ermo era a Rua da Facada, nas imediações do sítio de Adolfo Barbosa.
– O petróleo foi nosso e o perdemos, se é que alguém tem algo ou algo pode ser perdido – lastimava filosoficamente o professor Israel Elídio de Carvalho Filho, um socialista renomado.
Meses depois veio a noite, escureceu. Galo Assado morreu de verdade, descansando quieto e esquecido no cemitério. O Exército decretou a ditadura, expulsaram o prefeito Josué, Israel foi preso sob acusação de pertencer a um certo Grupo dos Onze. Itabaiana que acreditou plenamente em sua redenção, caiu aos golpes da “redentora”. O tempo fluiu águas abaixo.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Um “causo” das Arábias (1)
Itabaiana é minha Macondo. Quem quiser saber o que é Macondo, dê-me o prazer de ler o romance “Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Marques.
Ouvi essa história de Marcos Veloso, antigo morador da Rua da Palha. Deu-se em meio a uma das cíclicas crises do petróleo, meados da década de 60. O dia ia nascendo de má vontade, com nuvens ameaçando chuva na terra esturricada do começo de fevereiro. Logo cedo, dona do Carmo saiu para pegar água no poço do fazendeiro Adolfo Barbosa. Não querendo arremedar as mulheres que equilibravam seus potes na cabeça, dona do Carmo sustentava o peso de duas latas de querosene “Jacaré” em cada ponta de um pau com arames, o “galão”, tão feminino quanto uma cueca “samba canção”. Chegou ao poço, encheu as latas e voltou para acender o fogo do cuscuz. Em casa, notou manchas de óleo na água antes pura. Da vasilha emanava um odor parecido com destilado do petróleo.
A obtusidade dos moradores da Rua da Palha começou a especular sobre aquele fato surpreendente. “Tem petróleo no poço de seu Adolfo”, gritavam os moleques descendo a rua íngreme. Walter Florêncio, locutor oficial da difusora Nazaré e também morador da Rua da Palha, saía para o trabalho fumando seu cigarrinho “Gaivota”, inteirou-se dos fatos e já foi pensando em como ia dar a notícia no ”Informativo Nazaré”, o programa noticioso da difusora.
A cidade inteira ficou sabendo da nova, mesmo antes da difusora Nazaré transmitir a notícia em edição especial. Na entrada da Rua da Facada, onde fica a fazenda de Adolfo Barbosa, pequena multidão tentava entrar no cercado para ver o fenômeno de perto. Vaqueiros armados de espingarda ameaçavam os mais afoitos. Ivo Severo, dono da Difusora Nazaré, queria ser reconhecido como homem da imprensa, com direito a examinar o caso de perto. Seus apelos para que fosse respeitada a liberdade de imprensa não foram atendidos pelos seguranças. Ali só entraria o proprietário, quando chegasse de João Pessoa. Até as vacas foram deslocadas para outros cercados. Deixaram Zé Granfino entrar, quando souberam que era dono do único posto de gasolina da cidade e, portanto, indivíduo com habilidade e autoridade suficiente para investigar o caso. Foi dada a opinião: era petróleo legítimo, e já refinado.
Em outra parte da cidade, ocorria outro fenômeno. Morreu Galo Assado, de apoplexia. Era o rapaz que vendia o pão matinal em balaio suspeito. Defunto do dia anterior, seu passamento foi devidamente anunciado por Bebé Chorão na difusora da Igreja e o féretro conduzido logo cedo para o campo santo pela família e mais alguns amigos. Na porta do cemitério, o defunto pulou do caixão. Galo Assado ressuscitou dos mortos, era o novo fato, esse de interesse científico, metafísico e religioso, a exigir pronunciamento abalizado de indivíduos influentes cuja opinião era acatada.
Itabaiana não cabia em si de espanto com fatos tão inesperados quanto extraordinários. Um poço de petróleo da mais alta qualidade, a desmoralizar a produção árabe, e um homem que tornou a viver. O “pastor” Zé Veríssimo, dono de uma bodega que só vendia perfumes de feira e brilhantina em pleno cabaré da Rua do Carretel, juntou um cortejo para orar na frente da casa de Galo Assado, fundando uma nova seita. “Ele estava morto e Deus permitiu que visse o céu e o inferno para contar aqui na terra”, acreditava Veríssimo. "Jesus está voltando”! – exclamavam os devotos.
