segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O carnaval de Geraldo Caranguejo


Neste carnaval, vai uma postagem de 2009, enquanto rola o frevo:

No clima carnavalesco, desentranho memórias de antigos carnavais itabaianenses. Era um quarteto formado por Fábio Mozart, Geraldo Caranguejo, Sanderli, Roberto Palhano e Joacir Avelino, integrantes da jocosa comédia humana que é o tal do tríduo momesco, no tempo em que carnaval era galhofa, birita e alegria mais ou menos inocente, diferente de hoje quando essa festa transformou-se em esquemas mercenários dominados por grotescos bandos de jovens vestidos com um tal de abadá e correndo atrás de trios elétricos martelando músicas infames como trilhas de máquinas de fazer dinheiro. Acho o carnaval hoje uma coisa idiota.

Mas os meus carnavais de antanho (que palavra!) eram carnavais! Lembro que não se tinha fantasia, então recorríamos ao guarda-roupa do Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana (GETI). Um ano saímos eu de cangaceiro, Sanderli vestido de diabo, Joacir com roupa de bobo da corte e Geraldo Caranguejo vestido com uma batina de padre.

Breve parêntese para as apresentações: Roberto Palhano ainda toma “pau dentro” na barraca de Zezão, no Geisel, Sanderli hoje é crente de Jesus, Joacir paga seus pecados correndo atrás de bandidos no sertão de Alagoas, eu continuo anarquista e Geraldo Caranguejo é o que sempre foi: um cara arretado, maravilhoso ser humano que veio ao mundo para se divertir e alegrar os semelhantes. Geraldo já era o próprio carnaval nos dias comuns, imagine! Espirituoso, teatral, piadista, nunca se viu o cara com raiva ou triste. Era a encarnação do riso popular, alegre e festivo, malicioso e ingênuo. Geraldo realizava sempre o milagre de mostrar o que realmente somos: ridículos coletivos. A humanidade é um bando de palhaços que querem ser levados a sério. Geraldo apontava o dedo e dizia: o rei está nu!

Eu disse era, mas corrijo: ele ainda é tudo o que eu afirmei, pois continua vivo. Deixou de beber por causa do fígado um tanto avariado, mas a verve continua a mesma. Sua rica e comunicativa passagem por nossas vidas se deu porque foi meu camarada de trabalho na rede ferroviária e parceiro em muitas noitadas de cantoria de viola na beira da linha nas vésperas da feira de Itabaiana e em muitos carnavais.

Nesse carnaval em que saiu de padre, Geraldo resolveu visitar as putas dos cabarés da Rua Treze de Maio, o famoso Carretel. Chegou abençoando as meninas. Terminava dizendo: “que Deus a tenha e o diabo a carregue”... Rezava uma reza doida, rimando fé com Maomé e aleluia com farinha na cuia. As meninas, matutinhas ingênuas, pensavam que o cara era mesmo padre. Na quarta-feira de cinzas, chegou na igreja um grupo de raparigas procurando um tal de Padre Geraldo Caranguejo, que inventou um jeito novo de comungar, substituindo a hóstia por tira-gosto de caju e o vinho por cachaça “Pitu”. Dizia que era a adaptação cultural da religião conforme os costumes nordestinos.

Só uma vez testemunhei Geraldo chorando. Foi num carnaval. Fim de festa, dia amanhecendo, todos sujos de talco, graxa e lama, lisos e entrando naquele túnel terrível que anuncia a depressão da ressaca. Um mendigo pedia esmolas na calçada da igreja. Geraldo parou e colocou seu chapeuzinho de bobo de uma corte sem rei na cabeça do velhinho, que sorriu com sua boca sem dentes, agradecendo. O antes alegre folião Geraldo Caranguejo parou um instante diante do velho e começou a chorar, muito digno.

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