Enquanto isso, já se faziam projeções sobre o futuro da cidade. Nevinha Rica sonhava com os barões do petróleo para abrir o maior e mais opulento puteiro do mundo.
(Continua amanhã)
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Botando minha colher no angu de caroço
Em Itabaiana só se fala na demissão de Dorinha, secretária da Paróquia local. O padre novato afastou Dorinha e botou em seu lugar uma nova funcionária, dizem que bela figura, jovem e atraente. A maledicência geral corre solta, porque dizer mal dos outros é o esporte preferido das cidadezinhas provincianas.
Não entro no mérito da dispensa de Dorinha, não sei se a substituição foi baseada em critérios voluptuosos, como querem crer os fofoqueiros de plantão, mas registro aqui nessa resenha do dia-a-dia itabaianense que conheço Dorinha desde quando foi secretária do Escritório de Advocacia Sobral Pinto, montado por meu pai Arnaud Costa, Josué Dias de Oliveira e Fernando Rodrigues de Melo. Ela sempre foi uma pessoa do bem, trabalhadora, competente e honesta. Dorinha é aquela figura clássica de uma pessoa acima de qualquer suspeita. Simples e honrada, minha amiga Dorinha merecia melhor tratamento. O padre certamente não conhece sua vida. O fato da demissão em si, nada singular ou fantástico, abalou a sociedade porque todo mundo achou que foi uma afronta não a Dorinha, mas ao próprio conjunto de habitantes da terra de Abelardo Jurema. Interior tem dessas coisas, a vida de cada um pertence de certa forma à coletividade, que se viu afrontada pela indelicadeza do pároco em afastar tão singela figura.
Soube que o mesmo padre mandou para casa o sacristão Bebé, que contava mais de meio século a serviço da Paróquia. De tão deprimido por se ver afastado de sua querida Igreja e seu ambiente de velas, santos, missas e enterros, Bebé não resistiu e morreu de mágoa e desgosto. Por aí se vê que o atual sacerdote da Matriz da Conceição vem pecando no quesito relações humanas. Em outras palavras, não está agradando à galera. Como só depende do Bispo para se manter no cargo, ele não deve estar preocupado com o que pensam suas ovelhas a seu respeito. O próprio Bispo, um cearense que veio para cá com fama de conservador, vem causando descontentamento a muita gente. Já diz o aforismo popular: se não estiver satisfeito, vá se queixar ao bispo. Portanto...
Encontrei Dorinha no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar. Foi assistir à peça ABC de Zé da Luz. Disse que está chateada por ter seu nome propagado até na internet, perguntou pela minha família, mas não revelou o motivo da sua tão badalada demissão. Com seu jeito simples, Dorinha vai ficar na lembrança das pessoas deste lugar. Já o pároco desaparecerá na grande massa dos obscuros desconstrutores da História.
Celebridades medíocres
Dr.Bosco Christiano Maciel
Os jornais, revistas, rádios e TV promovem pessoas que nada fizeram de relevante na vida em nenhum ramo de atividade. De repente, um zé mané ou uma maria fuleira qualquer aparece no Big Brother e ganha projeção nacional. A mídia pegou, por exemplo, a Xuxa, uma modelo que não sabia cantar, dançar ou interpretar, e alçou a galega aos píncaros do sucesso. São as chamadas celebridades descartáveis, se bem que no caso da Xuxa a coisa rendeu e ainda rende muita grana. Ela acabou por se estabelecer no show business televisivo, onde políticos carreiristas, socialites (emergentes ou veteranas), dançarinas de rebolado, atores canastrões (globais ou não), pagodeiros que mal sabem falar, autoridades ansiosas por promoção, e outros zeros à esquerda reinam sem qualquer mérito. Suas imagens são veneradas pelo populacho inconsciente, até serem descartadas pela própria mídia manipuladora de corações e mentes suburbanos.
Uma teoria no mínimo controvertida tenta explicar o fenômeno com a hipótese de que não temos gente de mérito para focalizar. Não existem bons escritores, cientistas de grande valor, ótimos artistas e pensadores no Brasil que mereçam destaque, por isso a mídia se vira com a mediocridade mais à mão, ocupando-se em focar tipos de segunda, terceira ou nenhuma categoria, como esse povo do Big Bosta. Não concordo com essa opinião. Acho que temos pessoas de alto nível em todos os setores. O Brasil exporta tecnologia de ponta em várias esferas de atividades, e nossa cultura é, pela diversidade e esplendor, uma das mais ricas do mundo.
Em minha opinião, o que ocorre é que a manipulação da mídia, visando interesses puramente com o único objetivo de gerar lucros, torna as pessoas alienadas, vivendo sem compreender os fatores sociais, políticos e culturais que os condicionam, bitolados por um processo de lavagem cerebral que os tornam idiotas, sem nenhum discernimento para ver um palmo adiante do nariz. Essa é que é a grande tragédia.
Vejam a cidade de Itabaiana, na Paraíba do Norte. Lugarejo pequeno de um dos Estados mais pobres do Brasil, mas se você for ver direitinho, temos grandes homens que merecem se tornar conhecidos e respeitados, por seu trabalho e importância. Não vou listar os nossos artistas e homens cultos que aqui nasceram, mas a série é grande e preciosa. Hoje foco apenas em um nome itabaianense, um cientista que granjeou fama e prestígio internacional pelo seu trabalho no campo da ciência, o nosso Bosco Christiano Maciel da Silva, um dos especialistas mais respeitados na área de microbiologia, micologia e imunopatologia do mundo. Ele fez especialização no Instituto Pasteur de Paris, tornando-se referência no estudo da Aids e outras doenças. Escreveu mais de 30 trabalhos publicados na imprensa especializada internacional e em anais de congressos. Atualmente, ministra aulas em cursos de graduação e pós-graduação na Universidade de São Paulo.
Bosco Christiano Maciel é filho da professora Maria Helena Maciel, outra itabaianense que se destaca como educadora na Universidade Federal da Paraíba. Então, não é por falta de valores que não se promove quem tem realmente qualidades excepcionais. Adeildo Vieira é um dos maiores compositores da Paraíba, nosso conterrâneo. Ninguém escuta a música de Adeildo nas rádios daqui. Otto Cavalcanti é um pintor reconhecido em toda a Europa, mas Itabaiana, que é sua terra natal, não o conhece. Assim temos muitos exemplos que invalidam a teoria de que não existem valores para mostrar e dar destaque.
Essa postura de desinteresse e desconhecimento provoca suspiros de consternação no pequeno grupo que sabe o porquê da degradação do que temos de mais rico. Os efeitos de tal processo iníquio: a perda da autoestima e o empobrecimento cultural. O que ainda salva é a mobilização da sociedade civil, com as organizações não governamentais, a exemplo do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, interessado em manter a salvo nosso patrimônio cultural e valores imateriais, cumprindo o dever que órgãos públicos responsáveis não cumprem.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Eu nasci quando o mundo começou
Leitora deste blog adverte para o pecado da vaidade. Ela imagina que eu sou muito ansioso em ter reconhecidos meus próprios méritos. Isto porque sempre publico frases elogiosas de meus compadres e comadres tão generosos. Portanto, peço permissão à minha nobre amiga que me censura brandamente pelo egocentrismo, mas tenho que citar mensagem que recebo de minha ex-professora Irene Marinheiro:
“A sociedade como um todo, não só a itabaianense, tem que ter orgulho de um ser humano como Fábio Mozart, pois ele tem contribuído para a melhoria dela e por um mundo melhor, mais fraterno e mais igual, sem tantas injustiças e tantas misérias. Se a sociedade não o reconhece como o grande homem que ele é, certamente é cega, surda e burra. Tenho muito orgulho de ter sido sua professora e de muitas vezes ter-lhe tido como confidente e sempre como amigo. Mais satisfeita fico em ver como defende insistentemente suas ideias de um ser político, indiferente a tudo o que já passou. Eu e Zenito somos seus eternos admiradores – Irene Marinheiro”.
Pronto, a imodéstia toma conta de novo da Toca do Leão. No embalo, leio que o arcebispo irlandês James Ussher (1581 -1656) descobriu que, baseado na cronologia da Bíblia, o mundo foi criado exatamente no dia 25 de outubro do ano 4.004 antes de Cristo, um domingo. Justamente no dia em que eu vim ao mundo. Um saudável senso de ironia é outro atributo deste que vos escreve daqui desta cidade mesopotâmica entre o Atlântico e o Sanhauá.
Portanto, exercendo meu sagrado direito ao sentimento egoísta, esse “eu” maravilhoso de cada um, que é o centro superior da consciência, vou publicando por aqui os elogios recebidos. Não é presunção, apenas registro do que as pessoas pensam a meu respeito. Pecado da vaidade? Já disse o cronista: pecado não passa de uma malandragem das convenções, de uma safadeza do establishment, de um engodo ideológico.
Meu pecado é ser honesto. E humilde. Não fora esse detalhe, seria perfeito!
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Sivuca Cultural Café
Uma rara turista visitou Itabaiana e foi conhecer o “Sivuca Cultural Café” na Praça Epitácio Pessoa. Seu depoimento: “o local é bonitinho, arrumadinho, limpinho, mas o cardápio... O cardápio é até legal, mas cadê que tem as coisas para servir aos fregueses? Os sanduíches naturais estão no cardápio, mas não tinha para servir. Capuccino? Também não, pois a máquina estava quebrada. Só tinha mesmo café expresso. Quando cheguei, a música ambiente, muito alta, era de hinos católicos. A primeira coisa que fiz foi questionar o garçom sobre isso, pois um local daquele não pode tocar música que tenha a ver com essa ou aquela religião e que deveria mesmo era tocar as músicas de Sivuca. Acho que ele falou com a gerente/dona e ela trocou por MPB”.
Por aí se vê que não estamos preparados para receber turistas, se algum dia viermos a explorar nossas atrações turísticas e culturais. Mas não é privilégio de Itabaiana. Em João Pessoa os bares e botecos também não sabem receber os visitantes. Em um restaurante, o freguês pediu sopa. O garçom chegou com um dedo dentro do prato.
– Tire o dedo da minha sopa! – reclamou o cara.
– É que essa quentura é bom pro meu panarício – alegou o garçom.
Em Itabaiana, a mulher de Otto Cavalcanti, pintor conterrâneo muito famoso na Europa, procurou por um mapa ou guia da cidade. Não encontrou nada parecido. Na sua terra, a Espanha, toda cidadezinha tem pessoas encarregadas de mostrar os museus, monumentos históricos, lugares e demais informações. E tem o guia impresso da cidade, prestando esclarecimentos sobre a província. Está na hora do meu confrade Antonio Costta providenciar a publicação de um guia de Itabaiana, ele que agora assumiu a função de Subsecretário de Cultura, Lazer e Turismo do Município.
O dono do “Sivuca Cultural Café” teve bom gosto ao criar um ambiente agradável, concebido para transmitir sensações prazenteiras aos seus clientes. Um piano torna o bar mais sofisticado, parecido com um café concerto, mas com duas ausências fundamentais: não se serve bebidas alcoólicas e nem existe a figura do pianista.
É possível apreciar a beleza da Praça Epitácio Pessoa, mas não se pode saborear bebidas e cocktails nem se ouve sons de jazz, bossa nova e blues, muito menos ao vivo. Tem que se contentar com as canções do Padre Marcelo Rossi e Padre Zezinho. O ambiente que era para ser moderno e citadino, como ponto de encontro para os que gostam de um recinto agradável e relaxante, não passa de uma caricatura de bar. Tem piano, mas não tem pianista. Tem garçom, copo, mesa e cadeira, mas não tem bebiba alcoólica. Lei seca vigorando em pleno balcão de bar é coisa que só se vê na minha velha e folclórica Itabaiana.
Assim, aquele espaço que se pretendia como referência para os nossos visitantes está mais para uma casa de chá do que para piano-bar. Em São Paulo existe o Oxygen-Bar, tipo de bar muito específico, visto nele não se vender bebidas alcoólicas, só águas e onde as pessoas respiram o oxigênio puro com aromas. Os clientes ainda podem, eles próprios, selecionar os aromas desejados. Talvez seja essa a ideia.
Por uma lei Carimbó
Homem batendo em mulher. Essa opressão íntima vem sendo combatida pela Lei 11.340/06, a “Lei Maria da Penha”, coibindo a violência doméstica e familiar contra a mulher. Neguinho que surrar a companheira leva processo nas costas e pega até cadeia. A lei tem o nome em homenagem a Maria da Penha Maia, uma mulher que passou vinte anos apanhando do marido, até que ficou paraplégica. Lutou muito para ver seu agressor condenado.
Se a Constituição Federal fosse discutida e aprovada hoje, certamente modificaria seu artigo 153, parágrafo 1º, onde afirma que “todos os homens são iguais perante a lei”. As combativas feministas corrigiriam para “todos os homens e mulheres são iguais”. Nessa sociedade patriarcal, nem sempre somos iguais, homens e mulheres. Só em 1993 a Câmara dos Deputados aprovou o novo Código Civil, onde se considera a mulher em igualdade de condições com o homem na vida civil. O velho código, de 1916, considerava a mulher, o índio, a criança e o doido pessoas incapazes de exercer direitos e obrigações na vida civil. Pelo novo Código, o homem perdeu a condição de chefe da família. A sociedade conjugal passa a ser dirigida igualmente pelos cônjuges. O marido perdeu o pátrio poder e o direito de determinar o domicílio do casal.
“Do jeito que vai, o homem vai acabar sem direito algum”, lamenta-se o saudosista do tempo em que a mulher era simples objeto de cama e mesa. Mas a Lei Maria da Penha é discriminatória, porque só fala em coibir a violência doméstica contra a mulher. E o homem que apanha de sua cara metade? Aí aparece o preconceito às avessas: mulher que sofre agressão de homem é vítima, e homem que apanha da mulher é corno.
Estudos mostram que homens e mulheres se agridem em proporções iguais, ou a mulher pode chegar a cometer o maior número de agressões num relacionamento. Uma pesquisa feita pela Unidade de Estudos de Álcool e Outras Drogas (Uniad) da Unifesp, com apoio da Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), em 2008, concluiu: “As mulheres brasileiras são mais violentas do que os homens durante as brigas de casal. A porcentagem de mulheres que agridem os parceiros é de 14,6%, enquanto o relato de homens que batem no sexo oposto é de 10,7%”. Esta pesquisa mostra ainda, assim como muitas outras, que as mulheres tendem a cometer a maior parte de agressões leves e a atirar objetos nos seus parceiros.
Conheci um compadre que sofria nas mãos da sua patroa. Eram surras diárias com cipó de jucá, tamanco, virola de pneu e cabo de vassoura. O pobre homem vivia humilhado, sendo caçado em tudo que era bar. Ele era forte e brabo, mas diante da mulher virava um cordeirinho. Temia a sua algoz como o diabo tem medo da cruz. Teve problemas psicológicos por causa desse relacionamento conturbado. O nome do homem eu não digo, mas o apelido é Carimbó.
Sei que vou receber muitas críticas das minhas amigas feministas, mas forçoso é reconhecer que a mulher é quem comete mais violência psicológica contra o homem. Ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir, principalmente em relação a bares e similares, a maioria dos homens é vítima de toda essa coação. A lei Maria da Penha é, portanto, inconstitucional por ser discriminatória. Que se aprove uma Lei Carimbó, para proteger os homens do gênio irascível da maioria das mulheres.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Meu amigo baiano
Dizem que baiano burro nasce morto. E paraibano nem nasce! Conheci um cara a quem chamavam de Baiano, mas ele mesmo nunca definiu de onde veio. Foi assim: em 1972 eu editava um periódico literário por nome “Jornal Alvorada”. Arrumei emprestado com o prefeito de Itabaiana, Aglair da Silva, um maquinário gráfico antigo e montei minha tipografia numa casa de taipa no bairro Açude das Pedras. Não havia eletricidade, a impressora era manual. Meu ajudante chamava-se Biu Penca Preta. Por aí se percebe a imprestabilidade daquele empreendimento, sem muita ligação com a realidade.
Um dia me aparece um senhor de meia idade, alto e magro, cabelos compridos brancos, barbicha idem, maltrapilho e super gago. Pedia esmolas. Alguém o chamou de baiano e ficou assim batizado. Gostei do seu jeito, logo foi agregado à gráfica “sopapo” como ajudante. Dormia na casa, alimentava-se de pão e água, fumava muito. Queixava-se de uma dor de cabeça crônica. Para amenizar a dor, soltava bombas junto ao ouvido. Creio que sofria de um tumor cerebral.
Descobri que Baiano falava, lia e escrevia em inglês, alemão e espanhol, adorava ouvir as rádios estrangeiras em ondas curtas. E revelou-se para mim outro fenômeno: Baiano tinha uma memória excepcional. Decorava tudo que lia imediatamente. Sabia a Bíblia toda de cor.
Comprei um rádio velho para ele. Passava as noites ouvindo emissoras de outros países e fumando sem parar. De vez em quando soltava uma bombinha perto do ouvido para amenizar a dor. Esse homem cuja amizade me honrou, viveu conosco até morrer, certamente do mal de que se queixava. Por indecisão, negligência ou por outras razões, jamais soubemos de suas origens, do seu passado. Suas manias e seu jeito denotavam alterações patológicas. Sua mente guardava segredos acima do padrão normal.
Não existem vidas comuns. Cada uma esconde um milagre.
Eliane Brum é uma jovem jornalista, autora de um livro chamado “A vida que ninguém vê”. Nele, a autora afirma que “não podemos nos iludir com a cegueira do cotidiano”. Para ela não existem vidas comuns, existem olhos domesticados.
ILUSTRAÇÃO: “Cabeça de velho”, de Cândido Portinari
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Não existem vidas comuns
Encontrei o Professor Benjamim, um dos meus raros leitores, no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, em Itabaiana. Ele veio entregar cerca de 200 livros da Universidade Estadual da Paraíba para a biblioteca comunitária Arnaud Costa que acabamos de inaugurar. O mestre perguntou de chofre:
– Por que você fala tanto em Itabaiana e Mari, e pouco menciona Timbaúba, sua terra natal?
Pergunta pouco desafiadora, posto que fácil de responder. É que saí de Timbaúba com apenas 8 anos de idade. Morei 25 anos em Itabaiana, onde vi, ouvi e vivi tudo o que foi interessante para minha formação, nada de excepcional ou extraordinário, um passado “pouco recomendável” perante a sociedade. Mas é como disse o pensador: aquilo que vem ao mundo para nada perturbar não merece nem contemplações nem paciência. Foi com esse pensamento que meu professor Zenito Oliveira procurou me conhecer, quando chegou a Itabaiana com sua Irene Marinheiro.
– Quem é aquele barbudo?
– Um comunista metido a boêmio, frequentador de puteiro.
– Pois é com esse povo que eu gosto de conviver – disse o mestre Zenito.
Dito e feito. Ficamos amigos, gostei de sua franqueza, ele admirou minhas ideias meio confusas na política e nas artes, e assim formamos uma patota. A imagem mais remota que guardo de Zenito foi quando, por obra e desgraça dos lambe-botas da ditadura e meia dúzia de falsos moralistas, nosso professor e amigo Idalmo foi expulso do Colégio Estadual. Zena foi um dos poucos colegas de profissão a ficar ao lado do nosso “senador”, um ato de muita coragem naqueles tempos safados.
Mas estou eu tergiversando. Quero falar mesmo é de Timbaúba, nas remotas eras de minha infância. Foi na Princesinha da Serra onde nasci na Rua do Sapo. Depois fomos morar no bairro Timbaubinha, numa casa de esquina em frente a uma praça que ainda hoje está lá. Foi onde bateram essa “chapa”. O quinto menino da direita sou eu aos oito anos. Ao meu lado, meu primo Josué de camisa listrada, o cara que construiu uma máquina de projetar filme, um encantamento para meus olhos de garoto pobre. Era uma caixa de sapato com lâmpada vazada e cheia d’água. O filme, pedaços de fita que arrumavam no cinema Alvorada. Nunca esqueci aquele projetor. Essa imagem fantástica ainda hoje está viva na minha emoção. Minha aspiração intensa passou a ser construir um daqueles aparelhos encantados.
Daquele grupo de pessoas, só minha mãe está comigo. Os demais, não sei onde o destino os levou. Sei que minha tia Judite, ao fundo, ao lado de mãe com o garoto, faleceu. Esse garoto é meu irmão Nôca. Fico refletindo: onde estarão essas pessoas hoje? O que foi feito de suas vidas? Não existe vida comum. Cada uma esconde um milagre. Sabe o que faria se tivesse grana? Investiria numa busca insistente para recuperar a história individual de cada figura dessa foto antiga.
Amanhã falarei de um cara excepcional que conheci em Itabaiana. Não percam esse eletrizante capítulo da novela “Não existem vidas comuns”.
Crônicas desimportantes do futebol
Esse era meu time, o Canteiro. Eu e o velho Caixa D’água fomos os únicos cartolas a dirigir um time de futebol e ao mesmo tempo comandar o campeonato.O carequinha era meu técnico, o velho Jason “Zé Serra”. (Caixa Dágua: Eduardo Caixa D’água Vianna, ex-presidente da Federação de Futebol do Rio de Janeiro. Morreu em agosto de 2006).
No dia 23 de janeiro de 1989, fundei a Liga Mariense de Futebol. Vinte anos não passam em vão. A História se faz de pequenos e aparentemente desinteressantes acontecimentos que depois apresentam outra configuração. Tudo marca a identidade de um povo.
Estou dizendo isso porque andei fuçando nos meus papéis velhos e encontrei relatórios de jogos do campeonato de futebol local. Não sou historiador, apenas um contador de histórias. A diferença entre um e outro, o velho Machado de Assis já apontava: o historiador foi inventado pelos homens cultos e letrados. Já o contador de histórias foi criado pelo povo que nunca leu nada.
Pelo menos para aquela geração que viveu as alegrias e os sacrifícios de fazer futebol amador em uma cidade pobre e pequena, esses relatórios chamam a atenção e remetem a pessoas e fatos banais, corriqueiros, mas que revisitados vinte anos depois, mostram que são os pequenos acontecimentos diários que tornam a vida espetacular.
O futebol era um luxo baratinho que eu me permitia nos finais de semana em Mari, um lugar tão sem opção de lazer. Organizei o campeonato. Diziam que as tentativas de se fazer campeonato na cidade foram sempre frustradas porque acabavam em brigas. Não havia a cultura da organização e observação das leis básicas do esporte. Comecei por botar o delegado da cidade, Clemir Claudino, como chefe da Junta Disciplinar Desportiva, que era pra dar moral e evitar a esculhambação. Clemir era temido pelo temperamento forte e fama de brabo. Além de presidente da Junta, o delegado era zagueiro de um dos times participantes, ligeira anomalia a que eu tive que fazer vistas grossas em nome do bom andamento da competição.
Vamos aos fatos. No dia sete de abril de 1991, o secretário da Liga, meu amigo Edson Teixeira, registrou no relatório que o jogo entre o Curitiba e ABC terminou em um a zero para o time da cartilha, com gol anotado por Severino Ramos. Observação: o banco do ABC com pessoas estranhas, incluindo duas mulheres.
Vasco e Brasil jogaram no dia 18 de maio de 1991. O Brasil venceu por três a dois. Um dos tentos do Brasil foi anotado pelo atleta Flávio Ricardo Mesquita, o Flavinho, uma promessa de médio apoiador. Onde andará Flavinho, que sonhava em jogar em time grande? O jogador Paulo Quirino ofendeu moralmente o banco de reservas do Vasco, o juiz e o representante da Liga. Mas não foi expulso. Mesma sorte não teve seu colega José Felismino, o dono do único cartão vermelho do jogo.
Mari e Curitiba jogaram em 12 de maio de 1991, sendo que o último clube saiu perdendo por um a zero, gol de Gilvan Lourenço. O delegado Clemir Claudino, zagueiro do Curitiba, acabou recebendo cartão amarelo por jogo violento. Não consta no relatório o nome do corajoso árbitro. Na súmula, consta o nome de Kleber Saldanha recebendo cartão amarelo. Esse rapaz veio a morrer assassinado há pouco tempo.
O Estádio Pedro Tomé de Arruda recebeu bom público para o jogo entre Mari e Brasil no dia 15 de junho de 1991. Aos dez minutos de jogo no segundo tempo, depois de ter José Agenor e Ivanildo Julião expulsos pelo árbitro, o Mari abandonou o campo. Antes, em 14 de abril, o time da estrela solitária do cabaré aplicou dois a zero no mesmo Mari, o “time do picolé”. Edson anotou que “os times não cumpriram o combinado para virar no segundo tempo sem descanso”. É assim o amadorismo, não se tem direito nem mesmo ao intervalo para descansar.
O Botafogo aplicou sonora goleada no Flamengo: cinco a zero. Nem por isso o time do Flamengo de Biu abandonou o campo. Foi no dia 05 de maio de 1991. Mas o dono do Flamengo, Severino Patrício de Souza, perdeu a cabeça, levou cartão amarelo e depois vermelho. Com seu jeito simples, o desportista Biu Patrício chegou a se eleger vereador, sempre com a bandeira do futebol.
O Botafogo voltava a golear. Dessa vez a vítima foi o Curitiba, o time do delegado. Foram nove a zero. Um tal de Paulo de Freitas Filho fez três desses gols. É filho do meu saudoso amigo Paulo da Sinuca.
São relatórios saborosos desse esporte que é uma espécie de óleo lubrificante das relações sociais. O convívio humano não seria o mesmo sem o futebol nas pequenas cidades. Um dia vou escrever um livro só baseado nos relatórios da Liga Mariense de Futebol, passando causos a limpo com sabor de eternas saudades, registro de vida e vivência através do futebol mariense. Quem quiser ler mais sobre o assunto, remeto ao endereço http://www.fabiomozart.com/mari_11.html
“Juiz de Mari bate recorde mundial”.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Tragédias e comédias das alcovas
O sexo tornou-se o centro de nossas vidas, motivador de nossas ações, por ele se mata e se morre; enfim, controlar a sexualidade alheia é uma das formas mais poderosas de exercitar o poder.
Mas isso não é de hoje. Estou lendo “Dois mil anos de segredos de alcova – de Nero a Hitler”, Claude Pasteur. Conta casos sobre a impotência do poeta Ovídio, o abuso de afrodisíacos por Lucrécio, as bacanais de madame Wou na China, a fimose de Luiz XVI, as extravagâncias do duque de Choisy e os órgãos sexuais atrofiados de Felipe Augusto. Essas curiosidades sexuais de figuras ilustres da História desfilam no livro de Pasteur, mostrando como os problemas da sexualidade afetaram a psicologia das figuras que foram essenciais nos destinos da humanidade.
Entre doenças venéreas, impotências, noites de núpcias doidas e pressão religiosa, desfilam os humilhados e incapazes, os malucos e tarados da História. Ainda estou na página 47 e já passaram as traições de Vênus, um casamento forçado entre uma santa e um príncipe brutal e a história de uma imperatriz chinesa que gostava de beber o esperma do príncipe. Por sinal, antigamente na China, os assuntos do sexo eram tratados de forma clara, sem nenhuma vergonha. O contato com a cultura ocidental mudou o comportamento, criando o sentimento de pudor de debater os temas sexuais. Madame Wou beijava os pênis dos seus ministros. Manteve-se ativa sexualmente até os setenta e oito anos, quando foi presa e morreu na cadeia.
Sobre sexo e poder, versão paraibana, remeto a crônica do nosso site: http://www.fabiomozart.com/joao_pessoa_21.html
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